Viajei: SOCORRO — Campinas-SP nº② 2023: Voo de ida e volta

Este é o relato do segundo voo para Campinas-(SP) que faço este ano. Viajei para Viracopos (aeroporto que serve a cidade do interior paulista) também em maio/junho deste ano, e os relatos podem ser conferidos aqui (ida) e aqui (volta).

Pois bem! Meu voo Salvador–Campinas na verdade virou outro voo. Dias antes da viagem, eu estava completamente entupido, sinusite terrível. Fui ao otorrino e ele foi categórico: melhor não viajar assim, pois há até risco de perfuração de tímpano, por conta da pressão. Panicado e hipocondríaco que sou, liguei logo para a Gol para remarcar, pois sei que com atestado médico eles gentilmente trocam de forma gratuita.

 
 

Mas pense em uma atendente (insira aqui um comentário não-capacitista nem misógino). Primeiro ela encasquetou que o relatório médico estava com o nome errado. Segundo ela, deveria ter algo como “laudo médico” ou algo assim, e não “relatório”. Eu queria rir, mas o negócio era de chorar de raiva. Depois, eu mandava o relatório (que deveria ser laudo, na visão dela) escaneado em JPG para o e-mail da moça e ela insistia dizendo que não estava chegando em JPG. Estávamos diante do incrível caso de transmutação de arquivos. Por fim, ela dizia que o “relatório/ laudo/ sei lá o que mais” sugeria que, por conta da sinusite e do quadro geral, era contra-indicado fazer viagens de avião. Pois a atendente me disse: “o texto deve dizer que você não pode viajar”. Tentei argumentar: “senhora, o médico pode no máximo contraindicar a viagem, mas ele não é juiz para me mandar prender e não deixar viajar de forma alguma”. Não teve jeito. Ela estava irredutível.

Bem, foi preciso abrir reclamação no site reclame aqui (amo) e depois receber uma ligação de um atendente da Gol muito educado que não só disse que a colega havia feito tudo errado como prontamente remarcou minha passagem. Sem custos.

Ufa! Ser panicado e ainda passar por essas é difícil.

Voo de ida

No (novo) dia da viagem, num “belo” voo que partia 3h da madrugada de Salvador, os maus presságios estavam bombando. Sabe aquela agonia? Aquela certeza de que aquelas serão suas últimas horas? Para distrair, como era uma noite de sexta-feira, eu e Rafa fomos para casa de amigos beber (eles, no caso, pois álcool não combina com direção nem ansiolíticos) e conversar. O plano era ficar até umas 0h30 e de lá ir direto. Cheguei, papeei, ri, comi, e deitei no sofá para dormir. Foi tudo ótimo.

Corta para hora depois eu suando em bicas no carro em pleno inverno baiano (sim, pra gente 20 graus é frio). Sentia-me enjoado (não, Nina e Deco, não foi nada que comi na casa de vocês). Era enjoo da alma. Boca seca. Sequíssima. Esturricada. Deserto do Saara. Fui pro aeroporto vendo videos de gatinhos no celular, para acalmar. Tomei mais um remédio.

Na hora do raio-x, treta. Sou parado. “O senhor está levando uma arma, senhor?”. Era só o secador de cabelos portátil para viagens e um mixer para minha sobrinha.

Trôpego, aflito e remediado, quase saio despencando na escada rolante. Segundos antes havia oferecido ajuda a uma moça viajando com uma criança de colo, que prontamente aceitou. Ela agradeceu e me deu a sacola. Já pensou se tivesse me dado o bebê?

