Entrevista com a panicada #05
O primeiro voo da vida da publicitária paulista Juliana Clorado teve uma sensação agridoce. Por um lado, era uma viagem para o nordeste (Salvador), junto ao namorado. E na classe executiva — o ano era 2000 e naquela época algumas companhias aéreas ofereciam tal serviço em rotas domésticas. Mas ali também nascia o pavor de voar da então adolescente. O voo foi super tenso, com muita turbulência e tempestades. E o casal viajou em poltronas separadas. “Foi uma estreia ótima, só que não. Eu tinha muito ódio do meu ex porque eu só conseguia pensar: vai cair e não tem ninguém pra segurar minha mão. Não consegui fechar meu cinto e voei o tempo todo sem (ele)”. Surgia ali uma panicada.
Depois dessa experiência literalmente turbulenta, Juliana demorou quase uma década para pisar novamente em um avião. Em 2009, viajou de lua de mel. O marido bem que tentou tranquilizar a esposa. Engenheiro mecânico, explicava todos os barulhos que a aeronave ia fazendo nas diversas etapas do voo. “Porém eu só conseguia pensar que voar num troço daquele tamanho, com aquele peso, não fazia o menor sentido. E aí eu queria voltar (de Maceió) pra São Paulo de ônibus”, conta, acrescentando que foi convencida de que era uma péssima ideia.
Depois disso, só foi voar de novo em 2011. A primeira viagem internacional foi um mochilão pela Europa com sete amigos. Resolveu viajar com um remédio para a ansiedade, pois não conseguia se imaginar passando tantas horas em um lugar fechado. Como planejou tudo, convenceu todo mundo a fazer o máximo possível de trechos de trem, mas avião foi inevitável em algumas partes. No dia da partida (para Madri, na Espanha), Juliana teve várias crises de ansiedade. Chegando ao aeroporto, bateu o pânico. Antes do embarque, se trancou no banheiro na tentativa de fazer aquela terrível sensação ir embora. Não foi por completo. Mas a paulista conseguiu entrar no avião mesmo assim. “O problema é que a partir dessa viagem eu me apaixonei pela ideia de viajar o mundo”, relembra a panicada.
Para Juliana, o momento mais crítico de todos é quando o comandante faz o fatídico anúncio do “portas em automático”. Nessa hora, ela conta que bate um desespero do tipo “lascou, não posso mais sair”. Normalmente basta ouvir a tal frase para bater a vontade de se levantar da poltrona gritando, mas como tem vergonha, conta a publicitária, ela fecha os olhos e começa a contar a respiração para se acalmar — ou então tenta lembrar como se fala uma certa palavra em outros idiomas. “Psicologicamente é terrível porque eu acho que todo mundo vai perceber que eu não estou bem e vão parar o avião e pedir pra eu descer. Eu penso o tempo todo que tem alguma coisa errada, fico prestando atenção na cara das aeromoças, nos líquidos que elas servem (se estão chacoalhando ou não), nas luzes, nos barulhos.”, elenca. Além da ideia fixa de que o avião vai cair pois não foi feito para ficar suspenso no ar (algo que muitas e muitos de nós sentimos), ela fica com a respiração ofegante, sensação de falta de ar, tontura e coração acelerado. Também costuma alternar a sensação da temperatura: ora sente calor, ora frio.
Nessa última década de sofrimentos no ar, Juliana coleciona aquelas típicas histórias de “é melhor rir para não chorar”. Ela sempre fica muito nervosa na hora de embarcar, a ponto de perder as forças. “Eu caio pra subir ou descer no ônibus que leva até o avião, eu caio na escada subindo ou descendo. Inclusive uma vez eu me agarrei em um senhor que estava à minha frente e quase derrubei todo mundo da escada, tipo efeito dominó. Eu caio do nada andando, eu caio muito. Meus joelhos que lutem”, diz.
