O meu medo de voar na pandemia
Socorro! Um ano de isolamento. Um ano. Trezentos e sessenta e cinco dias sob o mesmo teto, olhando as mesmas paredes brancas, vendo a mesma paisagem urbana emoldurada pelas janelas, o barulho infernal da rua vomitando dentro do apartamento junto com a luz e a poeira fina. Me sinto em Tóquio ou em Nova Delhi, sendo que nunca fui à Ásia, nunca fui nem perto de lá. O mais próximo foi a improvável Praga, na República Tcheca. Bem longe, eu sei, mas eu avisei, foi o que mais perto que cheguei das duas caóticas cidades.
Por falar em lindas cidades, vontade de viajar, né, minha panicada? Muita gente viajou nesses últimos 12 meses, apesar da queda brutal no número de voos ao redor do mundo. Por obrigação ou lazer. Uns escolheram destinos isolados para ter uma válvula de escape nesse louco período pelo qual estamos passando (e isso virou até matéria, que pode ser lida aqui). Mas sem vacina e com o temor de ficar mais do que um milésimo de segundo dentro de um ambiente fechado com um monte de gente, tudo isso me deixa já em frangalhos emocionais. Sim, sei que o ar é todo renovado a cada dois ou três minutos, escrevi sobre isso no rivotravel, em uma das muitas matérias escritas sobre a pandemia — todas reunidas aqui. Mas na minha mente panicada poderíamos estar viajando em um hipotético avião sem teto, o ar cortando nossos rostos a 950 quilômetros por hora, mesmo assim ficaria cabreiro. Vai que, né? Sei que sofro de ansiedade crônica e a aerofobia é apenas um capítulo de meu manual de instruções. É horrível, confesso. E na pandemia isso só piorou: medo de visitar minha mãe, de ir ao supermercado ou à farmácia. Sendo assim, pegar um avião está definitivamente fora de cogitação.
Mas isso não mata meus desejos de estar em outros locais. Vontade de ir visitar minha sobrinha, em Brasília. Amigos em São Paulo. Meus parentes na Itália. Vontade de viajar para fora do pais. Mas em qual país o real brasileiro está razoavelmente valorizado? Dólar e Euro nem pensar, pior que comprar gasolina no posto. Buenos Aires? Já estive lá, no longínquo 2005, mas meu marido não. Super voltaria pra um giro portenho. Uma semaninha na capital argentina seria ótimo. A América Latina que quer ser a Europa, título super injusto, creio eu. De repente esticando para o norte do país. Uma road trip por lá. Amo viagens de carro. Além de ser uma pausa relaxante em uma viagem que inclui trechos aéreos, pegar a estrada significa ver de perto as paisagens que costumamos ver de cima, além de poder parar em qualquer lugar para tirar umas fotos, fazer um piquenique ou apenas contemplar o visual. Fiquei encantado pelo colorido dos montes do interior argentino, já próximo da Bolívia, ao ver o filme Minha Obra Prima para uma matéria que fiz aqui pro site no início da pandemia no Brasil (olha o coronavírus de novo dando as caras). Esse texto inclusive continua atual, em tempos de lockdown (pelo menos aqui em Salvador). É esse aqui: Filmes e séries na Netflix para viajar pelo mundo. Parece que viajar agora virou novamente sinônimo de sentar no sofá e deixar a imaginação voar longe. Voar, verbo intransitivo, menos para quem está em trânsito entre um lugar e outro. Ou quem é obrigado a se desgrudar do solo por conta do trabalho.
Como será que a pandemia vai afetar as panicadas e panicadas? Será que teremos ainda mais medo de viajar de avião? Ou será que o pavor daquilo que não vemos e que está no ar vai diminuir ou mesmo anular a aerofobia? Eu realmente acho que essa pandemia vai deixar uma marca na gente, um temor que não podemos ver nem tocar, mas que é muito real. Imagino que em um avião eu evitaria até mesmo encostar no assento (e imaginar que antes de março de 2020 meu único pânico era voar). E nesse extremo desconforto, pensando em vírus voando como ninjas em direção às minhas narinas, talvez eu esquecesse o medo de voar e focasse só na virusfobia (nem sei se essa palavra existe, mas achei perfeita, não?).
Ir para o aeroporto e sentir calafrios? Só se for por um possível contágio (desse vírus maldito ou de outros que, creio, virão, espero que com menos força). Entrar no avião se tremendo todo? Bem capaz de ali naquele corredor já estejam perigosas partículas flutuando. Alguém espirrou no assento atrás de você? Socorro, aeromoça, deixa eu sair! Avião já está decolando? O que antes era sinônimo de martírio excruciante para mim agora é fichinha perto da perspectiva de ficar horas preso com aquelas pessoas virologicamente suspeitas.
E o lanchinho? Por mim estaria tudo abolido, mesmo em voos internacionais de 12h. No máximo um copinho de água, mesmo assim de canudinho, para não ter de tirar a máscara (que teriam de ser as profissionais, tipo N95, nada de máscara de pano). Exagero, talvez. Mas tudo em nome de minha saúde física e, não menos importante, mental.
Quem diria que o que já era ruim (voar) poderia ficar ainda pior? Mas vamos aguardar a vacina e ver o que o futuro nos aguarda. Tenhamos todos uma boa espera. E fé na ciência.