Voar de primeira classe e executiva espanta a aerofobia?
Muitos anos atrás, conversando com minha psiquiatra sobre meu medo de avião, ela me “receitou” voar na executiva. Na hora não entendi muito o conselho, mas fiquei com aquilo na cabeça. Semanas atrás, postei no instagram do rivotravel uma foto da primeira classe da Air France (que eu acho chiquérrima) e choveu comentário de panicadas dizendo que voar fora da econômica era tudo lindo, maravilhoso, e que até o pânico ia embora. Achei muito curioso e resolvi entrevistar algumas passageiras com aerofobia que já passaram pela experiência de voar na executiva ou primeira classe.
Vale a pena destacar aqui a diferença entre as duas classe “up”. Para isso, recorro ao maravilhoso site Kayak. “Depois que você viaja de classe executiva, a coitada da classe econômica nunca mais será a mesma. Antes mesmo de chegar ao aeroporto, algumas companhias aéreas oferecem um serviço de traslado pessoal, caso esteja a uma certa distância do aeroporto. Depois de despachar as bagagens, você terá um lounge exclusivo no aeroporto para se abastecer de bebidas e comidinhas livremente. No momento que pisar no avião, você já vai notar a diferença da classe executiva. Ao invés de simples reclináveis, você terá uma poltrona de até 34 polegadas (86,36cm), que se transforma em uma cama de verdade”.
A primeira classe? Bom, a primeira classe é a dos ricos e famosos — ou de quem tem muito dinheiro. “É a classe executiva melhorada em todos os aspectos. Se a executiva tem assentos amplos e confortáveis que reclinam até virarem cama, a primeira classe tem suítes individuais, quase sempre com uma cama em tamanho completo, um banheiro privativo e até uma área de lounge. Claro que tamanho luxo vem a um custo bastante significativo também, quase cinco vezes o preço de um assento da classe executiva. Sem falar na alta qualidade da comida! Os menus não são só bem mais variados mas muitos dos pratos são criados por chefs com estrelas Michelin”, diz o site de viagens.
Vamos ler os relatos de quatro panicadas que já passaram pela executiva ou primeira classe?
“O embarque e desembarque são muito mais rápidos, o conforto do espaço, o atendimento durante o voo, o silêncio no ambiente, a comida, enfim, todo o serviço de bordo é completamente diferente da econômica”, conta a empresária e psicanalista paulista Valéria Cunzolo, que em 2014 voou na classe executiva em um voo da United entre São Paulo e Las Vegas, nos EUA (hoje o voo não existe mais). Já a empresária no ramo de produção de eventos paulista Vanessa Luna, que já viajou algumas vezes na executiva, conta como foi um luxuoso voo na primeira classe na LATAM, em 2012, entre São Paulo e Miami, nos EUA. “Foi simplesmente mágico. (Fui) super bem atendida desde o check-in no balcão separado em uma sala exclusiva até a imigração em Miami. Tivemos atendimento prioritário em tudo. Sendo chamados pelo nome até pela funcionária da TAM (atual LATAM) no aeroporto de chegada”. Essa questão de ser chamada pelo nome foi destacada por várias panicadas ouvidas para essa matéria pelo rivotravel. “Essa calma que os comissários tem para conversar com o passageiro é bem diferente da pressa que eles têm em servir, que fica perceptível na econômica”, relata a gerente de marketing online baiana Beatriz Garcia, panicada há dez anos.
E será que voar na executiva ou na primeira classe atenua o pânico de avião? Vamos saber mais sobre o que pensa Beatriz. Ela diz que há vários fatores que contribuem para amenizar o medo. “O primeiro é a sensação reconfortante de estar reclinada com um colchão e um travesseiro de verdade, com divisórias ao redor, como se você estivesse em um ninho. Psicologicamente faz você se sentir mais protegido, mais seguro, menos vulnerável. Parece até que as turbulências se sente menos fortes quando se está deitado”, revela, acrescentando que há ainda toda a questão das distrações que tiram você do foco das turbulências. “Você está mais preocupado em decidir entre o vinho francês e o neozelandês”.
