Tentando entender: maioria dos acidentes aéreos no Brasil é com aviões privados de pequeno porte

Não costumo escrever sobre acidentes aéreos envolvendo morte de pessoas (a bordo ou em solo) aqui no rivotravel. O principal motivo é: quero evitar gatilhos para panicadas e panicados e oferecer um conteúdo que possa contribuir para a melhora da aerofobia das leitoras e leitores, e não piorar ainda mais a situação. Abro excessão para acidentes que tinham tudo para dar errado, mas que no fim “dão certo” e ninguém perdeu a vida (é a nossa série “Acidente não fatais”, que você pode ler aqui).

 
 

Mas noto que, quando alguém famoso é vítima fatal da queda de um avião, quem tem medo de voar fica com o coração na mão. Busquei abordar isso na matéria que fiz aqui para o site “O medo aumenta quando alguém famoso morre em desastre aéreo?”. O texto foi feito em 2019, logo após o acidente que vitimou o cantor Gabriel Diniz. O autor do sucesso “Jenifer" morreu quando o avião de pequeno porte que o transportava de Salvador (BA) a Maceió (AL) caiu.

 

O autor do hit "Jenifer”, Gabriel Diniz, foi vítima fatal de um acidente aéreo: casos com famosos tendem a afetar mais pessoas com aerofobia

 

Acho que nem preciso falar da morte de Marília Mendonça anteontem, não é mesmo? O assunto está sendo amplamente abordado na mídia. Não é minha intenção explorar a imagem da cantora e nem dar gatilho emocional para quem tem medo de voar. Mas notei um número de acesso anormal para o rivotravel nestes últimos dias — os cliques mais que dobraram. Uma das matérias mais buscadas nessas últimas horas foi: “Há lugares no avião que dão mais chances de sobreviver?”. Para mim, a relação entre a morte da cantora e a busca de quem tem medo de voar por formas de sair vivo de um acidente é clara: estamos com medo e buscamos informações.

E é justamente para enfocar este último ponto que resolvi escrever este texto. A BBC Brasil, sempre com conteúdo relevante nas mais diversas áreas, fez um levantamento interessante e chegou a uma conclusão: acidentes com aviões de pequeno porte são grande maioria no Brasil, sendo quase metade envolvendo aviões privados. Ou seja, trocando em miúdos: nós, meros mortais que voamos em aeronaves de grandes companhias, podemos respirar mais aliviados. As estatísticas estão a nosso favor, e eu acredito piamente que a informação é uma das chaves para combater (de vez ou parcialmente) o medo de voar.

 
 

Aviões particulares — em geral, de menor porte, como o usado pelo cantora — estão envolvidos na maior parte dos acidentes de aviação no país, apontam os dados coletados pela BBC. Entre 2010 e 2019, o Brasil registrou 1.210 acidentes com aviões (a maioria sem mortes, bom ressaltar), segundo dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa). De acordo com o órgão, 46% dos acidentes envolveram aviões do segmento particular. Outros 20% eram com aeronaves agrícolas e 14,72%, de instrução. A aviação comercial, essa que conhecemos e que tem aeronaves de grande porte, teve apenas 1% dos acidentes no período.

Mas o que leva a isso? A matéria da BBC Brasil explica que alguns fatores contribuem para a concentração de acidentes na aviação privada. Um deles é o menor grau de especialização de pilotos. Outro ponto também de suma importância é o nível baixo de manutenção quando comparado a grandes aeronaves. Devem ser levadas em consideração ainda as exigências mais brandas em comparação àquelas solicitadas em grandes companhias aéreas.

 
 

Presidente da Vinci Aeronáutica, o engenheiro aeronáutico Shailon Ian explicou à BBC Brasil que é muito mais complexo fazer o registro de uma aeronave com capacidade para centenas de passageiros (como as da GOL, Azul e LATAM, para citar empresas atuantes no setor doméstico no Brasil) do que uma particular, para fins agrícolas ou fotojornalismo. “Um piloto que trabalha com uma aeronave para fins agrícolas, por exemplo, não precisa de tanto treinamento e horas de voo quanto um piloto de táxi aéreo, que leva outras pessoas, ou de um Boeing com centenas de pessoas”, afirmou o presidente da Vinci.

O engenheiro aeronáutico continuou a lançar luz sobre os dados do Cenipa. “Muitos acidentes acontecem porque, muitas vezes, o piloto ou aeronave não estão preparados para aquele tipo de situação. Por exemplo, se um piloto está fazendo um voo visual e o tempo fecha. Se ele e o avião não estão preparados para aquela situação, a chance de acontecer um acidente é maior. Na aviação comercial, isso não acontece porque é exigido um nível mais alto de experiência do piloto e instrumentos e tecnologia da aeronave”.

É isso, caras e caros leitores. Um acidente aéreo é sempre terrível, seja a pessoa vitimada famosa ou não. Mas espero que os dados do Cenipa e as falas do profissional aqui citadas tragam algum tipo de alento para essa alma panicada tortuosa — e disso eu entendo.