Filmes e séries na Netflix para viajar pelo mundo sem sair de casa
Listas!
Há quem ame e quem odeie. (Espero que você, assim como eu, ame. Ou pelo menos tenha curiosidade…).
A questão é: com o novo coronavírus, a recomendação é ficar em casa — sei que nem todo mundo pode, mas muita gente que se isolou para proteger a si e aos outros durante esta pandemia está tendo que lidar com o desafio do autoconfinamento. Esta nova realidade aumentou o volume de pessoas conectadas à Netflix. A empresa chegou a diminuir a qualidade de definição do conteúdo para “segurar a onda” (confesso que nem percebi). E já que o rivotravel também trata de viagens, resolvi fazer uma lista recheada de produções para dar a volta ao mundo sem sair da cama. Ou do sofá. Ou do vaso sanitário, vai saber, né? Optei por títulos disponíveis no Brasil agora em abril de 2020 na Netflix pois é a plataforma de streaming audiovisual mais difundida no país (não, não estou ganhando merchan). Tem para todos os gostos. Ficção, documentário, animação, série, minissérie. Como toda boa viagem, busquei ser o mais eclético possível na escolha dos destinos, destacando produções que mostram um pouco sobre um determinado lugar, seja em paisagens, monumentos ou hábitos culturais. Quer saber quais são? Então afrouxe o cinto, recline para trás a poltrona, pegue alguns snacks e vamos iniciar essa jornada.
Para começar… Embarque para a Geórgia com:
O MERCADOR
Começo com uma decolagem suave, com o mais curtinho da lista. O Mercador, uma produção da Netflix, é um documentário de apenas 25 minutos, mas que consegue mergulhar o espectador no interior extremamente simples da Geórgia (o país europeu, não o Estado norte-americano). Com sensibilidade, a diretora Tamta Gabrichidze acompanha um negociante que, em um caminhão, compra artigos diversos, muitos deles já usados, e sai pelo país vendendo de tudo, de esponja de lavar pratos a maquiagem, brinquedos e botas. A moeda de troca são batatas, plantadas por pequenos produtores. A prática nos remete imediatamente a tempos longínquos, nos quais o escambo era a única realidade. Alguns dos itens, que para o povo pobre daquela nação marcada por conflitos são quase artigo de luxo, chegam a ser negociados por até 25 quilos do tubérculo. Depois, as batatas são vendidas no mercado da capital, Tbilisi. O curta traz cenas extremamente simbólicas e tocantes. Tamta Gabrichidze tenta não fazer julgamentos: o mercador explora o povo ou funciona como uma mera peça na engrenagem capitalista desse ex-país soviético? O filme ganhou o prêmio de melhor curta documentário no prestigiado Festival de Sundance em 2018.
Agora embarque para Cuba com:
QUATRO ESTAÇÕES EM HAVANA (Four seasons in Havana)
Ambientada na ilha caribenha, Quatro Estações em Havana é uma adaptação da série de quatro livros do escritor Leonardo Padurra, que roteirizou a produção ao lado da esposa, Lúcia López Coll. Cada um dos quatro episódios da minissérie é como um filme, com cerca de 1h30 de duração cada. Ambientada em 1989, ano da queda do Muro de Berlim e o começo do fim da União Soviética – que sustentava a ilha em meio ao embarco comercial que já durava décadas –, Quatro Estações em Havana mostra a trajetória do investigador de polícia de meia-idade Mario Conde, que é acompanhado por seu parceiro de profissão Manolo Palacios. O personagem principal é um tanto quanto deprimido e melancólico, possivelmente um reflexo da própria cidade na qual atua. A capital do país, onde a minissérie de fato foi gravada, é mostrada com todas suas agruras: suja, decadente, com traficantes e prostitutas que aparecem e somem em cada esquina. O diretor espanhol Félix Viscarret buscou passar para as telas uma sensação de claustrofobia, sobretudo nas cenas rodadas de noite.