Outro ponto observado pela baiana são os fones de ouvido com cancelamento de ruído que costumam ser oferecido aos passageiros para uso a bordo e que ajudam na imersão do filme ou mesmo a não ficar focado nos barulhos que o avião faz — para muitas panicadas e panicados tal sinfonia de sons a 12 mil metros de altitude é bem indesejada. E em terceiro lugar é preciso destacar, segundo a gerente de marketing online, o efeito relaxante do álcool. “Você já começa a beber no lounge antes do embarque, depois passa mais uma hora bebendo no avião antes mesmo da decolagem. Ao longo do voo são tantas opções de bebidas no menu que você quer provar todas. Definitivamente é uma experiência mais tranquila para quem tem medo de voar do que na econômica”.
Mas nem todas as entrevistadas conseguem driblar totalmente a aerofobia. “Não vou dizer que é maravilhoso (viajar na executiva) porque eu detesto voar, então jamais será maravilhoso. Mas é muito melhor do que a econômica, com certeza. O medo não diminui, mas fico mais confortável. Relaxar, dormir e aproveitar, jamais. Nunca consegui, mesmo na executiva. O que consigo é ficar deitada quietinha, respirando devagar, me passa a sensação de estar mais protegida” afirma a contadora mineira Marcela Roque, que tem a ajuda de um remédio para poder voar. “Sem isso (a medicação) é muito sofrido para mim, as horas não passam, coração o tempo todo disparado, sempre tenho absoluta certeza que, mesmo se estiver tudo bem e zero turbulência, vai acontecer alguma coisa e não estou segura”, diz.
A primeira vez que Marcela voou de executiva foi há uns cinco anos, justamente por conta do meu medo. Resolveu pagar mais pra ver se melhorava um pouco. “Depois disso eu junto o máximo de milhas que posso, compro tudo no cartão de crédito, entro em todas as promoções, pois virou prioridade viajar de executiva. Psicologicamente faz uma diferença enorme. Então já viajei de executiva pra África do Sul (pela South África Airways) México (Aeromexico), EUA (Azul), Portugal (TAP) e Espanha (Iberia), sempre com milhas.
Mas tem panicada que super consegue tirar umas horas de sono a 180 graus de inclinação — importante dizer que nem todas as executivas oferecem assentos que viram verdadeiras camas, é bom checar sempre com a companhia. “Eu dormi a noite toda, a impressão que eu tive é que nem turbulência teve – e eu sou bem sensível a qualquer movimento da aeronave”, observa Valéria, acrescentando que a questão mais relevante é o espaço. Segundo ela, viajar na econômica é desumano: passar 12 horas sentada, sem conseguir movimentar braços e pernas e sem incomodar alguém.
“Comemos super bem e dormi de bruços em um avião, com cama feita pela comissária, banheiro exclusivo na frente do avião e pijamas dados pela companhia aérea. Isso era inimaginável pra mim. E claro, sendo tratada pelo nome como se me conhecessem há anos”, conta Vanessa, que tem pavor de voar e que ficou muito satisfeita com poder dormir tão à vontade. Ela chora e chega a gritar na decolagem. “Na decolagem, que é o meu momento mais vulnerável, eu dei uma surtadinha, mas nem metade do que costumo dar”, diz, relembrando que, como na primeira classe são quatro poltronas, junto a ela e ao marido estava um casal de médicos que a ajudou bastante, auxiliando a fazer exercícios de respiração contra ansiedade.
