Nossa paranoia com viajar de avião foi parar na novela — e ficou bem engraçado (e informativo)
A novela Amor de Mãe está um sucesso enorme, mesmo entre aquelas e aqueles que não se dizem noveleiros de plantão. Pois na semana passada, a trama do horário das 21h da Globo escrita por Manuela Dias — autora também de Justiça (2016), seriado indicado a duas categorias do Emmy internacional — brindou os telespectadores, sobretudo aqueles que têm pânico de voar, com uma cena engraçadíssima. O melhor mesmo é ver os vídeos, mas me permito fazer alguns comentários, pois a personagem de Regina Casé, que no caso fará sua primeira viagem de avião, toca em assuntos muito recorrentes em quem tem aerofobia — mesmo entre aqueles que já têm milhões de milhas acumuladas. Ela faz inúmeras perguntas para a aeromoça, que com todo profissionalismo (prêmio "funcionaria do mês" pra essa moça!) responde tudinho. A própria autora disse que toda a situação foi bastante autobiográfica (sinto “panicada”no ar).
Antes de mais nada, é bom dar uma situada na história. Lurdes, personagem de Regina Casé, é de Malaquitas, cidade fictícia no Rio Grande do Norte. Ela deu à luz a quatro filhos, mas acontece que Jandir (Daniel Ribeiro), seu marido e pai das crianças, vendeu o pequeno Domênico aos dois anos para uma traficante de pessoas do Rio de Janeiro. E foi assim que Lurdes e os filhos pegaram a estrada em direção à cidade maravilhosa em busca de reunir a família. Já se passaram mais de 25 anos e ela nunca mais teve contato com a família que deixou para trás no Nordeste, principalmente com a mãe, que nunca soube o paradeiro da filha.
E agora Lurdes retorna a Malaquitas, mas antes causa a maior confusão na aeronave, para nosso deleite. Ela viaja na companhia da filha Camila (Jéssica Ellen), que tenta colocar a mãe nos eixos, sem muito sucesso.
Antes de mais nada, é preciso uma salva de palmas para o sensível roteiro, já conhecido por quem acompanha Amor de Mãe. Teria sido muito fácil resvalar a cena em preconceitos, como a da "nordestina ignorante” que voa pela primeira vez. Na fala de Regina, entretanto, estão presentes medos comuns dos aerofóbicos, independente de classe social, origem ou raça. Nós do rivotravel acreditamos que voar é (ou deveria ser, visto que os preços estão proibitivos) um direito de todos, de empregadas domésticas a socialites, da Disneylândia a Mossoró, e que aeroporto com pessoas pobres não parecem rodoviárias, e sim espaços de chegadas e partidas, de abraços e choros (de tristeza ou de felicidade) — e lágrima não tem distinção social.
Mas chega de “statement”! Vamos lá, analisar essa cena sublime? Mas antes sugiro a vocês que assistam ao vídeo e depois leiam meus comentários, tá bom? Assim, vai ser bem mais engraçado e fazer mais sentido. A cena pode ser vista pelo Globoplay, sem precisar ser assinante ou fazer cadastro. É só clicar nos botões abaixo (a cena está dividida em duas partes):
O rivotravel comenta a cena
Essa é uma dúvida muito frequente entre os que têm medo de voar. A verdade é: as empresas brasileiras dão muita atenção nesse quesito. Em 2016, a Azul investiu R$ 210 milhões na criação de dois centros de manutenção. E em dezembro passado, a Gol anunciou uma nova unidade de negócios, especializada em manutenção, reparos, revisões de aeronaves e componentes: a Gol Aerotech. Ou seja, panicadas, panicados e Lurdes: estamos seguras e seguros!
Muita gente se pergunta: será que o tanque “ tá cheio”? Esse é um assunto beeeeem complexo (que o maravilhoso Lito, do Aviões e Músicas, tenta explicar aqui). Mas, basicamente, quando um avião decola, ele leva, obviamente, combustível de aviação suficiente para fazer com que todos cheguem até o destino previsto. Além disso, carrega nos tanques um excedente bem generoso que permite, caso o pouso não seja possível no destino, que todos possam ser levados em segurança até uma pista alternativa em alguma cidade próxima. As panicadas e panicados mais atentos se recordam que o rivotravel já escreveu aqui sobre onde estão os assentos mais seguros em caso de acidentes, e isto tem a ver com onde no avião está armazenado o combustível… Tal matéria dá uma pequena dica para os mais afoitos e desesperados (tipo eu), mas lembrando que o mais provável é que nunca nenhum de nós passe por qualquer tipo de revés durante um voo, pois eles estão cada vez mais seguros, ano após ano (que isso entre de vez nas nossas cabeças, não é mesmo?).
