Fim de um “sonho”: conflito Rússia x Ucrânia destrói maior avião do mundo — ficam os maravilhosos vídeos, para nossa alegria
Uma notícia atingiu o mundo na tarde do último domingo, 27 de fevereiro. O maior avião do mundo, o Antonov AN—225, também chamado de Mriya (sonho ou inspiração em ucraniano) foi destruído durante ataque de tropas russas ao aeroporto de Gostomel, um dos que servem a capital da Ucrânia, Kiev. O país do leste europeu está atualmente sendo alvo de forte incursão militar da Rússia, com um grande número de mortes que não para de subir. E a notícia atinge em cheio alguns panicados e panicadas (eu, inclusive) que são apaixonados pelos vídeos do colossal cargueiro mostrando o pouso, decolagem e voo desse verdadeiro gigante dos ares (veja compilação de alguns deles no fim desta matéria).
Rumores na internet durante a última semanas tentavam tranquilizar os amantes da aviação. Segundo eles, o 225 estaria a salvo. O avião era considerado o maior avião do mundo, com peso máximo de decolagem de quase 640 toneladas. Tal designação é usada para definir o peso da aeronave (sua estrutura) somado aos pesos do combustível usado no abastecimento e o da carga transportada. Isso fazia o 225 estar acima do Airbus A380, por exemplo, só para comparar com outro aparelho que também leva um incrível volume de carga e cujo peso máximo de decolagem orbita em torno das 572 toneladas. O Airbus A380, ao contrário do Mriya, possui versão de passageiros e conta com diversas unidades ainda voando pelo mundo, ao contrário do modelo ucraniano, que era único — o que torna a sua destruição ainda mais irreparável.
O AN—225 tinha um total de 32 pneus (quatro no trem de pouso dianteiro e os demais no principal, no centro da fuselagem). Além disso, possuía seis motores, distribuídos em três em cada asa, para fazer com que a imensa estrutura saísse do chão (o A380 tem dois a menos). Ele tinha 84 metros de comprimento por 88 metros de envergadura, que é a distância da ponta de uma asa à outra. Voava a 800 quilômetros por hora, patamar similar ao alcançado por jatos como Airbus e Boeing.
Com tantos números superlativos, o avião da Antonov era o escolhido em diversas operações de transporte de cargas para empresas internacionais. Em 2016, ele esteve no Brasil, onde operou nos aeroportos de Guarulhos e Viracopos, ambos no Estado de São Paulo. Ele veio com a missão de levar um gerador de 150 toneladas (e outras 30 toneladas em equipamentos diversos) para o Chile.
Uma segunda unidade do 225, porém “pela metade”, ocupa um hangar na sede da empresa ucraniana. O “esqueleto” também foi construído na década de 1980, simultaneamente ao 225 que foi destruído pelos russos, mas nunca chegou a ser finalizado. Alguns boatos rodaram o mundo no início desta semana, segundo os quais esse “segundo irmão” seria concluído, após o triste fim do sonho ucraniano. Porém o presidente da Antonov, Aleksandr Donets, deu depoimentos à imprensa que foram um balde d’água fria nos amantes da aviação: a finalização desta segunda unidade não está, por enquanto, nos planos da companhia. Segundo Donets, o projeto, de quatro décadas, está ultrapassado e necessitaria de grandes modificações (e isso significa muito dinheiro) para tirar o novo avião do solo.
O Mriya foi desenvolvido em plena Guerra Fria a pedido de Moscou (vale lembrar que na época existia a União Soviética (URSS) que englobava diversas nações do leste europeu e Ásia, dentre elas a Ucrânia). O surgimento do gigante cargueiro era necessário para o transporte das peças do Buran, o ônibus espacial soviético, e que estavam sendo produzidas em diversas áreas do país. Detalhe: o Buran chegou a ser transportado pelo AN—225, mas do lado de cima, acoplado ao teto do Mriya, cujo primeiro voo ocorreu no final de 1988, como é possível ver na imagem abaixo. É possível ver a pintura antiga do cargueiro, com fuselagem pintada totalmente com a cor branca. A monocromia era quebrada por uma fina faixa vermelha, cor da bandeira da União Soviética. A pintura atual ainda mantinha o branco como base, mas o vermelho soviético, com o fim do bloco, cedeu espaço para detalhes em azul e amarelo, cores nacionais da Ucrânia.
