O efeito devastador do novo coronavírus nas empresas aéreas e como isso vai afetar o setor
O novo coronavírus está impactando a nossa sociedade de forma profunda. E com a aviação não poderia ser diferente. Companhias quebrando, outras deixando todos seus aviões em terra, executivos de empresas do setor dando declarações nada otimistas, planos de demissões e cortes de salários… Algo muito transformador está ocorrendo diante dos nossos olhos, e não sabemos bem o que é. As pessoas pararam de voar, por medo, por quarentena ou mesmo por fronteiras fechadas.
A onda de companhias declarando falência já começou. Duas aéreas regionais dos EUA confirmaram o fim de suas operações — bom ressaltar que o setor regional por lá é bem forte. Hoje, por exemplo, deixa de voar a Trans States Airlines, uma companhia regional para voos da United. A Trans States foi fundada em 1982 e já prestou serviços para diversas empresas. Atualmente sua frota consistia em 42 Embraer ERJ-145, todos sendo usados exclusivamente pela United Express, braço regional da United. Já a Compass Airlines, que opera rotas regionais para a Delta e para a American Airlines, será fechada completamente em 7 de abril. Ela opera 38 aviões Embraer 175.
A primeira empresa a “fechar as portas” oficialmente era sediada no outro lado do Atlântico. No dia 5 de março, a empresa inglesa FlyBe, que já vinha com problemas financeiros, anunciou que não tinha mais condições de se manter viva. As rotas da FlyBe conectavam o Reino Unido com os principais destinos europeus. A empresa tinha 2,4 mil funcionários e transportava 8 milhões de passageiros por ano. As 68 aeronaves voavam para 81 aeroportos.
As mudanças atingem também as grandes do setor. Ontem, o diretor-executivo da Air New Zealand, Greg Foran, disse que, a partir de agora, a companhia vai focar mais no mercado interno, reduzindo drasticamente a atuação internacional. Foran anunciou ainda que mais de três mil funcionários devem ser demitidos. Cerca de 95% dos voos foram cancelados. Também ontem foi divulgado que as três empresas aéreas de Israel (sendo a El Al a maior delas) querem fundir as operações para conseguir continuar voando no futuro. São as novas configurações impostas pelo vírus, em um cenário no qual medidas, muitas vezes extremas, são tomadas, visando a sobrevivência.
Essa atual conjuntura imposta pela pandemia não é das melhores — longe disso, garantem os executivos. Em entrevista à rede de TV Bloomberg, o diretor-presidente da Qatar Airways, Akbar Al Baker, disse que muitas companhias aéreas devem ir à falência em decorrência da queda na demanda por viagens — estima-se que a Qatar tenha perdido 80% de sua receita. O futuro cenário depende de quem tomará “decisões muito inteligentes e prudentes”, acrescentou. Os comentários de Al Baker vão ao encontro do comunicado da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), segundo o qual apenas 30 companhias aéreas globais têm balanços razoavelmente saudáveis e que, mesmo assim, devem ter caixa suficiente para sobreviver apenas por alguns meses. Para a revista alemã Der Spiegel, o diretor-executivo da Lufthansa, Carsten Spohr, disse não esperar uma recuperação rápida de todo o setor após o fim da crise. “Levará anos para a indústria voltar aos níveis pré-crise”, disse Spohr. Ao Yahoo Finance, ele pontuou que, quando a pandemia for controlada, “haverá uma economia global menor e isso significa companhias aéreas menores”. É o caso, por exemplo, da Alitalia, cuja direção já fala em “voltar aos anos 1950”, quando a frota era bem menor que os atuais 113 aviões. Estima-se que a “nova Alitalia” terá de 25 a 30 modelos voando.
A queda do número de passageiros tem sido fortemente sentida também pela maior empresa do mundo. Segundo Robert Isom, presidente da American Airlines, mais de 55 mil voos serão cancelados em abril. A redução será de 60% a 70% no mercado doméstico nos EUA (chegando a 80% no próximo mês) e de 80% a 90% no internacional. Na última sexta-feira, o presidente norte-americano, Donald Trump, assinou uma lei que criou um pacote de U$ 2 trilhões (R$ 10,42 trilhões) para tentar salvar a economia nacional. Deste total, US$ 50 bilhões (R$ 260 bilhões) devem ir para as empresas aéreas sediadas no país. Calcula-se para a American Airlines uma fatia considerável: US$ 12 bilhões (R$ 62,5 bilhões), mas o diretor-executivo da companhia ainda levanta dúvidas sobre as condições do empréstimo federal.
Ontem, foi a vez de Dubai (que integra os Emirados Árabes Unidos) garantir um aporte de dinheiro para a Emirates, que, na semana passada, suspendeu todos os seus voos. “A Emirates, nossa companhia de transporte nacional, fez de Dubai um centro mundial de transporte aéreo e tem um grande valor estratégico por ser um dos principais pilares da economia”, disse o príncipe herdeiro do emirado, Hamdane ben Mohammed ben Rached Al Maktum.