E de uma ilha para outra: embarque para a Islândia com:
INSPIRE, EXPIRE
A ficção original da Netflix é ambientada na Islândia, país surrealmente incrível que tive a oportunidade de conhecer em 2010 (inclusive essa viagem merece matéria aqui no rivotravel). No longa, acompanhamos Lara, uma ex-viciada em drogas que tenta retomar os rumos de sua vida e oferecer estabilidade ao filho, Eldar. A trajetória de Lara cruza com a de Adja, uma imigrante de Guiné-Bissau que está em conexão no país para chegar, junto à irmã e filha, ao Canadá. O problema é que Adja é detida, pois viaja com passaporte falso, realidade de muitas pessoas que abandonam seus países em busca de um futuro melhor. A situação, guardada as devidas proporções, é compartilhada por Lara, que perde o apartamento e tem de morar no carro com o filho e o gato da família. O filme, dirigido pela islandesa Isold Uggadottir, é feito de silêncios, solidões e delicadezas que casam perfeitamente com a paisagem quase lunar da ilha, perdida no Atlântico Norte. O amplo horizonte físico e simbólico é uma promessa de incerteza, mas também de recomeço. Em 2018, o filme ganhou o prêmio de melhor direção no Festival de Sundance e tem 92% de aprovação no ranking do site especializado Rotten Tomatoes.
Por falar em “terra das oportunidades”, embarque para o norte dos EUA com:
THE FUNDAMENTALS OF CARING
Seguimos nossa viagem pelos Estados de Washington, Idaho e Montana. No filme The Fundamentals of Caring – é assim que aparece na busca da Netflix, acompanhamos a história de Ben (vivido por Paulo Rudd, o Homem-Formiga), um cuidador profissional que é contratado para cuidar do adolescente Trevor. O jovem sofre da síndrome de Duchenne, uma doença degenerativa e incapacitante que o mantém na cadeira de rodas. Trevor vive entre o quarto e a sala, e esse é o seu mundo. Ele tem algumas obsessões, como pontos turísticos fora do comum, a exemplo do maior bovino do mundo ou o maior poço já construído pelo homem. Para fugir de seus problemas e dar uma outra perspectiva de mundo para Trevor, o cuidador resolve levá-lo para conhecer os lugares com os quais sempre sonhou, passando por belas paisagens de Estados pouco visitado por turistas, como Idaho. No caminho, claro, muitas descobertas, brigas, risadas e personagens errantes, como Dot, vivida por Selena Gomez, que está muito bem no papel. O filme é um road movie (literalmente filme na estrada) bem dosado. Tem 77% no Rotten Tomatoes, uma boa nota.
E já que estamos na Terra do Tio Sam, que tal continuar por lá? Embarque para o sul dos EUA com:
EASY RIDER – SEM DESTINO
Nesse clássico da contracultura, saímos da Califórnia, atravessamos as regiões desérticas do Arizona, Novo México e Texas e chegamos na quente e úmida Louisiana, em plena apoteose do desbunde do Mardi Gras, o carnaval de New Orleans. Tudo isso em quatro rodas. Na verdade são duas motos Harley-Davidson, como convém a um filme icônico, naturalmente. Lançado em 1969, o filme Easy Rider bebeu na fonte de toda a efervescência e contradições que existiam nos EUA (e no mundo) na época, com o movimento hippie, o pacifismo, as drogas, o amor livre e o rock n’roll. O longa-metragem foi escrito por Peter Fonda (1940–2019) e Dennis Hopper (1936–2010), que também atuam, vivendo respectivamente a dupla principal Wyatt e Billy. Eu confesso que não ia incluir Easy Rider aqui nessa relação, pois achei a primeira metade bem sacal, mas ele, do meio para o fim, cresce de forma incrível, dando ao espectador uma experiência fantástica. A fotografia é belíssima e explora tanto a vastidão quanto o sufocamento. A maior parte das filmagens aconteceu na estrada e nos campos, com iluminação natural. Uma das cenas mais tensas, em um restaurantes, foi feita usando apenas moradores locais da pequena cidade de Morganza, na Louisiana. O road movie também é estrelado por Jack Nicholson, que por sua atuação concorreu ao Oscar na categoria melhor coadjuvante, a primeira das 12 indicações ao prêmio máximo de Hollywood até hoje. Hopper, que dirigiu o longa, levou o prêmio de melhor obra de estreia no Festival de Cannes. A trilha sonora tem nomes do calibre de Jimi Hendrix e Bob Dylan e conta com a famosa Born to Be Wild, na voz de Mars Bonfire. O longa tem 88% no tomatômetro do Rotten Tomatoes, uma nota excelente para esse clássico. Em 1998, Easy Rider foi incluído no registro de filmes da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos por seu significativo valor cultural. Uma obra prima, que demanda certo esforço de quem a assiste (como muitas obras-primas), mas que dá a recompensa no final.