E não é só o fato do assento reclinar 180 graus, paralelo ao chão da aeronave, que chamou a atenção das panicadas. Um detalhe que Beatriz não sabia existir foi o colchão. “Pensei que o assento simplesmente reclinava, mas não sabia que de fato tinha um colchão para colocar por cima e deixar a poltrona ainda mais confortável para dormir”. Beatriz voou da Alemanha, onde reside atualmente, para Denver (EUA) e Seul (República da Coreia) com a empresa alemã Lufthansa, famosa pela alta qualidade nos serviços nas classes executiva e primeira. “Amei o cuidado com que servem o jantar, colocando uma toalha branca sobre a bandeja, servindo os pratos do menu um de cada vez (obviamente com pratos e talheres de verdade”, diz. Para a baiana, a qualidade da comida também é muito superior, com ingredientes que jamais seriam servidos na econômica, como camarões, vieiras e salmão. Durante todo o voo, ainda há chocolates e lanchinhos em uma mesa para quem quiser pegar e comer durante a noite. “A sensação ao chegar ao destino é de que você estava no sofá da sua casa assistindo Netflix, com o plus de ter alguém te servindo bebidas o tempo todo, e não em um voo de mais de dez horas (de duração)”.
Mas e as panicadas que sempre voaram na classe econômica? A secretária executiva paulista Michele Guedes conta que a diferença entre os preços é muito grande e que ela prefere gastar o valor na viagem. E se viajasse em uma classe superior, será que a aerofobia iria embora? “Por completo, acho que não. Mas não tenho dúvida nenhuma que melhoraria ou diminuiria. Afinal, poder deitar, relaxar, comer uma comida reconfortante, acho que deve ser bem gostoso”, relata a paulista, que além do pânico de avião. Ela considera toda a sensação de estar presa como algo muito desconfortável. “Com a tensão já fico com os músculos doloridos, e a falta de espaço e conforto só piora isso”.
Eu já viajei na executiva duas vezes, com upgrade, na extinta Varig (que também era super famosa internacionalmente pela qualidade da primeira classe e executiva) e no mesmo trajeto, Roma–Salvador. Isso nos anos 1990. Não me lembro de muita coisa, nem era panicado na época. Na primeira vez me recordo de ter comido caviar. E uma outra iguaria. A aeromoça veio toda educada com uma bandeja com rolinhos brancos quentinhos fumegantes e, com um pegador luxuoso, me ofereceu um. Como bom nordestino que sou, achei que se tratava obviamente de alguma sobremesa de coco, uma tapioca, um beiju, sei lá, e meti na boca. Para minha surpresa, era uma toalhinha quente para as mãos. Que mico (hoje daria risada). A outra vez também não me lembro de nada pois estava super mal (dias depois veio o diagnóstico: mononucleose). Lembro de ter visto o filme Contato, com Jodie Foster, em uma pequena TV individual que eles davam para cada pessoa, uma tela mínima e um peso máximo, e que o passageiro tinha de ficar segurando (ou apoiar na mesinha, claro). E nesse voo estava Maria Grazia Cucinotta, a atriz do filme italiano O Carteiro e O Poeta (lindo. Já viram?). Uma hora fui esticar as pernas um pouco e nossos olhares se cruzaram por um breve momento. Acho que fiquei um pouco apaixonado por uns segundos.
Acho que de todos os relatos positivos de panicadas que conseguiram relaxar, o que pude perceber é que viajar de executiva ou primeira classe torna tudo menos estressante. Imagina só, chegar no aeroporto lotado e já ter um guichê vazio te esperando? E passar pela segurança e imigração de forma mais fácil (algumas companhias oferece tal serviço, chamado fast track)? E depois embarcar antes de todo mundo, sem ter de se acotovelar nem mofar na fila, sem disputar lugar no bin (os compartimentos de malas de bordo). Ter alguém te chamando pelo nome e oferecendo uma taça de espumante. Depois “se preocupar” com o que vai escolher do menu. E por aí vai. Se eu hoje, um adulto panicado, pudesse viajar sem ser na econômica, acho que sofreria menos. Quem sabe um dia eu passe por uma executiva novamente e venha aqui contar? Um sonho…