Doses curtas #08
Ainda bem que eu sei uma coisa ou outra sobre avião, pois vou te contar... Certa vez, cheguei cedinho no aeroporto de Salvador, para pegar um avião da LATAM rumo ao Galeão, no Rio de Janeiro. Aquela luz da manhã, amarela, clarinha angelical, inundando tudo, o saguão, a sala de embarque, o interior da aeronave. Uma dúvida: isso é para relaxar ou para pensar que a atmosfera celestial é um prenúncio para estar ao lado de Deus, bem mortinho? Enfim. Embarquei, sentei, orei. Aí veio o aviso do piloto: “Blá, blá, blá, o tempo de voo será tal etc". E aí chegou a informação desestabilizadora. “Por conta de obras de recuperação do asfalto, vamos decolar com metade da pista”.
Você jura, camarada? Você realmente precisava passar essa informação? Por que alguém precisaria ter conhecimento disso para um voo tranquilo? Será que é obrigação dele falar isso? Acordo do sindicato dos comandantes? Será que ele era sádico e queria ver o pavor estampado na cara das panicadas e panicados — e até mesmo no rosto de quem não tem medo de voar? Afinal, creio que essa notícia não deve ser boa para ninguém, não é mesmo?
Why, God? Why?
Graças a Jah que eu sei que cada avião precisa de um determinado tamanho de pista para decolar e pousar. O cálculo leva em conta diversos dados, como peso total do avião (já com passageiros, bagagens e carga), e outros bem específicos, como temperatura do ar no local, altitude do aeroporto etc. Ou seja, era só ter fé nos pilotos, que eles tinham computado tudo direitinho e visto que aquele tamanho de pista disponível era suficiente para sair da parada total e alcançar a velocidade mínima necessária para sair do solo. Mas e a aflição que fica no coração do panicado? Quando deu aquele VRUMMMMMM dos motores em potência máxima e o avião começou a rodar, eu só conseguia pensar: “que tenha distância suficiente, que tenha distância suficiente…”.
Deu certo. Estou vivo aqui, escrevendo essas palavras. Obrigado, tecnologia. Mas vamos combinar uma coisa? Da próxima vez, poupem os passageiros de certos detalhes do voo.
Mais uma da série “anúncios desnecessários do comandante”. Entrei nervoso no avião, claro. Qual a novidade disso? Nenhuma. Sentei na janelinha, coisa que não costumo fazer, mas estava medicado demais para me opor e pedir um assento no corredor. O avião (um Airbus da TAP Air Portugal) decolou de Lisboa e claro que eu quase morri, como sempre ocorre quando a aeronave desgruda do solo. Eis que a adrenalina começou a baixar em mim e cogitei desmaiar de vez para “aproveitar o voo” (ou seja, apagar totalmente). Mas não. Not today, Satan. O piloto resolveu anunciar aquelas informações de praxe, usando o sistema de som de altíssima qualidade (contém muita ironia). Duração do voo, temperatura externa (não sei qual a utilidade disso, mas vá lá), que o serviço de bordo ia começar a ser servido em instantes e que o avião faria um pequeno desvio para evitar um ciclone.
Um.
Pequeno.
Desvio.
Ciclone.
Vejam bem, nem sei se tem ciclone no Atlântico. Achava que isso era coisa do Caribe ou da Ásia. Aliás, não sei se a palavra que ele usou foi ciclone. Pode ter sido furacão. Será que foi furacão? Enfim, isso não é importante. O que vale mesmo é que ele avisou que íamos dar uma voltinha pra contornar na beirada uma fúria incontrolável da natureza, a mesma que leva destruição por onde passa. Isso tudo dentro de uma lata de sardinha de várias toneladas. A doze quilômetros de altitude. Distante de qualquer aeroporto.
Qual a necessidade disso? Pergunta seríssima, de verdade. Até hoje desconheço a motivação. Custava dar a tal voltinha, evitar o olho do tufão e ficar de boa, sem compartilhar o segredinho com ninguém? Sim, é claro que a partir daquele aviso eu fiquei com o rosto colado na telinha da TV de bordo, acompanhando cada milimetro avançado pelo aviãozinho digital no mapa e cogitando se o perigo já tinha ficado para trás ou não.
E vocês acham que o piloto deu algum aviso tranquilizador aos passageiros depois de deixar o tufão-furacão-ciclone-seja-lá-o-que-for pra trás? Que nada! Voei até Salvador cagado de medo, achando que todo tremelique que o avião fazia era porque estávamos no olho da tempestade.
Já que falei aí em cima de decolagens e voos com altas confusões, hora de falar de um pouso pra lá de tenso. Verão californiano, aquele céu azul lindo. Eu em um modesto Boeing 737 da Aeroméxico que partiu da Cidade do México em direção a São Francisco. Tudo corria “bem” (se é que é possível estar realmente bem em um avião). Ao meu lado, um adolescente argentino com quem eu, grogue, tentei trocar duas palavras no meu espanhol perfeito (risos) aprimorado em minha longa estadia de oito horas na capital mexicana, sendo que a maior parte do tempo foi passada dormindo, babando, na cama do quarto de hotel oferecido pela companhia. Voo se preparando para pousar, e eu já alegre, pois pouso significa fim do martírio — costumo ficar muito animado nessa fase da viagem. Eu no corredor, na penúltima fileira, meu lugar mágico para voar. Aí quando já está na aproximação final, minutos antes do toque no solo, caí na bobeira de olhar pela janelinha. O que vejo? Um e-nor-me 777 da United ao lado, em trajetória paralela! Ele estava surrealmente perto. Sim, eu já sabia que os principais aeroportos do mundo têm duas ou mais pistas e que elas tem uma separação que permite operações simultâneas com segurança. Mas nunca tinha passado pela experiência de pousar com um majestoso avião do lado. Era um singelo 737 contra um bichão enorme (o 777). E se algo desse errado? Se batesse um ventinho maroto? Sim, sei que só um furacão (de repente o furacão da história lá de cima…) jogaria um avião contra o outro, mas vai saber. Jesus, Mary, Joseph, eles pareciam tão perto. E estavam perfeitamente sincronizados, quando um tocou o asfalto, o outro tocou também. Será que os controladores de voo não poderiam intercalar? Pousa um primeiro, para, respira, aí pousa o outro? Precisa desse frenesi?
Olha, o coração de um panicado sofre, viu?