Da Louisiana, podemos descer um pouco mais e parar na Flórida? Eu sei, overdose de EUA, mas calma que depois vai diversificar mais. Então, embarque para o arquipélago de Flórida Keys com:
BLOODLINE
O conjunto de centenas de ilhas ao sul de Miami é chamado de Flórida Keys. E é em uma delas, islamorada, que está o idílico (e fictício) hotel Rayburn House, que pertence aos Rayburn. Em uma primeira impressão, tudo na série Bloodline parece saído de um comercial de margarina: o lugar é lindo, as pessoas são felizes e unidas e o sol brilha no céu. Mas já no começo quem chega ao local é Danny, um filho que abandonou o seio familiar por algo que, obviamente, vai sendo explicado ao longo da trama. Por qual motivo ele deixou a ilha? Ou Danny se viu levado a fazer isso? Até que ponto uma família se protege ou expurga alguém de seu seio para continuar existindo? Danny é vilão ou vítima? A história, original da Netflix, se desenrola por três ótimas temporada e conta com nada mais, nada menos, que a atriz Sissy Spacek (sério, amo essa mulher) como matriarca. Bloodline revela uma ilha às vezes paradisíaca (afinal, o Caribe é logo ali), mas às vezes soturna, contando com a ajuda da direção de fotografia. A série teve estreia no famoso Festival de Cinema de Berlim, em 2015, em uma sessão de gala, já mostrando o poder da plataforma de streaming em eventos antes exclusivos aos formatos tradicionais de exibição. A produção foi aplaudida pela crítica e levou inúmeras indicações ao Globo de Ouro e ao Emmy, sendo que uma estatueta deste último prêmio foi entregue a Ben Mendelsohn (que vive Danny), na categoria melhor ator coadjuvante em série dramática. É um dramalhão do bom pra ninguém botar defeito.
Agora vamos pro sul do continente? Embarque para a Argentina com:
MINHA OBRA-PRIMA
O filme reúne pontos positivos do atual cinema argentino: roteiro precisos e bem costurado (e cheio de reviravoltas), humor ácido com um toque autodepreciativo e existencial e um leve traço cômico. Arturo é um dono de galeria e negociante de artes plásticas. Representa Renzo, um artista de temperamento difícil que viveu a glória em termos de aprovação da crítica (e de grana) no passado, mas hoje está no ostracismo e cheio de dívidas. A relação dos dois é conturbada, com altos e baixos. Os eventos vão abrindo portas e mais portas na cabeça do espectador: o que é destino e o que está em nossas mão? Até onde vai a ética e a amizade entre duas pessoas? A sintonia entre Guillermo Francella (Arturo) e Luis Brandoni (Renzo) é formidável. O longa argentino entretém explorando um território que eu amo, o mundo das artes, questionando diversos pontos desse mundinho por vezes bem fechado. É urbano e rural. Ambientado em Buenos Aires (a definição de Arturo para a cidade e seus habitantes é ótima), há belas cenas na província de Jujuy, no norte do país, uma região que sou doido pra conhecer, por conta de sua paisagem completamente única. O roteiro é dos irmãos Andrés e Gastón Duprat, sendo que este último também assinou a direção do filme. A dupla está por trás de outro filme argentino interessante (O Cidadão Ilustre, também disponível na Netflix). Minha Obra-Prima tem 86% no Tomatômetro. Para o crítico Marcelo Janot, do jornal O GLOBO, “a opção por investir no humor para falar de tema como o mercantilismo nas artes plásticas dá resultado, sobretudo graças ao ótimo desempenho de Brandoni e Francella, que garantem momentos impagáveis”. É um obra-prima, como evoca o texto? Não. Mas está muito acima da média. Vale a pena demais.