Em 2018, ela fez a primeira viagem internacional sozinha, para Nova York, nos EUA. Juliana estava relativamente tranquila, na medida do possível. Os planos incluíam tomar um remedinho e acordar já na cidade que nunca dorme. Ainda em solo, bem na hora que a tripulação começou a passar os procedimentos em caso de emergência (aquela parte do coloque primeiro a máscara de oxigênio em quem necessita de ajuda), ela olhou para o lado e viu que o casal que estava na mesma fileira já estava mandando ver no vinho. “Eu pensei: meu Deus, eu vou morrer porque eles vão estar bêbados e eu medicada e ninguém vai por a máscara em mim. E assim eu fui acordada daqui até lá (Nova York)”, diz. Por essas e outras que a publicitária só toma remédio quando esta voando acompanhada. Ninguém vai carregá-la para fora do avião em um hipotético pouso na água, conta.
“E uma outra vez, num vôo daqui pra Colômbia, com uma amiga panicada também (a gente atrai, né?), eu pensei ter visto uma borboleta no avião, só que essa amiga tem fobia de insetos que voam (pra variar) e eu caí na besteira de falar pra ela. Passamos o vôo sem saber se o pior era o avião cair ou a borboleta voar”. No fim das contas, o que Juliana viu de relance foi a logo da empresa aérea, que lembrava o animal alado.
As aventuras a 12 mil metros de altitude não param por aí. Um voo de Roma para Madri teve um sabor (ruim) memorável. “O comandante estava falando aquela baboseira do tempo de voo, clima lá fora e coisas do tipo. Mas, eu ouvi um “emergency” do nada. E eu comentei com meu amigo: ‘emergência?’ e minha amiga que tava no banco da frente virou pra mim e disse também ter ouvido. Aí a gente olhava pro resto do vôo e todo mundo rindo normal, vivendo a vida, curtindo numa nice. Só que eu sabia que tinha uma emergência”, recorda. Resultado? Tiveram de chamar o comissário (que falava italiano) para tentar resolver a confusão (e os amigos morrendo de vergonha da cena, conta Juliana). A paulista acrescenta que, quando o comissário chegou, ele ficou olhando para ela com cara de “quê?”. O tripulante conseguiu acalmar a panicada, dizendo que o dia estava perfeito para voar. “Acho que ele tava falando a verdade, porque o vôo foi um tapete. Mas eu fiquei esperando pela emergência o tempo todo”, diz.
O pior voo da vida? O que pegou entre Paris e Roma. Para desespero de Juliana, com recheio de tempestade. O avião subia e descia tal qual montanha-russa. Em certo momento, a aeronave deu aquela queda que dá um frio na barriga e faz o corpo se descolar um pouco do assento (ainda bem que a essa altura ela já sabia como afivelar o cinto de segurança, ao contrário de sua viagem de estreia). “Eu acho que semidesmaiei. Minha alma saiu de mim com certeza. Eu não sentia meu corpo. E o voo inteiro foi assim. Ouvia gente chorar, foi terrível. Mas, graças ao bom Deus, pousamos em segurança”, rememora.
Em Juliana, a vontade de viajar e o medo brigam um eterno cabo de guerra. Ela diz que, para driblar a aerofobia, costuma ver vídeos do YouTube sobre o funcionamento dos aviões, mas foge como o diabo da cruz de programas sobre acidentes aéreos. Quando entra em um avião sempre procura ver se tem criança ou padre (ou freira) ou então alguém famoso. Em um voo de Los Angeles para o Havaí, pegou um voo com os integrantes da banda Bush. Ela sempre pensa: seria muita sacanagem de Deus derrubar o voo.
Hoje, ela consegue controlar um pouco as crises de ansiedade e pânico. Antigamente andava com sal no bolso para casos de queda de pressão e nem se levantava para ir ao banheiro durante o voo. “De 2018 pra cá, consigo comer no avião. Eu nunca comia nem bebia nada, passava as mil horas do vôo sentada na mesma posição e não levantava pra nada. Agora eu até levanto, vou ao banheiro e até consigo ver algo naquela TV e curtir um pouco. Consigo até dormir mesmo sem remédio. E me lancei um desafio, minha última viagem longa foi pra Tailândia. Eu fui e voltei sem tomar nenhum remédio (para ansiedade). Tive medo? Muito. Mas eu queria ser capaz de controlá-lo. Vem funcionando”.
Um pequeno passo para uma panicada, um grande passo para conhecer o mundo sem (muito) medo de voar.