Apenas um piloto! — Airbus estuda reduzir tripulação em voos de longo alcance (mas calma…)
Quando li essa notícia arregalei os olhos! Como assim tirar um piloto de dentro da cabine, deixando o outro sozinho, lá dentro? Mas é isso mesmo, pessoal. Na verdade, conversando com as fontes que usarei nesta matéria — Annibal Hetem, professor do curso de Engenharia Aeroespacial da Universidade Federal do ABC (UFABC) e Humberto Branco, presidente da Associação de Pilotos e Proprietários de Aeronaves (AOPA Brasil) — parece que a tendência de estudos de aviões de longo alcance apenas com um tripulante pilotando não é tão absurda assim. “Menos tecnologia, mais gente. Mais tecnologia, menos gente”, resumiu Humberto, sobre o número de profissionais na cabine.
Mas antes de entrar nessa seara, vamos aos fatos. A Airbus — uma das maiores fabricantes de aeronaves comerciais do mundo — planeja ter avião que possa ser comandado com apenas um piloto já em 2025. A ideia está sendo desenvolvida em parceria com a empresa Cathay Pacific, uma gigante do setor sediada em Hong Kong. O primeiro avião que eles buscam certificar nesses novos moldes é o recém-lançado A350, ou seja, um modelo de ponta. A modalidade, conhecida por seu termo em inglês “single pilot” (piloto único) seria posta em prática apenas em altitude de cruzeiro, ou seja, quando o avião já está nivelado numa determinada altitude, em algo em torno dos 10 mil ou 12 mil pés. Os momentos de pouso e decolagem, que são mais críticos, continuariam exigindo dois pilotos na cabine.
Mas então qual a vantagem de manter dois pilotos no avião, sendo que apenas um fica na cabine na maior parte do tempo? Aí que entra a questão que ressaltei lá em cima. Os estudos são para voos de longa duração, esses com 14h ou até mesmo 16h de jornada – o atual recorde é a rota Singapura – Nova York, com quase 18h de duração. Nesses casos, as companhias costumam embarcar até quatro pilotos para poder fazer um revezamento durante o trajeto. Na modalidade “single pilot”, seria possível reduzir o custo pela metade, pois enquanto um comanda, o outro descansa. Esse momento de relaxamento geralmente é feito em um espaço reservado apenas para o piloto, “escondido”dos demais passageiros, ou então em um assento vago da primeira classe ou da executiva. Assim, os dois profissionais podem alternar o comando da aeronave e estar presentes simultaneamente apenas nos pousos e decolagens.
Sei que pensar em tirar 50% da tripulação da cabine de comando parece absurdo, mas vamos olhar para o passado e ver o que ele tem a nos dizer. O presidente da AOPA Brasil nos lembra que na aviação há uma ligação direta: mais tecnologia, menos acidentes. Isso porque as “aeronaves ficam mais inteligentes”, os pilotos mais treinados e com mais informações para tomar decisões certas, observa.
Antes, em meados do século 20, eram até cinco profissionais na cabine. “À medida que a tecnologia avançou, foi possível substituir várias funções que antes eram responsabilidade de seres humanos. O radiotelegrafista foi substituído por sistemas de comunicação com ajuste automático de frequências e criptografia. Uma combinação de computador de bordo e do sistema GPS substituiu o navegador. Finalmente, a função do engenheiro de voo (hoje) é exercida por um sistema de controle digital abrangente que analisa o comportamento de todos os componentes críticos da aeronave, faz um registro e se comunica com os pilotos”, resume o professor da UFABC.
Mas o que cada um dos dois (atuais) pilotos atuais fazem? Quem explica é Annibal Hetem: os dois tripulantes são pilotos, isto é, podem dirigir e manobrar uma aeronave. Os termos corretos são “comandante” e “primeiro oficial”. Ele vai além: “A principal diferença é a atribuição de responsabilidades. Ao comandante cabe toda a operação e segurança da aeronave - a palavra final sobre decisões importantes são sempre dele. Geralmente, é o mais experiente e tem mais horas de voo. O primeiro oficial (o copiloto) auxilia o comandante, operando sistemas da aeronave, ajudando na tomada de decisões e pilotando quando necessário. Na ausência ou incapacidade do comandante, ele passa a atuar como primeiro em comando”.
Voltando ao projeto da Airbus de eliminar parte da tripulação em voos de longo alcance, há interesse econômico das companhias aéreas para diminuir custos com funcionários. As companhias aéreas, como qualquer outra companhia, desejam reduzir os gastos da folha de pagamento. Lembremos que esta não é o maior despesa para eles, pois o combustível é o principal responsável pelos custos, afirma o professor. Mas ele ressalta: “Entre os funcionários, os pilotos são uma elite e têm os salários mais altos, além de serem os principais protagonistas de eventos trabalhistas, como greves e manifestações”. No Brasil, em 2020, o salário médio de um piloto comercial no Brasil era de R$ 6.179,11, segundo o Anuário Brasileiro de Recursos Humanos, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Aviação.
Pergunto ao presidente da AOPA Brasil se não seria perigoso manter apenas um piloto na cabine. Ele questiona: quantas vezes, em tantas e tantas horas de voo, ouvimos falar de pilotos que desmaiam ou passem mal? “A última coisa que uma companhia aérea quer é um acidente. Então não há razão para polemizar em torno de perigos desse tipo. Essas evoluções só irão ocorrer quando se tiver um grau de segurança muito grande”. E será que as pessoas vão se sentir seguras viajando em um grande avião com apenas um piloto na maior parte do tempo? “Acredito que a geração atual não ficará nada satisfeita com isso, apesar de, em um voo convencional, nunca entramos em contato com os pilotos. Com o passar do tempo, as próximas gerações acabarão por se acostumar — principalmente porque não haverá mais voos com mais de um piloto”, afirma Annibal Hetem. Segundo Humberto, essas decisões não são repentinas, tomadas de uma hora para outra. Não há, portanto, motivo para medo.
Assim caminha a humanidade, minhas queridas panicadas e panicados. Vamos nos acostumando!