Evitando voar: relatos de quem trocou o avião pela estrada por conta do medo

Quem não sofre de aerofobia não sabe quão ruim é voar. Pois quem é panicado ou panicada certamente já pensou: “deveria ter ido pela estrada”. E tem muita gente que faz isso mesmo, como o caso do representante comercial Menotti Filho, que saiu de dentro do avião em Maceió e voltou para casa, em São Paulo, de ônibus.

 
 

Algumas pessoas desistem com um pouco mais de antecedência. A farmacêutica Bruna Quites mora na região metropolitana de Belo Horizonte e, em 2019, programou uma viagem com o marido para Caldas Novas, destino turístico de Goiás conhecido pelas fontes de águas termais. “Porém com um mês faltando para a data cancelei o voo e convenci meu marido a ir de carro com a desculpa de que a paisagem deveria ser linda”, conta Bruna. No dia da viagem, saíram de casa às 3h e chegaram no destino às 15h, sendo que o voo teria um duração média de uma hora. Mas nada pagou a paz da panicada. Convencer o marido, que gosta de dirigir, foi fácil. O grande problema foi a estrada, conta. Eles pegaram a BR 040 que tem fama de ser perigosa. É ela quem liga Minas a Goiás. “A paisagem realmente era bonita principalmente na região de Três Marias (MG) e quando chegamos em Goiás, onde tinha muitas plantações à beira das estradas a perder de vista”, relembra, acrescentando que sempre gostou de viajar de carro pois vão com calma, fazendo muitas paradas para lanchar (“essa é a melhor parte”) e com tempo de sobra para conversar bastante.

Mas acham que aventura acabou aí? Pois quando estava tudo lindo em Caldas Novas. Um dia ela passou mal (crise de cálculo renal) e teve que ser operada às pressas. Ficou internada por três dias e a orientação médica era que a volta deveria ser de avião — o trajeto de carro iria causar grande desconforto por conta de um cateter nos rins. “O que eu fiz? Pedi ao médico prescrição de analgésicos fortes e voltei de carro. Dopada e com fralda”, relata. Na vida da panicada, vale tudo para evitar os céus. E ela tem experiências bem traumáticas. Uma vez foi a São Paulo para um curso, depois de desmarcar inúmeras vezes. Na hora de voltar, aquele sofrimento. Pois não é que, depois de embarcar, começa um atraso? Quinze minutos, meia hora, uma hora. Aí o piloto anuncia que a caixa preta estava com problemas e que os passageiros deveriam desembarcar para pegar outro avião. “Aí já era. Surtei, chorei, entrei em pânico. Fiz um show. Liguei para minha mãe aos prantos falando que iria voltar de ônibus. Até que meus colegas conseguiram me tranquilizar e com muito jeitinho conseguiram me colocar dentro do outro avião”, explica.

Nota do rivotravel: avião com problema na caixa preta é tenso demais, não é mesmo?

 

Bruna e marido em Caldas Novas (GO)

 

E se o Brasil fosse todo interligado de trens? “Nossa, com certeza seria maravilhoso! Só de pensar na possibilidade de conhecer novos Estados e lugares sem a necessidade de pisar em um avião é um alívio”, afirma Bruna Quites. De onde mora (região metropolitana de Belo Horizonte) a única opção é ir para Vitória (ES) de trem. “Ainda não fiz essa viagem, mas conheço várias pessoas que já fizeram e elogiaram bastante. O trem é super confortável, tem lanchonete e a paisagem segundo eles é linda”, conta a farmacêutica.

De uma panicada para outra. Quem só pega avião quando não tem outro jeito é a médica radiologista Francine Mureb — e que inventou um meio maravilhoso de se deslocar com a família, como veremos logo mais. Antes é preciso falar um pouco do medo de Francine, que já chegou a desistir de uma viagem para um congresso no Chile. No país andino, ela e o pai iam apresentar um trabalho. Dois dias antes da viagem, não conseguiu sequer começar a fazer a mala. “Minha filha era pequena, e pensar que poderia acontecer alguma coisa no avião, simplesmente me paralisou e não fui apresentar meu trabalho”, afirma. O pai a representou no encontro científico. E de última hora, ela conseguiu que o tio, também médico, fosse com ele na viagem.