Da Argentina, cruze o rio da Prata e embarque para o Uruguai com:
whisky
Olha, cara leitora, caro leitor, eu nem sei como elencar a lista de maravilhas que é este longa uruguaio de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll. Eu simplesmente amo esse filme. Se você gosta de mais ação (e nem digo ação como sinônimo de explosões), certamente vai odiar, e não há nenhum problema nisso. Whisky é comedido, feito de silêncios e repetições que vão dando o ritmo da obra e que ajudam a contar a história. Acho linda a sequência de abertura, percorrendo as ruas desertas da capital Montevidéu ao amanhecer. Vemos uma cidade pacata, de um país pacato, emparedado entre dois irmãos gigantes (Brasil e Argentina). No longa, Jacobo é dono de uma pequena fábrica de meias, na qual trabalha Marta. E eis que o inesperado acontece: uma visita do irmão de Jacobo, com quem não mantém relações estreitas, mas que provocará grandes mudanças. Não vou além na trama pois já estou dando spoilers suficientes. A obra ganhou 23 prêmio em festivais internacionais, inclusive um na mostra Un Certain Regard, em Cannes. Quando estreou nos EUA, o New York Times deu uma matéria positiva, ressaltando a história da vida cotidiana, com astúcia e contada de forma tocante. “Uma comédia com uma veia de desespero, o filme uruguaio Whisky é um pequeno prazer”, diz a crítica. Acrescento: um filme simples de um país pequeno, mas que revela grandes verdades.
E não tem Brasil nessa lista, não? Teeeeem! Embarque para o sertão nordestino com:
CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS
Sendo baiano da capital, tenho em minha memória afetiva algumas viagens, na infância, pelo sertão do Estado. Então, foi com muita alegria que vi, para esta matéria, o filme Cinema, Aspirinas e Urubus. O filme, de curioso título, é baseado em fatos reais e mostra a saga do alemão Johann (Peter Ketnath) pelo interior do Nordeste, parando em povoados minúsculos para exibir pequenos filmes meio documentais, meio publicitários, no intuito de vender aos moradores o medicamento “que cura todas as dores”, produto da empresa Bayer, da Alemanha. No meio da caminho, Johann conhece Ranulpho, vivido pelo meu conterrâneo João Miguel (pense num ator danado de bom). É um filme contemplativo, no qual a natureza cumpre um papel fundamental para a trama. O povo é mostrado em sua simplicidade, mas também com sua enorme sabedoria, que resiste à dureza do entorno. Na semana de sua estreia em Nova York, o filme brasileiro recebeu uma crítica positiva do New York Times. A resenha dizia que o filme é um exemplo de “como um pouco de imaginação e um cineasta de qualidade podem triunfar sobre a escassez de recursos”. O crítico elogiou a fotografia e o roteiro que “favorece o pensamento em vez da ação” – de fato, não vá esperando um ritmo frenético. O roteiro é assinado pelo diretor, Marcelo Gomes, e também por Paulo Caldas e pelo magnífico Karim Aïnouz, autor de filmes magistrais da cinematografia nacional, como Madame Satã, Praia do Futuro e A Vida Invisível.
