Muhammad Ali — O campeão olímpico que lutou contra o medo de voar
Com o começo dos Jogos Olímpicos de Tóquio, me veio à mente uma história que alguém me contou no começo do rivotravel, em 2017: o grande boxeador Muhammad Ali (nascido Cassius Clay em 1942 e falecido em 2016) morria de medo de voar! E nos voos, o medalha de ouro nas Olimpíadas de Roma em 1960 levava um “amuleto” que poderia ser bem prático para casos de emergência, como contarei lá embaixo.
Mas antes de contar sobre a aerofobia do atleta, vamos falar um pouco sobre a trajetória de Muhammad Ali, um dos maiores nomes da história não só do pugilismo mas do esporte em geral em todos os tempos. Cassius nasceu em Louisville, no estado do Kentucky, nos EUA. O início no esporte foi bem atípico. Aos 12 anos, teve a bicicleta roubada. Na delegacia, onde foi denunciar o fato, jurou que esmurraria o ladrão. O oficial de plantão na hora, Joe Martin (o policial era também treinador do esporte) perguntou se o garoto sabia lutar. Com a resposta negativa, convidou-o a treinar. E assim levou o adolescente para o ringue.
Nos seis anos seguintes, Cassius ganhou diversos prêmios regionais e até um nacional, para amadores. Mas foi o ouro como meio-pesado em Roma que o elevou à fama. Depois disso, ganhou uma série de cinturões e títulos internacionais. Foram mais de três décadas de conquistas. A mudança de nome ocorreu quando se converteu ao islamismo. Sempre que podia, o campeão falava sobre política, racismo e igualdade, sendo um verdadeiro ativista das causas humanitárias e contra a Guerra do Vietnã. Um caso curioso: após ter seus direitos desrespeitados por ser negro em um restaurante em sua cidade natal (o estabelecimento era apenas para brancos), jogou a medalha de ouro olímpica no rio Ohio. Muitos anos depois, em 1996, foi o escolhido para acender a pira olímpica das Olimpíadas da Atlanta, nos EUA, uma das maiores honrarias a um atleta. Na ocasião, já bastante debilitado pelo mal de Parkinson, foi laureado com uma nova medalha de ouro, comemorativa.
Mas vamos puxar a brasa pro lado do rivotravel. A verdade é que Muhammad Ali morria de medo de voar. O medo teria surgido em um curto voo doméstico nos EUA, entre Louisville e Chicago, no fim do anos 1950. Na época, o então adolescente, cujo pai também sofria de aerofobia, contou que a turbulência no trecho foi tão forte que algumas das poltronas se soltaram dos parafusos que as prendiam no chão. Verdade ou exagero de um panicado convicto? É preciso ressaltar que a tecnologia aeroespacial e a engenharia das aeronaves eram bem inferiores aos dias de hoje, mas daí a arrancar os parafusos é um pulo bem grande. Em todo caso, o treinador do atleta, Joe Martin, deu um depoimento a um biografo de Ali relembrando o caso. “Eu realmente achei que seria nosso último voo. Ele (Ali) estava rezando e gritando. Ele estava completamente apavorado”.
Depois desse show de horrores em grandes altitudes, Ali desembarcou decidido: só voaria se tivesse com um paraquedas junto a ele. E comprou um! “Ele simplesmente foi em uma loja de equipamentos e saiu de lá com um paraquedas”, disse Joe. Em algumas ocasiões, o panicado famoso disse em entrevistas: não tenho medo das lutas, tenho medo dos voos (a frase funciona melhor em inglês: I’m not afraid of the fight. I’m afraid of the flight). Infelizmente não há registro fotográfico de Muhammad com o paraquedas. E felizmente ele nunca precisou usá-lo.
Por muito tempo ele só utilizou o trem nas viagens pelos EUA para competir nas disputas. As seletivas para os Jogos Olímpicos foram em São Francisco, bem longe de Louisville, e o treinador deu a real: ou ele encarava o medo ou seria impossível a classificação. Caso não voasse, teria de pegar vários trechos de ônibus, o que certamente afetaria o resultado final. Ele voou. E conseguiu a vaga. Mas voltou de trem para a cidade-natal.
E ele quase não embarcou para Roma! Aliado ao medo natural surgiu ainda mais um fator: ter de sobrevoar o oceano Atlântico. O treinador teve de trabalhar bem a mente de Muhammad. Até a aeronáutica norte-americana foi acionada para convencer o lutador. Em sua autobiografia, lembrou o caso. “O que eu tinha mais medo era que o avião caísse, e nada tirava aquilo da minha cabeça. Então entrei em contato coma Força Aérea e pedi os registros de todos os voos entre os EUA e Roma. Eles disseram que nem se lembravam de quando tinha sido o último acidente na rota. Eles me acalmaram o suficiente para embarcar para a capital italiana”.
Década depois, Ali contou em uma entrevista que tinha superado o medo de avião. Voar tinha se tornado algo automático na vida do campeão. Inclusive ele adquiriu um hábito durante as viagens aéreas: ir até a cabine do piloto e ficar conversando com quem estava no comando (claro que hoje, com as medidas de segurança, isso seria impossível). A confiança ficou tão grande que, certa vez, quando uma aeromoça pediu que ele afivelasse o cinto de segurança, ele respondeu: o Super-Homem não precisa de cinto. Eis que a comissária respondeu, de forma muito sagaz: “Super-Homem não precisa de avião”.
Uma curiosidade: em 2019, a cidade-natal do boxeador decidiu renomear o principal aeroporto da cidade, batizando-o como Louisville Muhammad Ali International Airport. Será que o lutador, que por tanto tempo lutou contra a aerofobia, ficaria feliz ou assustado com a homenagem?