Tenho medo de avião, sim! — A tal da vergonha de admitir quem somos e o que sentimos

Somos realmente seres engraçados. Como diz a sabedoria popular, “ninguém paga nossas contas” (ou até paga, mas não tenho nada a ver com o financiador da vida alheia). O fato é que, nesses anos de rivotravel no ar, volta e meia me deparo com comentários como “tenho vergonha de dizer que tenho medo de voar”. E essa regra, para quem sofre do mal, vale para todo mundo: do motorista do uber que me levou para o aeroporto ao leitor mais fiel do site, passando, é claro, pela família, amigos e colegas de trabalho. Quando fiz a matéria “O medo que os homens têm de ter medo”, sobre essa tal masculinidade tóxica (nunca ouviu falar? Corre clicando aqui para ler nosso texto), pude ter acesso a alguns relatos de panicados que resolveram se abrir pra mim. Pois teve gente que até pediu anonimato, tamanha “vergonha” em admitir a aerofobia assim, abertamente. Aí eu te pergunto: vergonha de quê? O que nos leva a ter vergonha disso? Ok, vivemos em uma sociedade meio pancada da cabeça, que valoriza de forma exarcebada a vitória, o poder, o dinheiro. E empurra medos, angústias e tristezas pra baixo do tapete.

 
 

Pois eu digo em alto e bom som: tenho medo de avião, sim! Ora bolas, era só o que me faltava, alguém ditando o que eu posso e o que eu não posso temer — e o que é pior, do que eu devo me envergonhar e do que devo me orgulhar. Pois então, eu digo, declaro, imprimo e assino embaixo: tenho pavor de estar dentro de uma aeronave. Não ficou claro para todo mundo? Não tem problema, eu explico: morro de medo de voar. Tenho pânico, ultra-pânico, mega-pânico de avião (apesar de amá-los desde pequenininho, como expliquei nesse texto aqui).

Alguém morreu com minha declaração? Algum satélite despencou (aliás, melhor não falar em coisas despencando do céu)? Por acaso a vida de alguém foi afetada com isso? Me deixe com meus medos! Pois incito a todas e todos que sofrem com o mesmo mal: assumam seus medos! A começar por admitir para vocês mesmos. Já li muitos textos de autoajuda e todos eles falam da importância do autoconhecimento. Nada de esconder esse pânico na sombra, quero todo mundo afirmando bem alto: eu morro de medo de voar! Disseram (mesmo que mentalmente)? Pois é, o mundo não acabou.

Em minha parca memória (que piora a cada dia que passa, pro bem e pro mal), não me recordo de um dia ter tido vergonha de sofrer de aerofobia Mas sabe de uma coisa que eu falava bem baixinho e só em último caso (invariavelmente quando o animal já estava na minha cara e eu gritando)? “Tenho medo de borboleta”! Pois é, tenho enorme aflição, mesmo se ela estiver morta, dura e espetada naqueles quadros meio bregas que eram o must décadas atrás. “Mas como pode, um homem grande desse tamanho ter medo de um inseto lindo e inofensivo?”. Pois é, ouvia demais isso. E sabe que, desde que assumi pra mim mesmo o meu medo de borboletas (a atriz Nicole Kidman também sofre disso), eu passei a ter menos pavor? Antes era horrível, já cheguei a correr na rua com um desses bichos alados e malditos no meu encalço. Uma vez, pulei uma cerca em um pasto e me enfiei no meio dos bois para escapar de uma panapaná, que é como chamam o coletivo do animal. Juro, elas me perseguem, as demônias! Pois bem, desde que tirei do armário a vergonha de ter borboletofobia (inventei agora), perdi um pouco do medo delas também. Acho que, quando a gente pega leve com os próprios medos, eles param de assustar tanto. Claro que isso nem sempre acontece. Caso contrário viajar de avião para mim já seria moleza.

E sobre o que devemos nos orgulhar, digo: temos que ter um baita orgulho cada vez que conseguimos vencer nossos limites. Sempre que, mesmo contra a vontade, embarcarmos em um avião, toda vez que sentarmos nos nossos assentos achando que vamos desfalecer, quando conseguirmos realizar a viagem — que mais parece uma sessão de tortura medieval. Trôpegos, suados, se tremendo da cabeça aos pés? Sim. Mas sentindo o gostinho de um voo realizado em segurança. Mesmo que o trecho de volta seja dali a alguns dias e a gente já saia do avião pensando no retorno (por que sofremos tanto com a antecipação? — escrevi um pouco sobre isso aqui). Mesmo assim, devemos pensar: essa conquista eu ganhei. E ela ninguém me tira.

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