Já que citamos a Alemanha, que tal dar um pulo lá? Embarque para a Alemanha com:
NADA ORTODOXA
Dividida entre Nova York (mas chega de EUA, né?) e Berlim, Nada Ortodoxa, minissérie original Netflix, mostra a história de Esther, uma jovem de 19 anos que cresceu em uma família ultraconservadora judia na maior cidade norte-americana. Sufocada pela comunidade fechada na qual vive, tendo crescido sem a mãe (que fugiu em situação misteriosa) e com sonho de virar pianista, resolve escapar, sem contar a ninguém, para a Alemanha, onde descobre um novo e deslumbrante mundo, mas não menos assustador. A cidade alemã que Esther encontra é, obviamente, pujante, elétrica, sem comparações com o microcosmo com o qual estava habituada a viver na restrita comunidade nos EUA. Berlim aparece como uma cidade solar, onde todos são jovens, a arquitetura é contemporânea, a liberdade é regra e a sexualidade é fluida e vivida sem medos. A saga é baseada nas memórias da escritora Deborah Feldman, que também assina como coprodutora e co-roteirista. Nada Ortodoxa mostra muito a situação submissa da mulher no seio de uma família que segue a religião a ferro e fogo. Confesso que sou leigo no tema religioso, então fui consultar uma especialista em assuntos judaicos, Adelaide Carrozzo (também conhecida como mãe deste que escreve essas linhas). “Tem coisas muito interessantes na minissérie, como mostram os costumes, como comem, como trabalham” diz, destacando a direção de arte. A preocupação em reproduzir os mínimos detalhes da família nos EUA é realmente notável, e a atuação da protagonista, a israelense Shira Haas, foi elogiadíssima pela crítica.
Falando em Nova York, é lá que começa nossa próxima viagem, mas como ela só aparece no início do filme, vamos logo pular para a hora do… Embarque para Bali (com escalas na Itália e Índia) com:
COMER, REZAR, AMAR
Se você torceu o nariz, pode ir parando por aqui. Brincadeira, pode torcer o nariz e pular pro próximo portão de embarque. Digo isso pois o filme, estrelado por Julia Roberts e participações de Viola Davis, James Franco e Javier Barden, é baseado em um best-seller. E muita gente desdenha de livros campeões de audiência, o que eu acho uma bobagem, mas cada um é cada um. OK, Comer, Rezar, Amar tem uma forte pegada de autoajuda? Tem. Mas eu li e gostei. E me deliciei ainda mais com o filme. A autora da história transposta para as telas é a americana Elizabeth Gilbert, que no estilo autobiografia, mostra a luta por um sentido na vida. No longa, Elizabeth é vivida pela carismática à enésima potência Julia Roberts. Em busca de descobertas, ela resolve ir para Roma (para comer), depois para a Índia (para aprender a meditar) e, claro, como o título já adianta, para Bali. Na ilha ela encontrará o amor próprio? Um namorado? Ambos? Nenhum dos dois? Tudo no filme é clichê. Em Roma, todos gritam e gesticulam. Na Índia, há casamentos festivos, elefantes e caos. Já Bali é retratada como um paraíso na terra, com seus campos verdes, festas animadas e belas praias. Mas fico pensando: os clichês nascem por algum motivo, não é mesmo? Pois digo: amo a parte italiana do filme – como não conheço a Índia e Bali destes locais nada poderei dizer. Roma é pujante, é romântica, é cafajeste, é brega. É antiga, imperial, medieval, barroca. A luz é linda, e isso o filme capta muito bem. Estão lá as vielas do centro histórico, os monumentos, a cor terracota das construções. A cena de Julia Roberts fazendo o pedido ao garçom para o almoço entre amigos é ótima. E de lamber os beiços.
