Trocar (ou não) de lugar no avião após pedidos? — uma questão maior ainda para quem tem medo de voar

Esta semana viralizou na internet um vídeo no qual uma passageira é filmada dentro do avião por uma mãe, sob a acusação de não querer ceder o assento para o filho pequeno da pessoa que fazia o registro. A maioria dos internautas reagiu a favor da passageira, alvo da câmera do celular, que estava sentada em um assento na janela. “Se eu pago, o assento é meu.” “Não sou obrigada a trocar de lugar.” “Se a mãe quisesse uma poltrona na janela para a criança deveria ter solicitado antes à companhia.” Foram típicas frases de apoio. A passageira filmada foi a administradora Jeniffer Castro e na manhã de hoje ela falou pela primeira vez sobre o assunto no programa Encontro com Patrícia Poeta, da TV Globo (veja trechos da entrevista ao longo desta matéria).

Sem querer entrar no mérito de quem tem razão ou se a mãe tem ou não culpa (tento não julgar responsáveis, pois imagino que cuidar de um filho ou filha deve ser tarefa hercúlea), acho que podemos pensar sobre alguns pontos importantes. Será que há panicados e panicadas que têm seu “lugarzinho do coração” na aeronave e que, de repente, garante até um pouco menos de medo? Joguei tal pergunta no Instagram do rivotravel, e a resposta foi positiva.

 
 

Lugar de ouro

Eu mesmo, aliás, tenho meu assento cativo: corredor da primeira fileira. Já escrevi sobre isso aqui no site, na matéria “Primeira fileira: lugar favorito de quem odeia voar?”. O curioso é que meu “lugar de ouro” já mudou algumas vezes ao longo da vida. Antes, era na penúltima fileira, sempre do lado direito (de quem olha para a frente do avião) e na cadeira do corredor. O motivo? Sabe-se lá qual era; acho que foi uma escolha completamente aleatória. Não importava o argumento que me dessem, eu sempre respondia que precisava viajar ali. Ainda bem que a penúltima fileira não é nem um pouco visada pelos viajantes, então sempre estava livre na hora da reserva. E minha mania de ter um posto fixo na aeronave não começou ali. Antes disso, meu lugar favorito era qualquer um, contanto que fosse na janela.

E olha que “curioso” (trágico, na verdade). Muitos anos atrás, antes mesmo do rivotravel nascer, peguei um voo de São Paulo para Salvador. Como sempre, estava na janela. Pois, no meio da viagem, uma mãe, que estava ao meu lado, no meio, perguntou se eu poderia trocar de lugar com o filho dela, que estava no corredor. Acreditam nisso? A mesma história da moça que foi filmada nesta semana (que, por sinal, ganhou mais de um milhão de seguidores no Instagram em questão de poucos dias).

Na época, eu era mais bobinho e queria sempre agradar a todos (hoje sou um pouco menos). Pois não é que aceitei sair do meu lugar sagrado e trocar com a criança? O resultado? Comecei a ter uma crise nervosa. Lembro que abaixei a cabeça e tentei controlar a respiração, mas estava mais ofegante que um maratonista no fim de corrida, com o coração querendo sair pela boca. Não demorou muito, e eu estava chorando, tentando abafar as lágrimas com as mãos. Uma comissária passou, viu a cena, perguntou se estava tudo bem. Expliquei o ocorrido, e ela não titubeou: pediu à mãe que tirasse a criança do assento da janela para que eu, em pânico, voltasse à minha poltrona de origem (e da qual nunca deveria ter saído). Assim foi feito. Logo, me acalmei.

Hoje em dia, não troco de lugar nem que o homem mais lindo do mundo peça. Inclusive, já deixei de escolher um voo ao ver que meu assento encantado na primeira fileira não estava disponível (na verdade, são duas opções: 1C e 1D, cada qual de um lado do corredor). Pois é, já cheguei a esse ponto.

meu lugar, meu pânico

E eu não estou sozinho nessa de “só voar na janela” ou “só voar em determinada fileira”. Entrevistei algumas panicadas para esta matéria. A empresária Valéria Cunzolo, por exemplo, é do meu time. No caso dela, o lugarzinho do coração é na janela. “E quanto mais na frente da aeronave melhor, pois alguém me disse que atrás balança mais. Na janela vou “controlando” o tempo, se balança eu vejo se tem nuvens, se é turbulência de céu limpo, enfim me dá uma falsa sensação de controle! Mas também adoro ver a vista!”, diz a empresária. Em tempo: turbulência de céu limpo (ou de céu claro) são aquelas invisíveis (como por exemplo sem formação de nuvens) e que não podem ser previstas por pilotos ou radares convencionais. Valéria sempre compra antecipadamente o assento, para garantir o conforto de se sentar onde quer. E se alguém pedisse para trocar de lugar, uma “dança das cadeiras”? “Eu negaria o pedido, pois meu pânico aumenta se eu sentar no corredor ou no meio. Já tive a experiência de não ter janela (no voo) e precisar viajar no corredor, mas foi muito mais desconfortável voar”, conta.