Se não tem jeito de evitar as aeronaves, a médica apela para o bom e velho remedinho que inspirou o nome deste site. “Quando estou lá em cima, sempre converso com os comissários para tentar me acalmar. E depois que decolou não tem mais jeito, agora é ‘seja o que Deus quiser’. Mas não falta vontade de sair gritando do avião antes de decolar”.

Eis que veio a pandemia e o medo da contaminação dentro dos aviões, assunto já abordado aqui. O que Francine, muito inventiva, fez? Ela conta que mergulhou no mundo do motorhome. Trocou o carro por uma van e montou uma casa nela, conta a médica. Em tempo: motorhomes são “carros-casas”. É como um grande veículo com a “parte da direção” na frente e, logo atrás, um pequeno espaço de convivência, com tudo que um lar tem direito. “Construi do zero, corri atrás de documentação, o que era permitido fazer, como fazer, que tipo de van poderia montar. Me informei muito, aprendi sobre hidráulica, elétrica, mecânica. Ainda não fizemos viagem longa. Mas as crianças adoram. É um novo estilo de viagem para elas, curtimos muito mais natureza juntos. A vantagem é que conseguimos ir para lugares mais distantes com as crianças e levamos nossa casinha junto. A aventura acontece durante toda a viagem, não somente quando chegamos no nosso destino. É fazer valer cada segundo. Estar perto das crianças, ensinar outros valores, não tem preço”, detalha Francine.

 

Francine e família no motorhome

 

Outra fã das estradas é a relações públicas Renata Manttovanni. Em 2008, em uma viagem internacional, o avião deu aquela temida “queda” que dura alguns segundos, mas que parecem uma eternidade. “A partir daí começou minha guerra interna. Três anos depois minha família me convenceu a ir para Fortaleza. Tomei calmante, Dramin, mas quando o voo fez conexão em Salvador eu queria descer e voltar de ônibus. Minha família não me deixou descer do avião. Estava meio sonolenta e mesmo assim queria descer”, conta Renata, que juntou forças e coragem e seguiu pelo ar para a capital cearense.

A relações públicas já fez algumas “loucuras”. Uma vez foi de Londrina (PR), onde mora, para Cuiabá (MT) de ônibus, Foram 24 horas para ir e mais 24 horas para voltar — detalhe, ela só ficou dois dias em Cuiabá. Iam parando em lugares onde não tinha o que comprar para comer de tão precários. Outra viagem rodoviária assim parecida durou 17h, voltando de Dourados (MS) para Londrina, com adrenalina lá em cima. “Ônibus velho, estrada de terra, ônibus quebrou no meio do nada, ficou sem freio, motorista correndo. E meu cérebro ainda acha que isso era mais seguro. Tudo para não subir em um avião”, conta. Em 2019, estava com uma passagem aérea já comprada para São Paulo, mas desistiu na véspera. E foi de ônibus. “Adoro ônibus! Por mim podia ter ônibus que ligasse o mundo todo”, diz.

Renata trabalha com evento e tem que viajar muito. Algumas vezes as pessoas com quem ela trabalha vão juntas à panicada de ônibus. Em outras ocasiões, elas vão de avião e Renata vai por terra, encontrando os colegas no destino”. E como ela se sente com isso tudo? Uma vez que ela desistiu de ir de avião e fazer o trajeto de ônibus, passou dez dias em um conflito interno, o famoso “vou conseguir versus não vou conseguir”. “E isso estava me torturando. Quando cheguei para o cliente e falei que ia de ônibus foi um alivio, mas ao mesmo tempo me senti vencida pela minha mente”, relata. A batalha é constante. Este ano ela tem uma viagem longa programada, a passeio, para Cancún (México). “Procurei ajuda e estou tomando medicação. Isso ajudou um pouco, mas só vou saber quando chegar a hora”, diz.

Todo apoio às três panicadas!

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