Onde paramos? Bem, o fim do filme é em Bali e de lá é um pulo para o próximo destino. Peguem o cartão de embarque e o passaporte pois agora é hora do…embarque para o Japão com:
FILMES DO ESTÚDIO GHIBLI
Em janeiro, a Netflix causou alvoroço nos admiradores de animações japonesas ao anunciar que colocaria em seu catalogo os filmes do famoso estúdio Ghibli (quase todos, pois Túmulo dos Vagalumes ficou de fora). O grande nome por trás do Ghibli é o animador, roteirista e cineasta japonês Hayao Miyazaki – ele fundou a empresa junto a Isao Takahata, Toshio Suzuki e Yasuyoshi Tokuma. Em 2001, A Viagem de Chihiro, talvez um dos mais famosos da companhia, se tornou o único filme de língua não-inglesa a ganhar o Oscar de melhor animação. Sem querer parecer desrespeitoso com uma cultura que preza justamente pelos bons modos e reverência, confesso que não conheço muito a cultura nipônica contemporânea. E tive vontade de sair do cinema quando fui ver A Viagem de Chihiro, no ano passado, em uma sessão especial de filmes clássicos. Sabe quando você vê algo e não compreende (não, o filme não estava sem legendas)? Foi assim que eu me senti. Então mais uma vez lanço mão de uma enviada especial, a jornalista (e amiga, não necessariamente nesta ordem) Sandra Narita, que tem ascendência japonesa e morou na ilha asiática por um ano. Ela diz: “são animações marcadas por referências à cultura do Japão – com contos folclóricos (O Conto da Princesa Kaguya), mundos fantásticos (A viagem de Chihiro; O Castelo Animado), imaginários infantis (Meu amigo Totoro; Ponyo) e retratos da sociedade japonesa (Meus vizinhos, os Yamadas). As produções do Estúdio Ghibli também costumam trazer reflexões universais com protagonistas femininas, personagens e espíritos da natureza e ritmo de sequências que valorizam a contemplação e a pausa. Reflexões, portanto, pertinentes em tempos de quarentena. E também diversão para todas as idades”. Se ela, que tem propriedade para dizer isso, está afirmando, então o negócio é garantido.
…
América Latina, EUA, Europa, Ásia… Estão sentindo falta de algum lugar? Cadê a África? Será que, assim como acontece em diversos setores, um continente enorme e tão rico em sabedoria será apagado aqui também? Claro que não! Deixei a cereja do bolo para o final. Quantas vezes vocês já foram ao cinema ver um filme de cineastas africanos, mostrando a realidade de um dos seus 54 países? Eu admito que vi poucos. Pois a Netflix (juro que não estou ganhando um centavo para falar bem dela) tem algumas produções interessantes. Para me ajudar nessa parte, pedi outra ajuda especializada. Quem nos guia nessa viagem é a jornalista, produtora e curadora da Mostra de Cinemas Africanos Ana Camila Esteves. A mostra começou em 2018, em Salvador e Porto Alegre, e este ano acontecerá em São Paulo e cidades do litoral e interior (a data ainda não está definida, por conta da pandemia do novo coronavírus). Antes das dicas de Ana Camila, vamos a um prelúdio. A Netflix, conta a jornalista, anda investindo bastante para colocar filmes africanos no seu catálogo. “Além disso, desde o ano passado, está começando a investir em produções originais em países como África do Sul e Nigéria - de fato os dois países com indústrias mais consolidadas no continente, países onde é barato produzir, para as referências da Netflix, e onde a cadeia produtiva local está muito animada para fazer parte da maior rede de streaming do mundo”, afirma. Se por um lado isso garante que mais filmes africanos sejam visto em nível global (“o que acho fundamental e importante”), por outro reduz a produção de cinema do continente a basicamente dois países, o que é bastante negligente, pontua Ana Camila. Ela faz uma nota importante: existe uma série africana na Netflix, a Queen Sono, mas já há outras em produção para estrear esse ano.