Mas um aviso a Valéria: o local onde “se sente menos”a turbulência é na parte central, onde estão as asas. Isso já me foi dito por um comissário. E pesquisei pelo assunto na internet agora e encontrei especialistas confirmando a informação em veículos de credibilidade, como revista Época e UOL.

 

“Eu e meu filho, que nunca viajou na janela, porque a janela é minha”, afirma Valéria, entre risadas, sobre a foto em um voo da TAP Air Portugal feita neste ano, entre Lisboa e Paris

 

Quem está fazendo a lição do “sentar na asa para fugir dos sacolejos do aeronave” é a professora Talita Araújo. “Qualquer movimento acelera meu coração, então ter menos dela (turbulência) me ajuda a dar atenção aos exercícios de distração. Além disso, opto pela janela pois no pouso quando já vejo a cidade me alivia muito”, relata, acrescentando que não sabe como reagiria caso alguém pedisse para trocar de lugar. A professora conta que o pânico é tão forte que normalmente está sob efeito de medicações para a ansiedade e tentando controlar o choro. Uma coisa ela sabe com certeza: acionaria os comissários, pois tem como hábito sempre recorrer a eles. “Normalmente chego no voo já comunicando meu medo e pedindo suporte. Tentaria explicar que seria impossível pra mim sair do meu lugar. Jamais abriria mão do meu lugar, mas me sentiria ainda pior durante o voo pelo estresse extra causado”, detalha Talita.

Quem não abriu mão do direito de permanecer no próprio assento foi a administradora Jennifer Castro, que motivou a realização desta matéria. Em entrevista hoje ao programa Encontro com Patrícia Poeta, ela afirmou: “Eu ainda não sei o que sentir. Eu estou tentando processar tudo. O que eu passei não foi fácil. Eu fiquei com medo de que viessem para cima de mim. Eu tentei não responder para não chamar mais atenção”, acrescentando ainda que foi chamada diversas vezes de “imbecil” pela mãe durante o voo. “A birra dele (do filho) é que ele queria sentar com a avó dele, que estava do meu lado. Só que a família dele estava toda ao redor, então ele tinha a janela do lado esquerdo para sentar”, disse a administradora. “Ela (a mãe) foi muito sem educação comigo. Ela veio me gravar e perguntou se eu tinha algum problema. Eu achei super preconceituoso aquilo. Perguntou se eu tinha alguma deficiência ou algum problema”, afirmou ao programa global. Segundo Jeniffer, a companhia aérea não interveio para ajudar a resolução do conflito e que as medidas judiciárias "estão sendo tomadas".

A jornalista Flavia Suzue Ikeda, uma “janeleira de avião” de carteirinha conta que, muito tempo atrás, viveu o auge do pânico. Viajar era um terror. Certa vez, uma passageira ficou se esgueirando para olhar pela janela. “E eu, que sou um amorzinho, fui simpática, me encostei no banco pra ela olhar melhor. Aí ela perguntou se eu trocaria porque era a primeira vez num voo. Aí eu lamentei. Mas não troquei. Tenho medo e a pessoa tava no banco do meio ainda”, relembra a jornalista. Ela diz que viajar ao lado de pessoas que estão voando pela primeira vez é tocante e que já ajudou pessoas a colocar o cinto de segurança e a abaixar a bandeja — (nota do autor: ser cordial é positivo, mas tudo tem limite, né? Também não trocaria de poltrona).

Ao contrário das panicadas já citadas nesta matéria, a arquiteta Cecilia Dunningham opta sempre por ir bem longe da janela. “E de preferência nas primeiras fileiras, mas sempre virada ao corredor; odeio a janela porque, além de me sentir presa, não gosto de olhar pra fora”, afirma. A arquiteta diz que nunca pediram para trocar de lugar no voo. “Mas se acontecesse eu ia ter que recusar na hora, porque não viajo longe do meu marido pelo meu medo de avião ser muito forte”. Ela conta que uma vez, por um desses azares da vida, teve que ficar na última cadeira da última fileira. E o pior: na poltrona do meio.

E, como sabemos, com quem tá no meio ninguém quer trocar.

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Trocar de lugar no avião pode parecer uma questão simples, mas, para quem tem medo de voar, é muito mais do que isso. O assento escolhido é mais que uma poltrona: é um ponto de segurança, controle e, em muitos casos, um espaço para lidar com o pânico. Cada passageiro tem sua forma de enfrentar o medo, e respeitar isso é essencial.

Rivo, AviaçãorivotravelComment