Todo santo ajuda: a fé chega mais forte quando estamos dentro de um avião?
Se tem uma coisa que definitivamente não sou é religioso. Não creio em nada, nadinha. Anjo, Deus, Jesus, Buda, Orixás, tudo isso passa batido por mim. Respeito as religiões e quem nelas acredita, é claro. Mas não consigo ter essa conexão com o divino. Fui batizado na igreja católica, fiz primeira comunhão e tudo mais, mas em igreja só costumo entrar em casamentos — minto, uma vez entrei em uma para me abrigar da chuva.
Mas a coisa muda de figura quando o assunto é avião — é botar o pé em um e na mesma hora tirar o rosário imaginário do bolso. Viro crente, crentíssimo, praticamente uma carola. Enfim, a fé costuma embarcar junto com a bagagem de mão. Meu medo maior é na hora da decolagem. Então é um tal de avemariacheiadegraçaoSenhoréconvosco, numa cantilena repetitiva, quase um mantra. Só costumo pular a parte do “agora e na hora de nossa morte” pois passar dessa pra melhor (se é que o Paraíso existe) não costuma estar em meus planos quando estou em uma aeronave. Vai que a frase atrai. Melhor não.
Nunca problematizei essa questão, do tipo “que cristão de araque que eu sou”. Rezo numa boa e sei que isso me ajuda a enfrentar os momentos difíceis a bordo. Junto aos mãos em concha e coloco na frente da testa. Pacote completo da oração. Só sei a Ave, Maria (na versão editada remix, sem a parte da morte) e o Pai Nosso. Não me peça para declamar outras rezas pois não sei, só tenho a versão básica mesmo. Esse assunto (fé e medo de voar) até já rendeu uma matéria aqui no rivotravel, na qual busquei tratar do tema sob a ótica dos religiosos — agora é a vez das panicadas e panicados.
Quem também não é muito religiosa no dia a dia, mas que usou das rezas para superar uma situação de pânico no ar foi a tradutora Juliana Lopes. A situação ocorreu no último voo que pegou, logo no início da pandemia, entre Londres e Porto (Portugal). Ela conta que o voo teve muita turbulência na aterrissagem por causa do péssimo tempo no destino. Estava ventando muito, o avião tremia todo e não se enxergava nada do lado de fora. “Aí acabei recorrendo a recursos que normalmente não usaria numa situação cotidiana. Neste último voo que fiz, passei os últimos 15min do voo rezando o Pai Nosso em loop: já engatava o ‘amém’ com o ‘pai nosso que estás no céu’”, relembra a tradutora. O fatídico voo foi tão traumatizante para Juliana que ela tem trabalhado recentemente na terapia estratégias práticas para o próximo voo que tiver que fazer. “E só de pensar na decolagem agora já fico super ansiosa”, diz. Te entendo perfeitamente, cara Juliana.
E mesmo que tem fé no dia a dia pode ter a religiosidade turbinada em voos. “Minha fé se torna mais forte no avião. Rezo todas as orações da minha doutrina de fé, assim que entro na aeronave até a ‘tripulação pouso autorizado’”, conta a servidora pública Caroline Vilhena. Ela relembra um momento particularmente difícil: em 2016, estava em um voo com os filhos entre Brasília e Aracaju. Quando sobrevoavam a Bahia, a cabine sofreu despressurização e foi aquela situação que todo panicado não quer viver: máscaras caindo dos compartimentos acima das cabeças e um sinal sonoro ensurdecedor, conta Caroline, acrescentando que foram uns cinco ou sete minutos de pânico total. Felizmente, tudo acabou bem e o avião voltou para Brasília, onde fez um pouso seguro. Depois ficaram sabendo que a porta não havia sido perfeitamente fechada, devido a uma falha.
“Rezo quando entro na aeronave, quando coloco a cabeça dentro da cabine e olho ao redor. Rezo por mim, pela minha família, todos os passageiros, tripulação e em especial pelos pilotos. Peço a Deus, que os livre de mal súbito. E vou rezando, ora me acalmo, ora fico ansiosa para tudo terminar, ora tem aviso sonoro e aviso de turbulência rezo mais ainda, nem lancho quando no Brasil era gratuito, nem água tomo”, afirma a servidora pública.
Para Caroline, existe uma frase de efeito que: “minha fé tem que ser maior que meu medo”. Segundo ela, ficar paralisada e inerte não vai resolver (a aerofobia). “Quero e vou viajar. Deus nos proteja e acompanhe. Amém”, conclui. Eu assino embaixo. E espero que os deuses e santos, caso existam, botem suas assinaturas também.
Mas qual seria o motivo pelo qual eu e Juliana nos tornamos tão fervorosos quando ficamos cara a cara com nosso medo de voar? Segundo o pesquisador Fábio Stern, cientista da religião formado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e doutor na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC—SP), o motivo é mais cultural que teológico. Segundo ele, a pessoa não passa a acreditar em Deus numa situação extrema ou se torna religiosa por causa disso, e nem estamos frente a alguém que fingiu ser ateu, mas secretamente acreditava em Deus. Em momentos de desespero, o especialista diz, as pessoas se agarram a qualquer coisa que lhes dê conforto. Na nossa cultura, completa Fábio, esse conforto é dado por muitas coisas, e a religião presta um papel importante ao dar esse acalento em situações de vida ou morte.
”É mais ou menos o que acontece em situações de doenças incuráveis também. Frente à morte, a pessoa se vê disposta a tentar coisas que não tentaria normalmente, seja um tratamento alternativo bizarro, seja, inclusive, recorrer a religiões que nunca frequentou. Então do mesmo jeito que um católico ou evangélico fervoroso pode buscar um tratamento em centro espírita durante um câncer terminal, muito mais por desespero do que por fé no espiritismo, um ateu também pode rezar durante a queda de um avião”, compara Fábio.
Ou seja: ateus, agnósticos e céticos de plantão, está liberado rezar muito no avião. Seja qual crença for, de santo, de deuses de religiões politeístas, de orixás, vale tudo, cara panicada, caro panicado. O importante é conseguir controlar a ansiedade e viajar. E se for católico, sugiro pular a parte do “agora e na hora de nossa morte”. Vai que…