Panicado no cockpit — o dia em que entrei na cabine dos pilotos de avião
Na última viagem de avião que fiz, um voo da Gol entre Campinas e Salvador, embarquei e já fui logo avisando ao comissário que recepcionava os passageiros sobre minha aerofobia (li em algum lugar que é bom fazer isso, e desde então faço com regularidade). Pois desta vez, além das palavras de suporte de praxe (“não se preocupe, vai dar tudo certo”) que eu particularmente não vejo muita eficácia, veio algo incomum:
“Quando pousarmos em Salvador, você quer conhecer a cabine dos pilotos?”.
Meu Deus, por essa eu não esperava. Que honra para um amante da aviação! Que terror para alguém que morre de medo de voar!
Bastante grogue da medicação, disse que sim. Mas titubeante. Eu nem sabia que ainda era possível visitar a cabine de um avião, sobretudo após os ataques do 11 de setembro nos EUA e o reforço na segurança aérea que veio a seguir. Já estive em algumas cabines quando criança, lembro que nos anos 1980 e 1990 era comum as comissárias convidarem os pequenos viajantes para dar uma olhada lá na frente e bater um papo com os pilotos. Isso ainda em voo! Era uma festa, a meninada toda em fila entrando naquele espaço mágico. Certa vez, tive a sorte de pousar sentadinho em um banco retrátil dentro da cabine de um 747 da Varig no Galeão, no Rio de Janeiro. Imagina o perigo! Vai que eu fosse uma criança amalucada que resolvesse aprontar altas confusões bem na hora do pouso, um dos momentos mais críticos de uma viagem aérea e que demanda bastante atenção dos tripulantes? Mas enfim, eu era menino obediente e acompanhei tudo, olhos bem abertos, no meu cantinho.
Voltando para o presente, após o pouso em Salvador, enquanto os passageiros deixavam apressadamente a aeronave, um Boeing 737-800 MAX, pergunto para o comissário se o convite ainda estava de pé. Ele diz que sim.
Suor. Medo. Excitação. Há décadas não entrava em uma cabine. Tinha uma vaga ideia de como era. Lembranças de um espaço bem grande (certamente fruto de minha experiência no 747).
O comissário abre a porta e pergunta pro comandante se um panicado (risos, ele não usou esse termo, claro) poderia conhecer o local onde a “magia” era feita. Eis que sai lá de dentro um modelo, desses de capa de revista de moda. Pensem em um homem bonito! Acho que gaguejei um pouco. E tem toda essa coisa do uniforme, né? Nem tenho esse fetiche, mas que o piloto tava galã, ah, isso tava. Até estava de óculos escuros, para aumentar a aura redutora, praticamente um Tom Cruise no filme Top Gun (o original). Uma das primeiras coisas que notei, pois era difícil não perceber, era o braço completamente tatuado (braço “fechado”, como costumam dizer). A manga curta do uniforme, uma camisa branca de botões, revelava ainda mais a imagem colorida que ia do punho e subia até só Deus sabe onde. Acho super bacana que certos tabus tão antiquados vão sendo derrubados. Por que uma pessoa com tatuagens (piercings, alargadores etc) não pode exercer uma função responsável? Para uma geração mais antiga, homens cabeludos (olha eu aqui!) ou que têm tatuagens, piercings e afins são “vagabundos” (meu Deus, até imagino meu pai, nascido em 1929, falando isso).
Pois bem, com essa bela recepção, entro no território sagrado da aviação. Logo de cara uma imagem da infância foi quebrada: que lugar minúsculo! Tudo muito apertado. E a sensação só piorava pela profusão de botões. Para onde eu olhava tinha um. Na hora pensei nos filmes ambientados em aeronaves e como aquela área parece tão maior. Certamente os produtores reproduzem em estúdio, até para fazer caber as câmeras, luzes etc. Pura ilusão da sétima arte. Ok, eu tenho 1,86 metro de altura e atualmente 115 quilos (se bem que ganhei uns quilos a mais nessa última viagem, a casa de minha irmã é uma perdição de coisas gostosas pra comer). Acho que meu porte avantajado contribuiu para a sensação de falta de espaço. Me senti um elefante em uma pequena loja de bibelôs e cristais.
Foi tudo muito louco. Como já disse, amo aviação, mas morro de medo de voar. Então estar ali, no centro nevrálgico da coisa, onde todas aquelas toneladas são comandadas, me deixou meio zonzo. Era um mix de sensações, turbinado pelos remedinhos que tomo para poder voar.
Eis que surge o vozeirão do piloto: você quer sentar na cadeira do comandante? Por essa eu realmente não esperava. Gaguejei algo como “sim, claro”. E fui me espremendo para tentar alcançar o trono dos reis e rainhas dos céus. Percebi que para chegar ali deveria me abaixar (e muito). Dou um passo e bato a cabeça bem forte em uma parte do teto cheia de botões. Certamente calculei mal o tanto que deveria me encolher. Na hora só pensei: meu Deus, que eu não tenha apertado nada sem querer com a cabeçada. O voo ainda seguiria pra Maceió. Na hora deu uma leve panicada. Vai que o suposto botão, no meio de um mar deles, fosse vital para o voo.
Por fim, cheguei à poltrona. Olhei para ela como quem encara a cadeira elétrica e pensei: vou caber aqui? Parecia tão pequena. Sentei. Ou melhor, entalei.
Não fiz muitas perguntas, estava realmente animado e aterrorizado, uma sensação que não dá para descrever em palavras. O segundo piloto estava sentado ao meu lado, à direita de quem entra. Eu tentando me acomodar ali, me sentindo desconfortável. Imaginar que estava no lugar de comando daquilo que eu tanto temo e amo era hipnótico (lembrete: levar isso pra terapia).
O comandante bonito se ofereceu pra tirar uma foto. Entrego trêmulo meu celular. Ele parecia mais animado que eu. Ainda pediu pro outro piloto se encolher um pouco (tô dizendo, o espaço é mínimo). “Fulano, chega pro lado, pra não sair na foto”. Simulo um sorriso, algo difícil nessas horas. Pra quebrar o gelo, falo que sou jornalista, que amo aviação, que pensei em ser piloto, que comprava revistas especializadas no assunto quando criança. Mas que ainda bem que não tinha seguido na carreira, pois desde 2010 sofro de medo de voar. Já pensou um piloto com pavor de avião? Acabo me esquecendo de dizer do rivotravel.
Decido cortar a conversa, pois estava realmente ansioso em estar sentado ali. Além do mais, o voo seguiria pra Maceió (AL) e os dois precisavam se preparar para a nova decolagem. Saio me espremendo entre a poltrona e aquele mundo de botões que fica entre os dois assentos. Passo pela porta da cabine e me sinto aliviado. Mas feliz ao mesmo tempo. Amar e temer tanto uma coisa tem dessas.