O Brasil, claro, também está sentindo os efeitos da pandemia. Na sexta-feira, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) anunciou as alterações feitas pela GOL, Azul e LATAM, que em março concentravam 96% do mercado nacional. As três líderes vão manter voos para as capitais dos Estados e para Brasília, além de outras 19 cidades do interior. A situação emergencial é 91,61% menor do que a originalmente prevista pelas empresas para o período e será mantida até, pelo menos, o fim de abril. Segundo a ANAC, considerando a programação da GOL, Azul e LATAM, a queda é de 56% das localidades atendidas, passando de 106 para 46 destinos. O número de voos semanais passou de 14.781 para apenas 1.241. As empresas brasileiras também esperam pela boia de socorro. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, afirmou ao G1 no último domingo que pretende disponibilizar em abril uma linha de financiamento para ajudar as companhias aéreas. Para Montezano, a taxa do financiamento deve ser “baixa”, sem especificar o valor. “O objetivo é dar taxa competitiva, taxa baixa, que não pressione o fluxo de caixa dessas empresas, mas sem a presença de subsídios”, disse. Segundo dados do G1, as empresas nacionais têm registrado quedas de mais de 70% no mercado doméstico e de mais de 90% no mercado internacional.
O Brasil também sofre com a suspensão de voos de empresas estrangeiras. Uma das que tinham mais destinos servidos no Brasil (Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto alegre, Manaus, Salvador e Recife) a Copa, do Panamá, suspendeu todos os voos (para todas as 80 cidades em 33 países) na semana passada. Essa situação de cancelamentos de voos afeta diretamente quem quer voltar para cá. Em entrevista ao programa Fantástico, na edição de domingo passado, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que ainda há mais de 7 mil brasileiras e brasileiros no exterior querendo voltar para casa, mas sem voos disponíveis. São turistas, intercambistas e cidadãs e cidadãos que estavam morando fora do país temporariamente, todas e todos surpreendidos com o fechamento de fronteiras e cancelamentos de voos. A matéria do Fantástico mostrou a situação precária de pessoas com passaporte brasileiro dormindo em aeroportos, sem dinheiro para se alimentar ou buscar hospedagem.
No sentido oposto, algumas empresas têm feito voos de repatriação no Brasil, como o caso da polonesa LOT, que não tem voos regulares para cá, mas veio na semana passada buscar compatriotas. Operações similares em aeroportos brasileiros foram feitas para levar de volta passageiras e passageiros de outros países, como Noruega, Israel e Inglaterra. Vale lembrar que, no último dia 23, o governo federal proibiu a entrada de estrangeiros no Brasil.
A falta de passageiros tem tido impacto também nas administrações aeroportuárias. Aeroportos do mundo todo têm fechado parte de suas estruturas por conta da suspensão de voos, como o de Guarulhos, em São Paulo, que a partir de hoje não vai mais operar, por tempo indeterminado, o Terminal 1. Ontem foi a vez do aeroporto de Calgary, um dos mais movimentados do Canadá, tomar medida similar. Na semana passada, Gatwick, um dos aeroportos que servem Londres, também anunciou a paralisação de operações em uma de suas alas, seguindo exemplo de outros grandes aeroportos ingleses, como o de Manchester, por exemplo.
Além disso, alguns dos maiores aeroportos do mundo estão bloqueando parte de suas pistas e taxiways (áreas de manobras) para acomodar os aviões que não estão voando. O caso mais emblemático é o de Atlanta, que detém a marca de maior movimento de passageiros do mundo (mais de 100 milhões em 2019). Outro gigante que cedeu espaço para as aeronaves foi o de Frankfurt, na Alemanha, principal hub da Lufthansa — que está mantendo 700 aviões em terra e operando basicamente voos de carga e de repatriação. Integra ainda a lista de “depósito” improvisado a cidade de Copenhague, na Dinamarca, cujo aeroporto é o maior da Escandinávia. Por lá, quem domina o mercado é a SAS Airlines— em fevereiro, ela passou por uma polêmica, e a matéria que fizemos pode ser lida aqui. Por conta do novo coronavírus, a SAS foi uma das primeiras a parar quase todas as operações. A British Airways resolveu mandar seus aviões para aeroportos menores que os londrinos, como o de Glasgow, na Escócia. Já a Air France está usando para estocagem duas das quatro pistas do Charles de Gaulle, o maior do país.
Empresas norte-americanas estão destinando seus aviões para aeroportos no sul do país e mesmo para o deserto, onde se encontram grandes áreas tradicionalmente reservadas para aviões já aposentados, a exemplo do Pinal Air Park, no Estado do Arizona. Segundo a revista Business Review, o clima quente e seco da região ajuda inclusive na preservação dos aviões. A estratégia tem sido usada pela Delta, sobretudo para os equipamentos com maior capacidade de transportar passageiros. Já a American Airlines escolheu o aeroporto de Tulsa, no Estado de Oklahoma (onde tem um centro de manutenção), para estacionar parte da frota, desde aviões menores, como Boeings 737, até alguns 777.
No Brasil, os dois aeroportos de Belo Horizonte (Pampulha e Confins) estão “abarrotados” com aeronaves da LATAM, GOL e Azul. Segundo o site especializado AEROIN, na Pampulha estão 25 aviões da Azul. Já no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, conhecido como Confins, esse número sobe para 39, sendo 18 da Azul, 15 da LATAM e ao menos 6 da GOL, sendo que esta última também conta com modelos parados no pátio do Centro de Manutenção da empresa no aeroporto.
Como dito por executivos de grandes empresas, a pandemia deixará marcas profundas na economia e na sociedade como um todo. Eu estou em isolamento desde o dia 12 de março. E, mesmo panicado, tudo que mais quero é, quando for possível, fazer uma viagem (a que couber no orçamento). Será que meu medo vai passar, depois de tempos tão nefastos? Será que sairemos mais fortes? Será que o medo que sinto hoje, de perder pessoas queridas para a doença, acalmará meus outros medos?
Será?