Viajei: SOCORRO — Campinas e São Paulo 2024: Voo de ida e volta

Panicadas e panicados: relato aqui da minha primeira viagem de avião de 2024. Quem me acompanha no Instagram do rivotravel (e até mesmo no Tiktok) viu em tempo real momentos desta empreitada, digamos, tensa. A seguir conto tudo.

 
 

Nessa viagem para Campinas e São Paulo em junho de 2024 vivenciei uma nova ansiedade: aquela de a viagem estar se aproximando e não ter nem passagem nem hotéis reservados. Dá um nervoso danado! A ideia de ir à capital paulista foi de um casal de amigos. Adorei a proposta, pois poderia conciliar com uma visita a uma irmã querida que mora em Campinas. Mas as semanas iam passando e nada deles baterem o martelo. Nossa, acho que pior que comprar uma passagem é ficar esperando outra pessoa confirmar que vai para, aí sim, fazer a compra. Mas enfim, deu tudo certo no fim. Acabei usando um crédito de R$ 200 que eu tinha com a Gol de uma reclamação que fiz no site consumidor.gov. Ida via Viracopos, em Campinas. O lado triste é que a volta seria por Congonhas, aeroporto que quase todo panicado quer ver bem de longe. O ponto positivo é que conseguimos comprar os assentos na primeira fileira, algo que me tranquiliza muito, como expliquei nessa matéria aqui.

As semanas foram passando e tudo parecia ser um sinal (negativo, claro, pois sou desses). Vendo o documentário Na Cama com Madonna (maravilhoso, tem no YouTube com legendas em português), vejo o avião que transportava a diva do pop. Um antigo Boeing-727, que na época deveria ser novo, no início dos anos 1990. Meus pensamentos voam longe, pensando em como as aeronaves hoje são mais seguras. Ainda bem.

Dias depois, sou invadido por um pensamento mórbido. Vou viajar ao lado de meu marido. É triste, pois se o avião cair, ele vai  morrer. Mas pelo menos estarei ao lado dele no momento final. Uma bobagem, claro, pois a maioria dos acidentes não resulta em mortes, dizem as estatísticas. Mas a mente de uma pessoa com pânico de voar é isso mesmo, um caldeirão de loucuras estapafúrdias.

Rupaul Drag Race na tela. Zero referências a voos no reality show de drag queens mais famoso do mundo. Mas minha mente só pensa nele, no maldito Boeing da Gol que nos levará de Salvador a Campinas. Me pego roendo as unhas quase até a base! Na mesma noite, vejo um post de Anitta. Mente vagueia. Anitta viaja tanto, né? Nunca morreu de acidente aéreo… Talvez seja o caso de ficar mais tranquilo.

Uma semana antes da partida eu e meu marido decidimos já ir separando as coisas que íamos levar. Assim fico menos ansioso, acho que meu atual pavor é fazer bagagem em cima da hora (já houve um tempo em que eu arrumava tudo faltando horas pro voo). Eu tenho no celular uma listinha básica de tudo que tenho de levar, o que ajuda bastante. Mas fico roendo os lábios enquanto fazemos o processo das bagagens. Nervosismo puro.



TU VENS. EU JÁ ESCUTO TEUS SINAIS

Naqueles dias, estava lendo o livro O Pomar das Almas Perdidas, da escritora somali-inglesa Nadifa Mohamed. Uma passagem da obra cita brevemente a queda de um avião no país africano, derrubado por um míssil. Já fico aflito. Sinais? Mas não estamos em zona de guerra, tento mentalizar.

Engraçado que para comprar o trecho Campinas–São Paulo, de ônibus, foi bem mais fácil. Sendo que o transporte rodoviário é super mais perigoso que o aéreo. Vai entender a mente do panicado, né?

Dias antes do voo, vou dormir e sonho com um avião sequestrado. Acordo aflito. Há quantos anos um avião não é sequestrado no Brasil? Acho que o último foi na década de 1980. E mundialmente? Nem sei quando, lembro de um na França nos anos 1990. Sinais? Socorro.

Na semana da viagem, vem ela, uma notícia temida por todos os que sofrem de medo de voar e têm uma viagem já marcada. Um acidente. Na verdade foi um helicóptero que caiu no Irã matando o presidente daquele país. Vou atrás de notícias. Encontro uma matéria com uma foto da aeronave, que só de ver pela tela do celular já dava pra pegar tétano: caindo aos pedaços. O que um jornalista panicado faz? Vai a fundo na apuração. Era dos anos 1970, bem moço (o helicóptero, não o presidente). Os aviões que voam no Brasil são beeeeem mais novos, na faixa etária média aí de uns 10 anos. Então fico tranquilo.

Chega a madrugada da viagem. Dormi das 19h às 21h, sendo que só tínhamos de estar 1h da madrugada no aeroporto. Groguidão (existe essa palavra?). As horas se arrastam em casa. De repente, parece que os ponteiros aceleraram e já estamos atrasados. Antes de fechar a porta, aquela última verificação, ver se o gás está desligado, a geladeira no modo econômico, as luzes da Alexa desativadas, o porteiro avisado da viagem e com nosso telefone para caso de emergência. Eu disse emergência? Bate na madeira.



O COMEÇO DA IDA

Chuva em Salvador. Tensão: sim ou sim? O lado positivo é que a sessão de terapia daquela semana foi focada em medo de voar e eu acho (acho) que estou melhor. As unhas roídas, em todo caso, dizem que não. No caminho pro aeroporto, imagens borradas da cidade vazia, como em um romance mal escrito e que abusa de clichês. Sinto que estou um pouco menos nervoso (dizer que estou tranquilo é forçar a barra). Talvez fruto da bendita sessão de terapia. Apesar dos pesares, gosto de voar de madrugada. Passagens bem mais baratas, sem trânsito na cidade e sem calor no caminho ao aeroporto, voos no escurinho e silenciosos com pessoas sonolentas.