Hora do embarque. Vou rezando a Ave, Maria deturpada (que é basicamente a mesma cantilena, mas sem a parte do “agora e na hora de nossa morte”. Nessa hora você dá um pulo. Do “Rogai por nós, pecadores” passa direto pro “Amém”. Aliás, da próxima vez também vou deixar de lado isso de “Rogai por nós, pecadores”, pois sabemos que a Igreja Católica que as coisas mais gostosas e humanas da vida são pecaminosas. Na verdade eu tenho é que parar de rezar isso. Nem religioso sou. Mas na hora do embarque…

Voo de madrugada é ótimo, né? Aquele escurinho, aquele ar geladinho, todo mundo com sono. Dormi uns 90% do voo. Depois do pouso, perguntei para a passageira no assento ao meu lado: “ronquei muito?’. Ela: “não, que nada”. Uma moça delicada e mentirosa, com toda certeza.

Na saída, 5h da manhã, já tem fila na Starbucks do aeroporto de Viracopos. Enfrento. Sim, sou em parte italiano, amo café curtinho, forte e quente, mas também morro de amores pelos shakes de café gelado da rede norte-americana.

Os dias em Campinas e depois São Paulo (ainda bem que as duas cidades são próximas e facilmente percorridas de ônibus) foram de puro deleite na companhia de uma irmã e três sobrinhas já adultas (faço a ressalva pois não sou um cara muito dado a convívio com crianças. Nada contra, acho ótimo, apenas nasci sem esse software). Será que quando a gente viaja para um lugar que queremos muito conhecer ou então para estar com pessoas extremamente amadas o voo fica menos difícil? Não tenho respostas. Mas confesso: acho que não.

Voo de volta

O voo de volta foi igualmente tenso. Na véspera, acordo estranho: não sinto a ansiedade pré-voo. Humm, deve ter algo de errado comigo. A calmaria dura pouco. Vou separar na mala as camisas que ainda estão limpas, lembrando de deixar umas peças de roupa para o voo — gosto sempre de viajar fresquinho, com roupas cheirando a sabão em pó e amaciante. Aí vejo que há duas opções. Uma delas é uma camisa que amo, que me deixa gostosão, gatão. Só que é preta. Não! Preta, não! Sinal de luto. Não sou de superstição, mas confesso que a deixei bem no fundo da mala, intocável.

Na noite anterior ao voo, fui encontrar um amigo. Comento da ansiedade. Ele logo diz: “Ah, você vai tirar de letra, tá super viajado, voando toda hora”. Respondo: “pois é, justamente, pegando bastante avião, então a probabilidade de um cair só aumenta”. O garçom trouxe a sobremesa. O papo morreu — ops, morreu também não. O papo terminou.

Na manhã seguinte, acordei meio zonzo (sempre tomo um remedinhos na noite para “dormir bem”). Vejo que uma amiga mandou mensagem sobre aviação. A mente panicada pensa logo no quê? Desastre aéreo, claro. Mas foi alarme falso, era apenas uma notícia do fim de um voo da cidade dela, no interior baiano, para Salvador.

Fui pra a varanda enquanto a hora de chamar o uber não chegava. Aí começaram os pensamentos paranoicos. “Se aquele passarinho ali sair voando no próximo minuto é sinal que a viagem vai ocorrer tudo bem”. O passarinho voa logo depois. Ufa. Mas aí é claro que a mente louca não se dá por satisfeita e segue. “Se aquele homem atravessar a rua, o voo vai ser ótimo”. O cara segue reto no rumo dele. Pânico.

Chamei o carro por aplicativo e fui apreciando a paisagem (sim, gosto da paisagem urbana caos de São Paulo). Gravei uns stories pro instagram do rivotravel. Em um deles, digo: é muito doido esse medo de voar. Pois a gente sabe, bem lá no fundo a gente sabe, que tudo vai correr bem, que aviação é uma área super segura. Mas nosso cérebro e nossos corações a almas insistem em nos autossabotar.

