Voos de cá para cá mesmo: conheça as viagens pra lugar nenhum
Nos últimos dias uma notícia chamou a atenção de muitos e muitas internautas. A empresa aérea australiana Qantas conseguiu vender todos os assentos de um voo em apenas dez minutos. O que há de diferente nisso? O avião vai decolar, voar e depois voltar para o aeroporto de origem. A notícia é bem surpreendente e mostra uma tendência entre diversas companhias aéreas que viram suas atividades quase paradas agora na pandemia do Covid-19 – aliás, por algum motivo essa tem sido uma prática que entrou na moda sobretudo nas empresa asiáticas (sei que Austrália é Oceania rs). Os motivos? Além de gerar receita tem a questão de manter laços com seus clientes, sobretudo viajantes fiéis à empresa.
No caso da Qantas, o voo será no dia 10 de outubro. Vai sair de Sydney, a maior cidade do país, e sobrevoar algumas atrações naturais de lá. Ao todo serão 10 horas. As passagens, em dólares australianos, custaram entre R$ 3 mil e R$ 14 mil. As rotas domésticas e internacionais por lá ainda estão restritas. Com muitos destinos ainda não sendo servidos por via aérea, essa foi uma oportunidade para quem tinha uma grana sobrando para “visitar” alguns dos destinos. A rota inclui o famoso monólito vermelho Uluru (aquela “pedra” enorme no meio do nada, você já deve ter visto em algum filme ou programa de TV), as Ilhas Whitsundays e a Grande Barreira de Corais.
O voo será em um moderno Boeing 787 Dreamliner, normalmente utilizado em rotas internacionais. Os passageiro do tal voo “para lugar nenhum” poderão viajar sem ter de, no retorno, cumprir a quarentena de 14 dias imposta aos viajantes que vem de locais com grande número de novos casos de infecção pelo vírus. E vai ter comida chique (ou seja, em algum momentos todos e todas terão de tirar as máscaras…). O cardápio será assinado pelo famoso chef Neil Perry. Segundo a empresa, o voo é provavelmente o de mais sucesso na história da Qantas., que também decidiu retomar as rotas de 12 horas para sobrevoar a Antártica, no extremo sul do globo. Também é uma medida para diminuir o impacto da pandemia nas contas da companhia.
No leste asiático, outras empresas estão oferecendo voos assim, programando inclusive pacotes temáticos, como Dia dos Namorados (nos calendários locais), a exemplo do festival chinês Qixi, que no fim de agosto celebrou os casais (ou trisais, quadrisais…). Também houve voo especial por conta do Festival da Luz, que tradicionalmente marca o fim da colheita e celebra a abundância em diversas nações asiática. Algumas grandes empresas que já aderiram à moda são a Eva Air, China Airlines e All Nippon Airways.
A StarLux Airlines, de Taiwan, foi uma das que pegaram o gancho do amor entre os passageiros e passageiras e decidiu lucrar algum dinheiro. O embarque foi bem festivo, com balões, painéis temáticos para selfies e música romântica ao vivo. Foram dois voos, que decolaram (e pousaram) em Taipei. O portão de embarque foi estilizado para lembrar o Templo dos Deuses da cidade, onde as pessoas costumam pedir por um parceiro ou parceira. Um homem aproveitou toda a cena e pediu a namorada em casamento. Ela aceitou (que bom, já pensaram se ela recusa?).
Durante a viagem, o cardápio foi premium, preparado por um chef estrelado da Michelin (nada de comida de avião, que muita gente odeia). O voo durou quatro horas e passou por ilhas do litoral, localizadas no Mar da China (Taiwan é uma pequena ilha, então não tinha tanta opção de rota como no caso da Qantas).
Quem também embarcou nessa viagem foi um A330 da Eva Air decorado com a “Hello Kitty”. A empresa é famosa por ter alguns de seus aviões pintados com o tema da gatinha que há décadas conquista os corações de garotas e garotos (e de adultos também). Toda a decoração interna também respira (até demais, bem over) o tema: paredes de separação entre as classes, protetor higiênico de cabeça nas poltronas, guardanapos, cobertura da bandeja de alimentação, cartões com instruções de segurança e outros objetos. O voo custou o equivalente a R$ 950 e durou quase três horas. O avião decolou de Taipei e depois de percorrer a costa do país chegou até a algumas ilhas do arquipélago japonês. A altitude do voo foi mais baixa que a normal de cruzeiro, permitindo belas vistas da paisagem. Agora olhem que delícia o cardápio: arroz com frutos do mar e macarrão com sambal de carne, um molho condimentado local. Fiquei com fome.
A fórmula tem feito muito sucesso entre viajantes “sem destino”, que disputam um lugar a bordo. A All Nippon Airways (ANA) fez um voo assim no domingo passado. Foi a segunda experiência da empresa japonesa no estilo “vou, mas volto logo”. Ambos foram operados pelo enorme A380, aquele de dois andares completos (morro de medo). Tais aeronaves da frota japonesa são as “tartarugas voadoras”, por conta da pintura especial (a ideia era festejar o Havaí, tradicional destino turístico dos japoneses). O primeiro voo saiu do aeroporto de Narita, em Tóquio, e durou duas horas, sobrevoando as regiões de regiões de Shizuoka, Saitama, Gifu, Gunma, Nagano e Aichi. Foi um voo em altitude de cruzeiro, então aqueles que estava nas janelas devem ter se esforçado um pouco para admirar as belezas naturais. Foram 334 pessoas a bordo no primeiro voo. E foi uma disputa, num esquema de sorteio de loteria. Cada assento teve uma procura de 150 interessados. E ainda tinham de pagar, não era de graça, claro. Os preços variaram de R$ 1 mil a R$ 2,5 mil, a depender da classe voada. A capacidade total era de 520 assentos, mas nem todos foram vendidos, para respeitar as regras de distanciamento.
Uma empresa que também anunciou recentemente a vontade de promover tais voos é a gigante Singapore Airlines. A ideia inicial é fazer um voo panorâmico na região de Singapura, uma rica cidade-Estado ao sul da Malásia. A companhia, famosa pelos bons serviços e luxos (sobretudo na primeira classe e executiva), estuda também o oferecimento ao público de pacotes com hotéis, vouchers de compras e passeio de limusine. Mas a reação de grupos ambientais veio rápida, com críticas ao impacto negativo dos voos em um momento que a própria Singapore fala em diminuir a poluição causada por seus aviões (já falamos sobre esse assunto aqui). Os militantes do Singaporean Neighbourhood Greenwatch estão recolhendo propostas da população para meios de gerar receita sem precisar tirar as aeronaves do solo, como usar a fuselagem externa para exibir filmes, passeios pelas cabines dos aviões – explicando detalhes de funcionamento dos equipamentos – e experiências gastronômicas. O grupo também sugere que a Singapore venda créditos aos passageiros e que possam ser usados em viagens no futuro, quando a pandemia tiver sido superada.
Como podemos ver, não tá fácil pra ninguém. Eu é que não pagaria para voar e voltar pra cidade de origem. Avião eu encaro só pelo prazer de conhecer novos lugares.