Covid vs. Medo de voar: quem vence a batalha?

Não sei vocês, caras leitoras e leitores do rivotravel, mas como panicado eu fracassei completamente nessa pandemia que estamos vivendo (estamos vivendo ainda, né?). Se eu contar meus surtos aqui vou levar dias escrevendo. Mas elenco alguns, só para que vocês terem ideia de meu pavor de contrair Covid-19.

 

(Crédito: Fundo vetor criado por starline - Freepik / Edição por rivotravel)

 

Coisas que fiz de março de 2020 pra cá:

  • Ficar meses sem usar elevador (ainda bem que moramos no terceiro andar). E quando precisei pegar elevador (para o vigésimo quarto andar!) prendi a respiração. Cogitei enfiar a cabeça em um saco plástico com ar do lado de fora (sério), mas pensei no porteiro me olhando pela câmera de segurança e desisti da ideia.

  • Acordar uma madrugada só para passar álcool em gel em todas as maçanetas da casa — aliás, acordar de madrugada era uma constante, ia várias vezes ao banheiro ao longo da noite apenas para lavar as mãos. Lógica? Zero.

  • Não passar perto de janelas abertas da casa pois, vai que, né? Alguém poderia espirrar nos apartamentos acima do nosso e o vírus entrar que nem um ninja dando voadora.

  • Botar o pé pra fora de casa e ser acometido instantaneamente de dor de barriga (sim, era botar o pé no capacho da entrada e ter de voltar correndo em direção ao banheiro).

  • Passar álcool em gel na borda do copo de água oferecido pela sogra. Claro que acabou caindo dentro, formando uma camada boiando não diluída. Joguei fora a água e continuei com sede).

Vou parar por aqui pois a lista é longa. Eu melhorei muito de meu pânico de Covid depois que eu e meu marido tomamos a segunda dose da vacina (todo mundo aqui vacinado? Tomem a vacina, por favor).

Por falar na doença, escrevi muito sobre o assunto aqui site (e preparamos até um compilado com todas as matérias aqui). A malha aérea brasileira está quase chegando ao patamar de voos que tinha antes de março de 2020. Aí eis que surge para mim a possibilidade de fazer uma viagem aérea: vocês acham que estou pensando no medo de voar? Na-na-ni-na-não! O que tá pegando mesmo é o pavor de pegar Covid-19. Sei que o ar da aeronave é trocado a cada três minutos, que os filtros HEPA eliminam os vírus, mas só de pensar em ficar quase duas horas preso ao lado de desconhecidos potencialmente contaminados me deixa com urticária (minha perna começou a coçar loucamente agora).

Pois é, nunca vivi para ver um medo maior conseguir deixar a aerofobia no chinelo! Pior que nem vou poder tomar meu remedinho, pois chegando no aeroporto de Brasília vamos pegar um carro alugado para ir à Chapada dos Veadeiros. Socorro! Lembrei agora do título do filme A Soma de Todos os Medos. Pois é, pela união de seus pavores eu sou o Capitão Panicado!

Resolvi perguntar lá no instagram do rivotravel como o pessoal da internet estava lidando com essa questão, com a relação entre a aerofobia e o temor em ser contaminado pelo novo coronavírus a bordo. Todo mundo disse que nada supera o pânico de avião. Será que sou o único maluco no pedaço?

Mas uma leitora me “salvou”. O medo de ficar doente era tanto que fez com que pesquisadora Flavia Suzue Ikeda se esquecesse da aversão que tem pelos voos. Ela mora em São Paulo e os pais em João Pessoa. Neste ano, a (duplamente) panicada fez duas viagens ao Nordeste para ver a família e passear um pouco pela região.

 

Flavia aproveitando Salvador, em terra firme, longe do medo de voar

 

Antes de encarar o avião, Flavia conversou com amigas que tinham voado na pandemia, para saber de todos os detalhes, e leu bastante sobre o assunto. No dia, se vestiu como uma “astronauta” (nas palavras da pesquisadora), levou álcool em gel e spray para higienizar todas as superfícies com que teria contato, não comeu, não bebeu e nem foi ao banheiro. Até ouviu piadinha do comissário de bordo, sobre estar super segura — com máscara apropriada modelo PFF2, óculos de acrílico e faceshield, aquele “escudo” transparente que cobre o rosto.

“Me sentei na cadeira com mais espaço, na primeira fileira, na janela, como li que era o mais seguro. Virei a cara pra janelinha e não olhei para o lado. Nem quando pai e filho que viajaram ao meu lado resolveram desembalar seus sanduíches. Com pânico de Covid e ódio silencioso dos colegas ao lado, não notei que o avião já estava voando e eu nem tinha feito sinal da cruz, beijado minha medalhinha e rezado as “Ave Maria” nem pensado em Rinpoche e na impermanência de todas as coisas do mundo”, conta. Nota: Rinpoche foi um lama tibetano. Flavia diz que ficou com medo de tudo: de tocar nas coisas, de olhar pro lado, da máscara não estar bem encaixada, do faceshield cair.

 

A pesquisadora nos aeroportos de Recife (esquerda) e São Paulo (direita): proteção máxima contra o Covid

 

Isso tudo me fez pensar: de onde vem o medo? Quem responde é o psicólogo e doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP) Guilherme Valente. Ele explica que o medo é uma forma de nos proteger de um perigo, seja ele externo, como um bandido, ou interno, como um sentimento de rejeição. De uma forma ou de outra, nossa mente e corpo agem da mesma maneira. “Quando é externo, podemos até fugir dele e assim nos sentirmos mais seguros, mas quando é interno nos coloca diante de uma situação complexa: não podemos fugir de nós mesmos", explica o pesquisador. Ele afirma ainda que, nos quadros fóbicos, como medo de voar de avião, há um medo irracional, desproporcional, em situações em que concretamente não há um perigo real, mas psicologicamente a pessoa se depara com uma ameaça insuportável. “Essa ameaça insuportável se torna desproporcional à situação real pois é uma expressão de algo interno que se deslocou para algum elemento externo, como o medo da perda de controle que se deslocou para o voar de avião. A pessoa se encontra numa situação em que não tem controle algum sobre o que está acontecendo, ela está à mercê nas alturas, a centenas de quilômetros por hora", observa.

Para Guilherme, como estamos enfrentando uma pandemia de Covid, a doença junto com o clima de terror se tornam ameaças que se colocam muitas vezes para além do controle da pessoa e por isso podem funcionar como gatilho. “É importante ressaltar que o ponto central não está no elemento externo, no avião ou na Covid, pois são apenas a ponta do iceberg, ou melhor dizendo, é apenas a roupa com que o medo se apresenta e por isso pode ser substituída ou deslocada; a origem do medo é interna e inconsciente para a pessoa", diz.

Vou tentar pensar sobre tudo isso na hora do voo. Espero que as palavras do psicólogo nos ajude a enfrentar o medo de voar de alguma forma. Força para todos nós!

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