Saga pré-embarque: quando o pavor de avião começa antes da decolagem

Quando alguém diz ter medo de voar, geralmente visualizamos um coitado passageiro dentro de um avião, encolhido de medo, suando frio e contando as horas e minutos para o fim da tortura. Mas o pânico costuma começar muito antes da decolagem, como bem sabem muitas panicadas e panicados. “No momento que compro as passagens já começa minha saga depressiva”, resume a administradora Luciana Felisberto. A advogada Nabila Bessa compartilha do nervosismo nesse ato tão crucial na vida de um ser com pânico de voar. Segundo ela, o primeiro sinal de ansiedade vem justamente com a finalização da compra da passagem, que é motivo de alegria para as companhias aéreas (alguns dão recados empolgados nessa hora, comemorando a decisão do cliente) e de tristeza para quem sofre de aerofobia. Pois, nessa hora, Nabila já sente o famoso frio na barriga. Outra panicada que também odeia passar pelo martírio de adquirir o bilhete aéreo é a médica Patrícia Souto Maior. “ Eu amo viajar e costumo dizer que a Patrícia que compra a passagem é uma e a que vai embarcar é outra, que tem ódio da primeira”, diz a médica, acrescentando que nunca contrata agência de turismo. “Sempre escolho eu mesma os voos, estudo sobre os modelos de avião, qual é o mais seguro etc. Ter essa sensação de que estou no “controle” parece me ajudar. Avião pequeno nem entro”, conta.

 
 

Depois de tudo acertado, é só sentar e esperar a bendita/fatídica data? Nada disso! Os dias anteriores à viagem são puro martírio, e parece que tudo é um sinal para desistir. Um passarinho caído no chão? Olha o simbolismo! Qualquer coisa que fuja da normalidade e que aconteça já vira uma intervenção divina dizendo para desistir da empreitada. E haja chá de camomila (para não dizer algo mais forte). “Uma semana antes começam as noites de insônia, agitação e preocupação com o voo”, conta Nabila. Quem também fica noites e noites sem dormir é a aposentada Ana Aparecida Oliveira. Pura ansiedade, eterna companheira do sono panicado. Fazer a bagagem muita gente detesta, e se dentro delas também vão altas doses de adrenalina e pavor, aí então fica tudo pior. “Na hora de arrumar as malas já começa a bater a solidão”, conta Luciana.

E eis que o dia da viagem chega e a suadeira só aumenta. Olhar para os amigos e parentes como se fosse nosso derradeiro dia na Terra é uma realidade para muitas e muitos. “Quando saio de casa, me despeço de todos como se fosse a última vez que estou vendo eles. Quando chego no aeroporto parece que estou indo a um velório”, descreve Ana Aparecida. Nabila faz coro:“sem sombra de dúvidas, o dia da viagem é o mais estressante e desgastante. Ao sair de casa rumo ao aeroporto o coração já parte acelerado”, diz. Patrícia também fica muito tensa quando chega no aeroporto, e isso ocorre desde criança — naquela época os vômitos começavam ainda no aeroporto. Hoje em dia, costuma sofrer de dor de barriga — mesmo mal enfrentado por Ana Aparecida.

 

Quem olha Patrícia assim descontraída, como no aeroporto de Maceió (esquerda), nem desconfia de que ela sofre de aerofobia. O marido da panicada (direita) costuma segurar a onda no embarque e no voo

 

O check-in é a hora da verdade, ou vai ou racha. Muita gente anda para trás e desiste do voo nessa etapa. Você fica ali na fila para despachar a mala e olhando os companheiros de calvário. Todos parecem tão relaxados, alguns até mesmo rindo! Como conseguem? E logo depois chega a hora de entrar no avião. “Pegando a fila para o embarque eu nem consigo descrever meus sentimentos. Uma mistura de desespero com tristeza. Ali ou vai ou desce”, conta Luciana.

E é na sala de espera que a ansiedade de Nabila chega a um nível extremo. “Aquela espera interminável para entrar no avião e ‘acabar logo com isso’”, pontua, acrescentando ainda que acha essa etapa pior que estar dentro do próprio avião, pois é nesse momento que chegam os pensamentos ruins, de que algo possa acontecer com o voo. Ela não está sozinha nessa via crucis. “Aquela parte que passa naquele túnel para entrar no avião é como se estivesse indo para o corredor da morte, a vontade é de correr e voltar para casa”, diz Ana Aparecida, que tem uma tática para ajudar. Ela observa se há crianças e padres aguardando o mesmo voo. “Porque eu penso (que), como as igrejas estão com poucos padres, Deus não vai deixar o avião cair”, diz. Será que dá certo? Semana passada tratamos justamente sobre aerofobia e religiosidade aqui no rivotravel.

 

Nabila e o marido amam viajar, mas os momentos pré-voo são sempre desesperadores para a advogada. Na foto à direita, os dois curtem em Porto de Galinhas (PE)

 

Então a panicada ou panicado consegue vencer todos os obstáculos e finalmente senta na poltrona. Hora de relaxar, começar a ver um filme ou tirar o livro da mochila? Claro que não!. “Os momentos antes da decolagem pra mim são os piores. Enquanto o avião está taxiando eu estou tremendo, super tensa. Acho que é pela ansiedade da decolagem”, conta Patrícia. Luciana também fica super nervosa e ninguém consegue convencê-la de que aquela não será a última viagem que fará. Já Ana Aparecida encomenda a alma ao Senhor. “Quando fecham as portas e o avião começa a se mover eu já estou agarrada com o terço, segurando a mão do meu filho, de olhos fechados e a essa altura já tenho pedido perdão a Deus umas cem vezes. Sempre digo a meu filho agora entendo porque o Papa João Paulo II beijava o chão quando descia do avião.”, relembra.

Eu me identifiquei muito com todos os relatos. O temor começa na hora de comprar as passagens e dali pra frente é só uma espiral de emoções do mal. Tranquilidade mesmo só quando estou de volta à minha casa. Ainda bem que no meio disso tudo tem uma viagem para ser curtida. Vale a pena encarar tanto sofrimento. Ver lugares novos, conhecer pessoas interessantes, comer e beber coisas pitorescas e deliciosas. Continuo achando viajar uma das melhores coisas do mundo. Pena que tenho o medo como companhia. Mas, como dizem alguns, temos de saber conviver de forma harmoniosa com nossos fantasmas. Vai um suquinho, senhor?

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