Cheguei cedo em Guarulhos, 2h30 de antecedência. Prefiro assim, ainda mais com o trânsito confuso paulistano, em que “em vinte minutos tudo pode mudar”. Dá tempo para um cigarrinho, um café, me arrastar bem letárgico pelo imenso Guarulhos, ver a vida passar. Odeio chegar esbaforido perto da hora do embarque, só aumenta minha ansiedade. Apesar de ter feito o check-in pelo aplicativo e já estar com o QR code para embarque na tela do celular, preferi imprimir nos totens eletrônicos a versão física do cartão de embarque. Jornalista geralmente é precavido. Vai que a maquininha de leitura do código pifa? Bom ter o papel em mãos. Evitar estresses na hora de embarque.

Por falar em estresse, o pior estava por vir. E nem me refiro ao chá gelado de pêssego que amo e que me custou 15 reais ou à funcionária do raio-x me botando pressa e eu todo devagar por conta dos remédios. Depois de andar meia maratona para chegar ao portão de embarque tropeçando um pouco nas próprias pernas, descubro que a entrada no avião será…remota! Sim, o temido e famigerado ônibus que leva os passageiros do terminal à aeronave. Olha que delícia. E mais: eu sempre compro o assento chamado “+ conforto” da Gol, pois, além de oferecer mais espaço para as pernas na primeira fileira (tenho 1,86 m), a tarifa dá direito a embarque prioritário (ou seja, mais tranquilo e menos panicado) logo depois de idosos, gestantes, pessoas do espectro autista etc. É o chamado grupo 2. E não é que a Gol gentilmente juntou os grupos 2,3,4 e 5 em uma fila só, que já estava quilométrica? Vejam bem, não tenho frescura de “ai, entro primeiro, sou o máximo”, mas se eles vendem o troço mais caro e anunciam que o embarque é prioritário, como consta no anúncio no site e no próprio cartão de embarque, como eles não respeitam isso? Fui ficando ansioso com tanta gente reunida. Exercícios de respiração.

Pensei: “dane-se, vou ficar por último, quando não tiver mais ninguém eu vou. Não vou me panicar aqui a toa, não”. Que nada!

Entre mortos e feridos (credo), embarcamos todos. Desmaiei na cadeira. Mas acordei logo depois. “O assento na vertical, senhor?". O assento está meio quebrado e não para reto. Mau sinal? Não! Socorro. Hora de decolar. Faço o famoso ABC com nomes de um mesmo tema. Dessa vez, comidas gostosas. Mas acho que metade foi de coisa que não gosto, como fato (também conhecido como bucho) e feijoada de feijão branco.

Decolou. Entre sacolejos, chegou à altitude de cruzeiro. Tento pelo aplicativo de entretenimento da Gol acessar uma meditação guiada. Péssima ideia. Odeio meditação. Em cinco minutos já desconectei, em parte por tédio, em parte por sono mesmo — ou pela chatice do áudio ou pelos ansiolíticos.

Não sei se foi a meditação, mas o fato é que capotei. Acordei pro lanchinho (pode ser uma mísera bolacha doce, mas faço questão). Dormi de novo. Acordei com o piloto anunciando o pouso em Salvador. Bem que poderia não avisar, né? Assim nem acordar eu teria acordado. Quando entrei na aeronave, avisei à comissária que sofro de aerofobia e que estava medicado. Ela: “te dá sono? Em que cidade o senhor vai descer? Assim te acordo”. Fofa. Mas não foi preciso. Eu amo pousos, pois significa o fim da tortuosa jornada iniciada já no momento de comprar a passagem aérea.

E eis que o voo pousou lindamente (ok, com umas freadas brutais).

Agora é esperar setembro e a nova viagem, para Itália, Portugal e Espanha.

E spoiler: talvez role Brasília em dezembro.

Família espalhada pelo Brasil e pelo mundo é assim mesmo. Ou é isso ou morrer de saudade.

Morrer? Credo. Ah, mas já estou em solo.

 

Quem reparou que estou segurando a caixa de um certo remedinho nesta foto?

 

Como de costume, fiz alguns videos desta viagem e coloquei lá no Instagram do rivotravel — vão lá conferir!

RivorivotravelComment