Pistas de aeroportos que desafiam a natureza
O sonho de todo projetista de aeroporto, pilotos e passageiros — sobretudo os que tem medo de voar — é ter diante de si na hora do pouso/decolagem uma enorme planície, sem morros ao redor, com muitos e muitos quilômetros disponíveis para a pista e em uma localização com ventos brandos. Tal cenário nem sempre brinda nossa sorte. Vamos listar aqui algumas pistas que driblam a mãe natureza e que, apesar do desafio que apresentam, possibilitam que sejam realizadas operações com segurança.
Aeroporto de angra dos reis (Brasil)
Em setembro foi divulgado o projeto para o aeroporto de Angra dos Reis, balneário no litoral do Rio de Janeiro que é destino de muitos ricos e famosos e seus tradicionais jatinhos. Mas mesmo aviões pequenos precisam de um bom espaço para pousar. De modo a equipar o aeroporto com uma pista de 1.300 metros de extensão (a atual tem mil metros), os projetistas incluíram uma pista que avança um pedaço sobre o mar. Os trabalhos devem terminar no final de 2021. Com as melhorias, são esperadas operações com aviões para até 40 passageiros, como os ATR42 – a atual pista comporta pousos de aeronaves com capacidade para até 18 passageiro.
Aeroporto de KANSAI (JAPÃO)
E se o espaço é mínimo, o que fazer? Construir uma ilha inteira capaz de abrigar um aeroporto de porte internacional. Essa foi a meta estabelecida pelo governo japonês para os engenheiros daquele país. E foi assim que, em 1994, foi inaugurado o aeroporto de Kansai, para servir a cidade de Osaka e região (o aeroporto local estava já saturado e agora opera apenas voos domésticos). O Terminal 1 foi projetado pelo famoso arquiteto italiano Renzo Piano. Kansai, em uma ilha de quatro quilômetros de extensão por 2,5 quilômetros de largura. É o terceiro aeroporto mais movimentado do Japão, atrás apenas dos dois da capital, Tóquio (Haneda e Narita). A estrutura do Kansai foi projetada para ser capaz de suportar tremores de terra, tão comuns por lá E resistiu sem danos ao terremoto de Kobe, em 1995, cujo epicentro foi a apenas 20 quilômetros do aeroporto e que matou mais de 6 mil pessoas.
Aeroporto de Santa Helena (Atlântico Sul / Inglaterra)
O aeroporto de Santa Helena, uma remota ilha no Atlântico Sul sob domínio da Inglaterra, é controverso desde antes de seu nascimento. Primeiro por seu alto investimento: a ilha tem apenas quatro mil habitantes e o aeroporto custou 285 milhões de libras esterlinas, o equivalente a atuais 1,87 bilhão de reais. Bem, era preciso dar uma opção de sair de lá por via aérea – o continente africano, o ponto mais próximo de Santa Helena, está dois mil quilômetros de distância, e antes do aeroporto as viagens tinham de ser de navio. E por ser uma pequena lha e com relevo bastante acidentado, não havia muito lugar que comportasse o aeroporto, sobretudo uma pista grande o bastante para receber aviões de médio porte, capazes de carregar mais combustível e de fato chegar ao local com segurança. A solução foi construir o aeroporto no alto de um penhasco. Mas aí veio o problema: esse local, único que poderia receber o aeroporto, apresentava fortes ventos, dificultando a aproximação e pouso. Tanto é que, mesmo depois de inaugurado, em 2016, a ilha ficou sem voos comerciais por um ano. Quem venceu a barreira dos ventos foi justamente um brasileiríssimo Embraer E190 (que fez um belo vídeo promocional do feito, contando também a história da ilha). Assim, usando o modelo E190, a empresa Airlink, subsidiária da South African Airways, incluiu em suas rotas o voo Johannesburgo (África do Sul) para Santa Helena, com uma escala em Windhoek, na Namíbia.
Aeroporto de Toncontín (Honduras)
O aeroporto de Toncontín, em Tegucigalpa, capital de Honduras, foi classificado com o segundo mais perigoso do mundo pelo maravilhoso vídeo Most Extreme Airports (Os Aeroportos Mais Extremos do Mundo) do History Channel. Para começar, ele fica no meio da cidade, densamente povoada, e está situado em uma depressão, sendo circundado por montes de todos os lados. A aproximação para o pouso é, digamos, bizarra. O avião tem de fazer uma grande curva para a esquerda e dar um belo de um rasante em um morro, antes de tocar a pista – que também é bem desafiadora. Ela tem dois mil metros de comprimento, o que não a torna particularmente curta. Mas a capital hondurenha está situada a mil metros de altitude, e quanto mais alto um aeroporto está, “mais pista” o avião precisa (pousos de decolagens são influenciados por uma série de fatores, como peso da aeronave, densidade do ar, velocidade e direção dos ventos e, sim, a altitude do local). Um novo aeroporto está sendo construído e a previsão é a de que seja entregue no final de 2021.
Aeroporto da Madeira (Território autônomo de Portugal)
O Aeroporto Internacional da Madeira Cristiano Ronaldo (sim, ele leva o nome do ilustre filho do arquipélago português) também é tido como um dos mais ardilosos do mundo, por conta dos ventos fortes que assolam a região. Mas o “drible” na natureza foi que, para aumentar a pista de pousos e decolagens (e assim permitir a chegada e partida de aviões maiores) foi feito um grande elevado. Quando inaugurado, na década de 1960, o aeroporto tinha uma pista de 1.600 metros, passando posteriormente por uma ampliação até 1.800 metros. Mas ainda era pouco para os projetistas. Em 2000, foi inaugurada a atual pista, com impressionantes 2.781 metros. Parte da pista está sobre 180 pilares, cada qual com três metros de diâmetro e até 50 metros de altura (equivalente a um prédio de 16 andares). O projeto, assinado por António Segadães Tavares, conquistou o importante IABSE Outstanding Structure Award em 2004. Tavares se tornou o primeiro português a receber tal honraria. O aeroporto da Madeira pode receber grandes aviões, como o Boeing 747.
* * *
Fico maravilhado com os avanços da arquitetura e engenharia. Ver como os projetistas driblam as limitações de um terreno é admirável. E ver como os profissionais da aviação são capazes de operar em aeroportos desafiadores por sua posição geográfica.