Sicília: embarque nessa viagem por uma região italiana cheia de belezas naturais, arqueológicas e artísticas
Já que está difícil viajar, vamos recordar! Ainda na série “eu vivi há dez anos atrás (sic)”, damos prosseguimento à viagem que começou na Islândia (cujo giro pelo país você pode ler aqui). Agora, é a vez de rememorar uma road trip que fiz pela Calábria (um pouco) e Sicília (giro completo da ilha), duas regiões italianas cheias de história. Assim como o texto sobre a Islândia, este aqui permanece atual, uma vez que foco o relato em sítios históricos e arqueológicos, museus e paisagens. Se fosse abordar baladas, restaurantes e bares da moda, talvez ficasse datado. Mas com a bênção da milenar história do sul italiano, que já passou pelas mãos de inúmeros povos, peço licença para relembrar meu tour. Afinal, o que é uma década frente a mais de três milênios?
Há exatos dez anos, no dia 2 de setembro de 2010, saímos, eu e minha mãe, cedo de Erchie, cidade onde até hoje mora minha família paterna, na Puglia (a região foi tema de matéria do rivotravel) e seguimos de carro em direção à Calabria, onde pegaríamos o ferry boat para a Sicília. Não tínhamos um trajeto fixo. Fui dirigindo no mais profundo espírito do “deixa a vida me levar, vida leva eu”. Íamos parando onde desse na telha e perguntando para pessoas locais sobre áreas interessantes na Calábria, onde passamos dois dias rodando — essa é a vantagem do carro como meio de transporte, te dá total liberdade. Assim, passamos por locais lindos calabreses, como:
La Cattolica de Stilo. Essa belíssima e pequenina igreja fica na cidade de Stilo. Tem origem bizantina e fica pendurada em um íngreme colina. A região ficou sob domínio do império Bizantino até o século XI, que é justamente de quando é datada a construção da igreja. Quem domina a parte interna são os afrescos, pintados entre os séculos X e XV, e a bela vista do local. Saindo de lá, fomos a uma gruta no alto da montanha com pinturas religiosas da idade média. O verão deu lugar ao inverno e a uma paisagem de filme de terror, com árvores retorcidas envoltas em brumas. Na estrada, placas que avisavam os motoristas sobre o perigo de deslizamento de rochas. E de fato vi várias caindo. Medo.
Mas conseguimos chegar sãos e salvos lá embaixo. Rodando pelas estradas da Calábria sem rumo e passando por várias cidadezinhas localizadas no alto de montes, caímos na abbazia florense, em San Giovanni dei Fiore. Essa incrível abadia é super austera, estilo que eu me identifico demais. Começou a ser construída em 1215, marcando o início da cidade, e levou 15 anos para ficar pronta. O curioso é que essa igreja, no século XVII, recebeu uma decoração interior barroca, mas em 1989 passou por um processo de restauro que eliminou tal característica, deixando-a como possivelmente era quando foi planejada, em estilo românico.
Na bucólica cidade de San Severina, paramos para visitar o castelo normando da cidade, também conhecido como castelo Carafa ou de Roberto il Giuscardo, rei que mandou construir a fortaleza no século XI. Os normandos eram um povo originário da Escandinávia que ocupou o sul da península itálica na Alta Idade Média. A estrutura é bem no estilo medieval-conto-de-fadas.
Um outro castelo que rendeu bom tempo de admiração foi a fortaleza de Le Castella, em Isola Capo Rizzuto. Nesse não entramos, acho que estava fechado pelo horário (era pôr do sol, que no verão europeu ocorre bem tarde). Mas foi lindo admirá-lo por fora mesmo, tomando uma bela granita (minto, lembrei agora, a granita estava péssima, feita com xaropes artificiais imitando o gosto de frutas naturais). A edificação parece estar no meio do mar, ligada ao continente por uma estreita faixa de terra. A origem é helênica (os gregos ocuparam o sul da Itália), passando por inúmeras remodelagens e ampliações ao longo dos séculos.
Merece ainda destaque, em Reggio Calabria, o Museu Arqueológico Nacional de Reggio Calabria, também conhecido como Museu da Magna Grécia. Há uma enorme coleção de artefatos gregos. Destaque para o par de estátuas conhecido como os “bronze de Riace”, encontrado no mar Iônico por um mergulhador em 1972. Elas datam do século V a.C. O museu é considerado um dos mais importantes do mundo em arte helênica.
De Reggio Calábria, pegamos o ferry boat rumo à cidade siciliana de Messina, do outro lado do estreito. Chegando lá, me joguei logo em uma doceria. Os doces sicilianos, sobretudo as cassatas e os cannolis, são deliciosos, feitos com queijo ricota e ingredientes como pistache e frutas secas.