Segundo a NTSB (National Transportation Safety Board), o fenômeno da turbulência se apresenta, estatisticamente, como a principal causa de lesões de maior gravidade em passageiros e tripulações, em comparação a qualquer outra classe de acidente. Isso é citado pelo piloto Ivan Fiuza de Mello em texto publicado no site da Agência Nacional de Aviação Civíl (ANAC). Mas caaaaaaaalma, dona Lurdes, calma leitoras e leitores, não estamos falando de queda de aeronaves. Turbulência não derruba avião, e já contamos isso aqui no rivotravel. O que acontece é que muitas áreas de turbulência não podem ser previamente localizadas e quem está sem cinto de segurança é literalmente arremessado pro teto! Por isso, sigam sempre as instruções de atar os cintos quando estiverem sentados.
A rigor, segue o piloto Ivan, o conceito de turbulência pode ser descrito como um movimento ou distúrbio atmosférico que se caracteriza pela mudança da direção e da velocidade do vento, resultante das variações de pressão e temperatura que ocorrem em uma massa de ar. O conceito pode também ser aplicado quando se ocorre uma alteração na velocidade e na direção de deslocamento de uma corrente de ar por conta da presença de barreiras naturais, como montanhas, ou artificiais, como prédios.
Complicado, né? Como o assunto desperta muita curiosidade, continuemos, de uma forma mais palatável. Segundo o site Todos a Bordo, do UOL, “na maioria dos casos, os radares meteorológicos do avião conseguem prever com certa antecedência que a aeronave entrará em uma zona de turbulência. Dependendo da intensidade, o piloto pode até mesmo desviar o caminho. Em outras situações, no entanto, a turbulência surge de maneira inesperada”. Ainda segundo o blog, a turbulência de céu claro é a mais imprevisível de todas e não pode ser vista nem mesmo pelos radares meteorológicos dos aviões. Em altitudes elevadas, existem as chamadas correntes de jato. São grandes corredores de vento que atingem velocidades acima dos 100 km/h. Quando o avião é atingido por uma dessas correntes, sofre forte turbulência. Elas são mais intensas no inverno e sobre os continentes. Por isso, mesmo com o céu limpo, é recomendado estar sempre com o cinto de segurança. E em caso de tempestades, dentre outros fenômenos naturais? O rivotravel já escreveu sobre isso aqui também.
Apesar de meter medo em muita gente (eu!), voar é muito seguro. "Digamos que se uma pessoa voasse todos os dias, experimentaria um acidente catastrófico em algum momento dentro dos próximos 2,7 mil anos", afirmou à BBC Brasil em 2017 Perry Flint, o porta-voz da IATA ( Associação Internacional de Transporte Aéreo). E aí, cara panicada, caro panicado, deu pra convencer ou é preciso continuar? Lembrando que acidente catastrófico não significa acidente que ninguém saiu vivo, ainda tem essa. Ou seja, se Cristo ainda fosse vivo e voasse na GalileiAir ou na Judeia Airlines diariamente, ele provavelmente ainda estaria vivo. Malditos Romanos!
Sim! Os comissários de bordo não estão ali apenas para servir água e refrigerante. Eles têm a função de orientar os passageiros — e isso inclui tirar dúvidas. Pergunte tudo que quiser (com calma, na medida do possível) e a tripulação terá prazer em responder. Mas perguntas que eles possam responder, tá? Perguntar coisas absurdas não dá! Eles não têm como saber qual a balada mais fervida de Buenos Aires, o preço médio do drink no Cairo ou como anda a segurança pública em Porto Alegre. Eles também estão preparados para lidar com pessoas com medo de voar, portanto todos estão em boas mãos!