Já que falamos nela, vamos começar logo esse…embarque para a África do Sul (com voz de Ana Camila, que aliás vocês não sabem como é, fazendo a chamada) com:
QUEEN SONO
Queen Sono é uma produção deste ano, criada por Kagiso Lediga e estrelada por Pearl Thusi. É a primeira série original da plataforma totalmente africana. A trama gira em torno da personagem que dá nome à série de seis episódios, que tenta descobrir a verdade por trás da morte de sua mãe, uma heroína da luta anti-apartheid da África do Sul. A série foi gravada em diversas cidades do continente africano e também é falada em diferentes idiomas do continente. Brincando com as convenções dos filmes de espionagem, acompanhamos a jornada de Queen Sono em meio a mafiosos, políticos e bandidos de todos os tipos. Outros projetos de séries africanas já confirmados serão lançados pela Netflix, como o drama adolescente Blood & Water e a série animada Mama K’s Team 4. Recentemente, a plataforma divulgou um cast de 14 diretores nigerianos com os quais deve trabalhar nos próximos anos.
Do sul do continente pegamos direção rumo ao norte até pegar o… Embarque para a Nigéria com:
LIONHEART
Lionheart, de 2018, dirigido por Geneviève Nnaji, conta a história de Adeze, uma mulher que trabalha na empresa de transportes do pai, chamada Lionheart. Quando o pai sofre um infarto, ela se prepara para assumir seu lugar, mas é surpreendida com a escolha do tio para o posto, um homem excêntrico e negligente que claramente não é tão preparado como ela. O longa acontece na cidade de Lagos, a maior e mais populosa da Nigéria, o centro econômico do país, e oferece um comentário pertinente sobre o machismo da sociedade nigeriana com tons de comédia e drama. É interessante como no filme temos uma ideia mais abrangente das relações sociais em um país tão complexo, e é possível perder-se nas paisagens urbanas de Lagos construídas a partir dessas relações. Este filme foi o primeiro “original Netflix” que a plataforma comprou para o seu acervo. O longa é dirigido pela Geneviève Nnaji, uma das maiores estrelas do cinema nigeriano, que aqui também atua como protagonista, e teve estreia mundial no Festival Internacional de Cinema de Toronto, em 2018.
Já que estamos na Nigéria, convém esticar um pouco a estadia para conhecer:
APRENDIZ DE MECÂNICO
Ao contrário de Lionheart, aqui neste filme de 2019 a paisagem predominante é o subúrbio de Lagos. Um garoto de família rica é mandado pelo pai para trabalhar em uma oficina mecânica (uma das mais populares atividades laborais na Nigéria) como castigo, e sua convivência com as pessoas que encontra no entorno o ensina sobre como fazer escolhas na vida. Por mais que o enredo gire em torno de uma premissa um pouco piegas, o filme conquista a audiência pela delícia das atuações e dos diálogos, especialmente do protagonista. É um típico filme de Nollywood (indústria de cinema da Nigéria), com foco na espontaneidade dos atores e em mensagens positivas.
Vamos agora para a última parada nessa viagem de volta ao mundo. A direção a seguir é a noroeste! Embarque para Senegal com:
ATLANTIQUE
Ada está de casamento marcado com Omar, mas está apaixonada por Souleimane, um pedreiro que, junto a um grande grupo de trabalhadores, está há meses sem receber o salário de uma grande obra em Dacar, capital do Senegal. A partir da relação de amor proibido entre Ada e Souleimane, a diretora franco-senegalesa Mati Diop constrói uma trama que gira em torno das péssimas condições de trabalho no país, sem abandonar o romance – que aqui ganha contornos do cinema fantástico. Atlantique estreou mundialmente no Festival de Cannes de 2019, onde ganhou o prêmio especial do júri, e foi imediatamente adquirido pela Netflix. O longa tem uma fotografia fabulosa que enaltece as paisagens senegalesas contemporâneas tão cheias de contrastes sociais.
…
Chegamos ao fim da jornada. Espero que tenha sido tão prazeirosa para vocês quanto foi para mim: ver filmes e séries e escrever sobre eles. Que delícia.
E, ei, Netflix, me patrocina!