Nosso primeiro destino na ilha foi Taormina. A cidade é pequena e muito charmosa, com vários restaurantes, cafés e lojas. Chegamos já de noite e foi meio caótico transitar pelas ruas estreitas e ainda por cima achar um hotel bom e barato em meio àquelas vielas. Mas deu tudo certo e ficamos em um belo hotel. Taormina fica “pendurada” sobre o mar, em uma encosta. É destino de famosos há décadas. Os escritores parecem ter particular predileção pelo local, escolhendo as belas vistas do mar como fonte de inspiração, entre eles Truman Capote e Tennessee Williams. Em termos históricos, destaque para o teatro antigo de Taormina, o segundo maior da Sicília. É incrível visitá-lo e imaginar como deve ter sido frequentar aquele espaço das artes há cerca de 2.300 anos, com o mar mediterrâneo ao fundo e vista para o vulcão Etna. Até hoje ele é usado como palco para apresentações. Quando o visitei havia uma equipe técnica fazendo testes no local. A vista “das costas” do teatro também é de tirar o fôlego.
De Taormina seguimos para Siracusa, antes dando uma parada, no meio do caminho, em Catania. Há um interessante centro histórico, onde predominam construções barrocas. Um filho ilustre da cidade é o compositor Vincenzo Bellini. Quem tinha uma grande idolatria por Bellini era a diva do canto lírico Maria Callas (sou fã), que se apresentou por lá no papel de Norma, da obra homônima. Com a pressa, acabei não entrando no Teatro Bellini, mas passar pela frente já valeu a pena. Um curioso sítio arqueológico que visitamos foi o teatro romano de Catania, do século II (onde antes existia um teatro grego), e que hoje foi completamente engolido pela cidade após cair em desuso, no século VI. O restauro para devolver ao local seu aspecto antigo ocorreu no século XX.
De lá fomos pra Siracusa. Chegamos já de noite, cansados. Escolhemos um hotel perto do parque arqueológico da cidade e fomos a pé encontrar um lugar gostoso para jantar. Ruas desertas e escuras. Entramos em uma viela e lá encontramos um restaurante com cara de familiar, bom e barato. Entramos. Uma única mesa ocupada, apenas por homens. Todos pararam o que estão fazendo e nos encararam com uma expressão um tanto quanto ameaçadora. Enquanto sentávamos em outra mesa, alguns dos clientes se levantaram e se rearrumaram na mesa, de modo a não dar as costas para a gente. Senti um clima máfia siciliana no ar. Mas a comida estava bem gostosa.
De manhã, fomos conhecer a parte arqueológica da cidade, que foi um grande centro urbano na época dos gregos antigos e rivalizava em potência com Atenas. Destaque para o enorme teatro grego do século V a.C e para a “orelha de Dionísio”, nome dado pelo pintor Caravaggio a uma gruta artificial que teria sido usada como prisão em tempos antigos. O museu arqueológico de Siracusa também possui uma interessante coleção grega.
Próxima parada: Agrigento. Mas antes um pit stop no meio do caminho, para visitar a vila romana de Piazza Armerina. Nunca vi tantos mosaicos juntos na minha vida. Vale muito a pena programar uma visita.
Agrigento é famosa pelo Vale dos Templos. A impressão é a de estar em uma verdadeira cidade histórica grega. Evite os horários de sol forte, pois ele castiga de forma implacável. A Sicília está bem do lado do norte da África e a areia do Saara, tal qual a música Reconvexo (eu sou a chuva que lança a areia do Saara sobre os automóooooveis de Rooomaaaaaa…), também chega à ilha. Imagine o calor, então. Separe um tempo para conhecer o museu arqueológico de Agrigento, que é interessantíssimo e complementa a visita aos templos.
De Agrigento, colocamos Palermo no GPS e seguimos para a capital siciliana. Chegando lá, o caos! A cidade tem um tráfego intenso completamente hostil. Mas com calma (ou nem tanta) chegamos ao hotel. O ponto alto para mim foi o palácio normando real e a capela palatina em estilo bizantino. Uma riqueza, uma abundância de ouro. Perto de Palermo está a famosa igreja de Monreale, que não fomos, mas a julgar pelas fotos na internet tem o mesmo estilo e grandiosidade da capela real. Ainda na capital conhecemos algumas igrejas católicas no centro histórico, além do interessante e caótico mercado Ballaró.
Na volta de carro para a Puglia, demos uma parada em Cefalu, com seu famoso centro histórico e a catedral. Mas quem disse que achamos uma vaga para parar o carro? Rodamos, rodamos, e nada.
E ainda recebi uma multa na estrada, por excesso de velocidade. Mas não tem trânsito pesado, falta de vagas ou radar rodoviário que tire a beleza de fazer uma road trip pela Sicília. Recomendo demais.