Sensação de campo minado ao viajar: nossas escolhas determinam nossa sorte?

Nos anos 1990, quando algumas famílias mais ricas costumavam comprar computadores de mesa para suas casas, começou a se tornar popular no Brasil alguns joguinhos que vinham com as enormes máquinas. Um deles era o da paciência, que seguia as mesmas regras da versão tradicional, com cartas de baralho. O outro era o jogo do campo minado.

Para quem não teve a terrível e angustiante experiência de testar os nervos com ele, explico em linhas gerais. O objetivo era ir “abrindo caminho” em um campo cheio de “minas” que explodiam caso você clicasse erroneamente em cima de uma delas. Não havia marcação de onde estavam as minas, e a única pista dada eram quadradinhos com um número em cima dizendo quantos explosivos os rodeavam. Adrenalina pura. Eu nunca gostei, sempre achei um prenúncio de um ataque cardíaco. Quem clicava no lugar errado perdia, tinha de voltar pro começo. Ou seja, morria.

 
 

Pois eu me sinto mais ou menos jogando Campo Minado quando vou viajar. Tudo é gatilho emocional. Vou para onde? Em que período? Só essas duas questões já são suficientes para me estressar. Será que estou indo pro lugar certo, no dia certo? Sim, pois pode cair um avião naquela data, não é? E se eu resolver voar para São Paulo e naquela semana já estiver “programada” uma queda? Quem sabe quais são os planos do Divino Poderoso? Olhe bem o grau de loucura, eu nem mesmo acredito em Deus, mas nessas horas tenho a certeza de que tem alguém lá em cima, com papel de caneta na mão, anotando tudo. Ou melhor, com um mouse na mão, armando um verdadeiro Campo Minado para nós, panicadas e panicados. E nesse jogo macabro quem avança (ou retrocede) sou eu, a depender de minhas escolhas.

Tem gente que escolhe a data pensando em encaixar melhor suas férias, outros optam pelos dias mais baratos. Eu, além disso, escolho no “feeling”. Olho o calendário apresentado pelas companhias aéreas e vou na sorte, uma decisão meio aleatória, baseada apenas no período em que posso viajar, mas também na mais completa sorte, esperando não clicar em uma mina.

Sabe quando há casos de acidente de avião e sempre aparece um fulano ou uma beltrana que não pegou o voo e escapo de última hora? Pois sempre penso nisso na hora de comprar a passagem. Depois de concluir a compra, invariavelmente me pergunto: será que deveria ter ido um dia antes? Ou um dia depois? Onde estará escondida a mina? E assim seguem os angustiantes dias. Na hora de arrumar a mala, os pensamentos ruins chegam novamente. Será que essas vão ser as últimas roupas que vestirei? Droga, deveria ter comprado umas camisas novas, essas estão super puídas. Clico no quadradinho. Ufa, sigo em frente.

E como ir pro aeroporto? Pedir para alguém me levar? Ir eu mesmo dirigindo e pagar uma pequena fortuna nos estacionamentos ao redor do aeroporto? Seria melhor pedir um uber (que anda mais difícil de achar do que ganhar o jogo)? São tantas as variáveis. Nessa hora eu fico completamente racional: o panicado some e incorpora em mim o espírito da realidade, segundo o qual é mais fácil se envolver em um acidente de carro indo para o aeroporto do que na queda de um avião. Ou seja, se eu chegar vivo para pegar o voo já venci 99,99% do jogo. Só me pergunto onde está esse ser elevado — de pensamentos tão objetivos e analíticos — quando estou dentro da aeronave, jurando que preferiria ter escolhido viajar de carro ou ônibus. Sinto que cada movimento que vou dando é como um passo no Campo Minado. E um passo em falso é BUM! Vai entender…

 
 

E será que o assento que eu escolhi para sentar no avião é bom, aumentando minhas chances de sobreviver em caso de um pouso de emergência? Tem tanto tempo que escrevi sobre isso que nem me lembro mais (mas você pode ler aqui). Será que tem uma “bomba” ao meu lado? Ou bem onde estou sentado?

Aparentemente eu sou bom nessa versão very crazy do Campo Minado, pois, nessas quatro décadas de vida jogando, eu sempre ganhei. Espero continuar com essa sorte. E se você está lendo isso é motivo de comemorar também: aos trancos e barrancos, com suadeira e pânico, você também pode celebrar a vitória. Acho que os deuses (olha eles de novo aqui) estão do nosso lado. No entanto, cá entre nós, a verdadeira vitória seria poder voar um dia com tranquilidade — e deixar esse jogo bizarro cair no esquecimento de uma vez por todas (assim como o Paintbrush dos primórdios do Windows, mas desse tenho saudades). Um dia chegamos lá!

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