Com o término do programa espacial da então extinta URSS, o Mriya deixou de voar em 1994, mas após um período de modernização, voltou aos céus em toda sua pompa e glória em 2001, desta vez operando não mais conforme ditava Moscou, mas sim para companhias privadas. O AN—225 está no Guiness, o livro dos recordes, em várias categorias, dentre elas a de transporte de item mais pesado (um gerador de energia de quase 188 toneladas, em 2009).
Para a posteridade ficam os milhares de vídeos do AN—225 que abundam na internet. Eu amava (ué, amo ainda) ver imagens captadas por cinegrafistas ao redor do mundo mostrando o emblemático Antonov em diversas etapas do voo, do pouso à decolagem — momentos nos quais ele brilhava demais. E não sou o único panicado com essa paixão ucraniana. “Tenho aerofobia desde criança, mas contraditoriamente sempre fui fascinada pela beleza das aeronaves e de que elas podem nos levar para qualquer lugar do mundo. Eu gosto de ler sites e ver canais de aviação civil e os vídeos dos aviões Antonov são incríveis, pelo fato de ver toda a engenharia utilizada e a perícia da tripulação com uma aeronave tão grande”, conta a fonoaudióloga Maria da Soledade Rolim. Quem também curte ver o AN—225 em ação é a empresária Cynthia Isabelle. “Sobre o Mriya, é inacreditável que havia um avião com quase cem metros de largura por quase cem metros de comprimento e que tinha a capacidade de voar com até 250 toneladas de carga (além do peso dele!). Quem não fica “de cara” em ver um prédio de seis andares (o equivalente a uma altura de 18 metros) decolando? Os vídeos são assustadores e hipnotizantes porque você fica na expectativa de “esse negócio vai cair, vai dar ruim” e ele decola com uma elegância e leveza incríveis”, atesta a empresária.
Maria da Soledade afirma que recebeu com tristeza a notícia, “primeiro pela guerra que já provoca tantas mortes e caos, ainda mais quando a humanidade ainda está em um momento de pandemia”, diz. Ela lembra ainda que o Antonov representava uma realização que ajudava o comércio e o desenvolvimento coletivo, com as suas grandes dimensões era capaz de transportar cargas imensas em um curto espaço de tempo. No início da pandemia, cita Maria, ele transportou um grande volume de material médico-hospitalar.
E será que as panicadas entrevistadas pelo rivotravel toparia um hipotético convite para voar no Mriya — convite este que, com a destruição do cargueiro, se torna ainda mais irreal? “Sim, o meu pânico de voar diminui com aeronaves maiores, fico mais panicada nos aviões de pequeno porte, turboélice nem pensar”, diz Maria da Soledade (será que ela já leu a matéria dos turboélices que já fizemos aqui?). Já Cynthia vai na direção contrária. “Se eu pudesse escolher eu não voaria nele, não! Preferiria ir a pé! Mas, se eu não tivesse opção, sóbria e lúcida eu não entraria nele. E ainda ficaria tendo crises de ansiedade nos dias anteriores à viagem”, hipotetiza a empresária.
Eu? Eu fico no meio do caminho. Optaria por não voar em um avião projetado 40 anos atrás. E, assim como a panicada Cynthia, não entraria nele sóbrio e lúcido. Mas uma vez lá dentro, em voo (odeio decolagens, odeio…), tentaria aproveitar. Quem sabe umas fotos, enquadrando os três motores sob a asa? Ou uma foto em solo, deitado bem lânguido sobre a enorme fileira de pneus?
Um sonho. Ou, melhor dizendo: Mriya.
E, se como diz o clichê, os sonhos não morrem, seguem abaixo alguns vídeos com belos momentos do gigante ucraniano:
Apresentando o mriya
Bela aproximação
Detalhes impressionantes da decolagem
Pouso em Campinas (SP)
Dentro da Cabine
Que descanse em paz, guerreiro.