Aliás, errata: é só entrar no avião e o tal Salvatore terapeutizado vai embora. Parece até que o efeito do remédio passou. E quando a porta é fechada e tudo começa a se mover pela janelinha, vejo que o piloto está tomando a direção da pista menor de Salvador, onde geralmente só decolam e pousam aeronaves pequenas. Fico em pânico. O que está acontecendo? Penso seriamente em perguntar à aeromoça, mas algo me segura. De repente o avião acelera e em questão de poucos segundos os pneus descolam no asfalto. Socorro. SOCORRO. Lembrei até de uma vez que o avião onde eu estava decolou da pista “grande”do aeroporto de Salvador, só que usando apenas metade da extensão, por conta de obras (contei até aqui em um Doses Curtas).

Fora isso, foi tudo ótimo. Dormi logo e acordei minutos antes do pouso em Campinas, o dia quase clareando.

Foram dez dias deliciosos entre a casa de minha irmã, no interior de São Paulo, e a capital paulista. Família, amigos, risadas, drinks, balada, museus, essas coisas frugais que precisamos para viver. Foi tudo tão incrível que eu simplesmente apaguei da mente o fato de que teríamos de pegar um voo para voltar para casa. O que eu esperava? Um cruzeiro saindo de Santos e subindo a costa atlântica? A ficha só caiu na véspera, quando um amigo me mandou por mensagem o link de um programa sobre queda de aviões. Eu antes até gostava de ver (e não sou o único, como você pode ler nessa matéria do rivotravel aqui). Mas, hoje, prefiro evitar. Ainda mais no dia anterior a um voo!



O COMEÇO DA VOLTA

O voo era de tarde, então resolvemos dar um pulo matutino na Pinacoteca de São Paulo, onde havia uma exposição sobre a obra de Lygia Clark, artista que amo. Mas andar pela salas com tanta informação, entre quadros, objetos e instalações (uma delas bem claustrofóbica) me deixou zonzo. Ok, eu já estava levemente medicado, então pode ter sido isso também. E a ansiedade com a viagem que se aproximava engrossava o caldo.

Antes de chegar em Congonhas, paramos no shopping Ibirapuera, lá perto do aeroporto, para almoçar. Vou em um restaurante de comida japonesa a quilo. Começo a achar tudo azedo. Medo de passar mal durante o voo. Mas faminto que sou, comi tudo.

 

Chegando no Aeroporto de Congonhas (SP)

 

Já no aeroporto, volto a ver mais sinais em tudo. Um painel do bar da Nescafé está piscando, uma provável falha elétrica. Socorro. Uma amiga manda inúmeras mensagens de áudio que totalizam quase um podcast de uma hora de duração. Decidi não ouvir, não tinha cabeça pra isso naquele momento. Mas fico aflito: será que aconteceu alguma coisa de grave? Pergunto a ela se está tudo bem. “Fique tranquilo, estava só te atualizando”, responde, provavelmente se referindo à vida dela. Me atualizando dos últimos dez anos da vida dela? Deixo pra lá.

O embarque foi uma confusão e sobre ele nada mais falarei pois já exauri o assunto em três vídeos no Instagram do rivotravel. Foi tanto caos que quando sentei tive uma crise de choro de tão nervoso que estava. Eu e Rafa estávamos na mesma fileira, a primeira, mas em assentos distantes, um de cada lado. Ainda bem que a passageira que estava ao lado dele percebeu tudo e foi sensível em se oferecer para trocar. Fragilizado estava, sim eu disse. Geralmente sou contra isso de pedir para trocar de lugar, mas como foi ela quem se ofereceu e eu estava em frangalhos emocionais, tive de aceitar.

Após o fim do embarque, momentos de tensão (para mim, claro). A aeromoça não estava conseguindo fechar a porta — que deve pesar bastante. Chamou a colega de trabalho para fazer o procedimento. “Fechou bem, senhora?”, perguntei aflito. A resposta positiva não me satisfez muito. Fiquei olhando para a porta de canto de olho.

Depois que decolou, mais momentos de angústia. Sabe quando o avião sobe e sobe e sobe, como acontece normalmente? Pois é, não foi o que rolou. A aeronave ficou voando em baixa altitude por uns angustiantes minutos antes de embicar de fato e ir logo para altitude de cruzeiro. Odeio quando isso acontece; já passei por isso algumas vezes. Só fico pensando: “será que tem algum problema técnico?”. Socorro. Meu abdome doía de tanta tensão.

Mas a tarde foi caindo (caindo???), ou melhor, chegando ao fim e a luz lá de fora entrava cada vez mais fraca no avião. Gosto de ficar olhando as nuvens, um ato que me remete à infância, quando o medo de voar era um impensável futuro para um garotinho que sonhava ser comandante. O coquetel “escurinho + ar condicionado + remedinhos + lembranças do passado” embalaram meu sono. Quase nem vejo quando pousamos em Salvador.

Para fechar com chave de ouro, no desembarque noto que o piloto, na verdade, era uma pilota. Fico muito feliz ao ver atividades que antes eram (e ainda são) predominantemente masculinas sendo ocupadas por profissionais de outros gêneros. Mulheres no comando (também de aviões), mulheres no poder.

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Fim de voo, fim de texto. Mas não fim das viagens. Que venham muitas.

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