Essa é uma excelente dúvida, Lurdes. E é como a própria aeromoça-atriz respondeu: “a senhora pode estar buscando seu assento que vamos passar as instruções em caso de emergência”). E uma das tais instruções é: localize a saída de emergência mais próxima. Pode parecer brincadeira, mas muitas passageiras e passageiros ignoram os pobres comissários e não prestam atenção a isso. Assim, em caso se um acidente (toc toc toc na madeira), sabendo onde é a saída mais perto, você saberá para onde correr.
O professor Ed Galea, da Universidade de Greenwich, em Londres, liderou um estudo que analisou 105 acidentes aéreos e ouviu relatos de mais de 2 mil sobreviventes. Ele acredita que estar preparado para uma emergência pode fazer a diferença entre a vida e a morte, disse o professor a BBC. "A ideia de que se houver um acidente todos vão morrer vem do fato de que a mídia só nos bombardeia com tragédias e não com as histórias bem-sucedidas", afirma Galea (Nota do rivotravel: por isso evitamos entulhar o site com notícias de acidentes). Galea continua: "Isso é muito perigoso porque faz com as que as pessoas desistam de tomar medidas que podem aumentar suas chances de sobrevivência no caso de um acidente". Uma dica: conte quantas fileiras de assentos te separam das saídas de emergência. Assim, em uma situação de baixa visibilidade, você poderá se situar. Ele continua: “Prestar atenção às instruções de emergências e se lembrar de como desafivelar o cinto de segurança são outros cuidados básicos. Quando estão nervosas, as pessoas tendem a achar que os cintos de segurança dos aviões funcionam como os dos carros e tentam apertar um botão que não existe", diz ele. Ed Galea aconselha também que famílias viajem sempre juntas. No momento do acidente, o mais comum é que as pessoas tentem reunir os familiares antes de sair do avião, o que pode fazer com que eles fiquem para trás ou tentem ir contra o fluxo dos demais passageiros.
E as companhias aéreas bem que tentam chamar a atenção das passageiras e passageiros com videos de instruções cada vez mais criativos. O rivotravel já escreveu sobre algum deles aqui.
Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência, não é mesmo? Pois isso de Lurdes pedir comida pro passageiro vizinho me fez lembrar de um caso real meu, já relatado aqui no site em um Doses Curtas!
Na verdade, Lurdes, tem sim. Primeiro, o piloto pode ter feito a tal curva para evitar uma zona de turbulência e assim tornar o voo mais tranquilo, como explicamos lá em cima. Sobre as tais “ ruas”, quem explica isso é o blog Sobrevoo, de Departamento do Controle do Espaço Aéreo (DECEA), ligado ao Ministério da Defesa. “Camuflados (os aviões) pelas nuvens, na maioria das vezes, percorrem traçados difusos no espaço. Sobrevoam o céu em rodovias virtuais que se entrelaçam num complexo de teias hermeticamente coordenadas, por onde cruzam itinerários aéreos extremamente precisos. São as chamadas aerovias. Rotas sobre as quais objetos mais pesados que o ar riscam o espaço aéreo diariamente. As aerovias são traçadas de modo a permitir que o piloto, através de seu equipamento de navegação, consiga navegar com segurança e precisão. São rotas aéreas que interligam certas posições pré-estabelecidas no mapa (referentes a instrumentos no solo ou coordenadas criadas para orientação, os chamados fixos) com altitudes e direções e larguras variadas. Ou seja, muito mais do que uma simples reta, é um espaço com um volume considerável (...). Assim, com devida licença às asas da imaginação, pensemos numa aerovia como um muro que começa no meio do céu, formado por tubos empilhados verticalmente, dentro dos quais voariam as aeronaves (pensa que é fácil descrever o invisível?). Pois assim é no mundo inteiro”.
Kkkkk, mulher, pelo amor de Deus! Já passei por uma situação parecida e a sensação que tive foi a oposta: me senti mais seguro. Claro que isso varia de pessoa pra pessoa. A verdade é que a fé e religiões de modo geral podem desempenhar um papel de conforto para quem tem pânico de voar — e é sobre isso que esta matéria do rivotravel aqui aborda — fora o infame caso da viagem com uma santa ENORME embarcada, “sentada” candidamente na poltrona.
E não é que a Lurdes fez uma boa viagem? Depois de nos divertir com essas cenas hilárias dentro do avião, só nos resta desejá-la boa sorte na busca pelo seu filho perdido. Mais e mais voos pra ela e pra todos nós (sem turbulências, por favor).