Amo aviação, mas odeio voar: histórias arrepiantes com altos e baixos
É possível amar e odiar algo ao mesmo tempo? É claro que sim. Eu mesmo sou um caso clássico: adoro aviação (como já contei aqui), mas morro de medo de voar, sempre que vou pegar um voo praguejo horrores. E é o caso de três panicadas que entrevistei para essa matéria do rivotravel. Prepara as emoções que vêm histórias boas por aí, com direito a tatuagem de avião e tudo!
Vamos começar pela bancária Sarah Donato, que é filha de um piloto comercial aposentado da extinta Transbrasil. Ela conta que, na infância, um dos passeios preferidos da família era justamente ir ao aeroporto e ao antigo mirante do terminal de Brasília, visitar os hangares e o Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (Cindacta). “Toda a temática me apaixonava. Chegava a me fantasiar de comissária de bordo, brincar com tíquetes de passagem. Um avião nunca vai passar despercebido por mim. Um barulho no céu, uma luz piscando. Eu sempre vou olhar, refletir e me emocionar. Mesmo que por segundos, uma vida inteira vai passar pela minha cabeça”, relata a bancária, que teve a oportunidade de, pequena, ver o pai em ação durante o pouso, sentadinha em um assento especial na cabine de comando (hoje em dia não seria permitido).
Tudo lindo, céu azul de brigadeiro, não é? Mas espera que já vem “turbulência” na história de Sarah.
Mas antes vamos conhecer um pouco da administradora Paula Gadioli. Ela sempre gostou de observar o céu. Paula pode ficar horas admirando uma nuvem, um pôr do sol, um arco íris… A paixão pela aviação começou quando era criança ainda. O pai colecionava aviõezinhos e quando adolescente ela queria ser comissária. Na primeira vez que viajou de avião ficou muito feliz porque era mágico “estar no céu”. “E a cada nova viagem sentia uma sensação muito boa, um friozinho na barriga, era empolgação pura! Até hoje quando vejo um avião passando, paro o que estou fazendo só para vê-lo. Acho lindo demais aquela máquina voando pelos ares”. Fofo, né? Pois vem drama por aí.
E o que dizer de Ana Carolina da Silva, que trabalha com vendas internas em uma distribuidora de componentes eletrônicos? Ela é a dona da tatuagem do avião! Ana sempre relacionou aviões a momentos felizes, pois são eles que a fazem chegar aos lugares que sempre sonhou ir e realizar viagens incríveis, onde pudesse conhecer pessoas, culturas e paisagens únicas. “(Além de) proporcionar a conexão mundial, aproximando pessoas e transportando insumos indispensáveis para a sobrevivência humana”. Nada poderia dar errado nessa história de amor gravada na pele, não é mesmo? Mas deu. Para as três atuais panicadas (quatro comigo).
Pois o pavor de Sarah, Paula e Ana começou de forma similar, após enfrentarem situações de turbulência.
A aerofobia de Sarah começou em dezembro de 2016, logo após a tragédia com o time da Chapecoense. O início do medo foi em uma viagem de fim de ano, na qual ela foi passar o Natal em Pato Branco, no sudoeste paranaense. Saiu de Brasília com destino a Chapecó, com uma escala em São Paulo (Guarulhos). O voo ocorreu cerca de dois meses depois do acidente com a aeronave do time de futebol. O primeiro trecho foi um sonho, ela conta. Voo rápido e tranquilo. “Vale lembrar que, até então, eu adorava voos com conexão porque amava circular e conhecer aeroportos. Além do mais, dois pousos e duas decolagens em um único dia era uma coisa muito legal. Sério! Curtia sentar na janela, na saída de emergência, sentar sobre a asa pra ficar observando. Coisas que hoje em dia evito ao máximo”, conta.
O segundo voo, justamente para Chapecó (cidade da Chapecoense), foi aterrorizante. Uma forte turbulência fez todo mundo gritar, gente dizendo que ia morrer, um pandemônio. A atmosfera caótica tomou conta do avião. Depois que desligaram o aviso de atar os cintos, dava pra ver até os tripulantes pálidos, diz Sarah. “Eu tinha certeza que iria morrer. Comecei a chorar. Duas pessoas me deram as mãos e me ajudaram a me acalmar. Depois daquilo nunca mais conseguir viajar com a paz que eu tinha. Até hoje quando falo do assunto meu coração dispara”, diz. Sem saber, a bancária dava a luz ali à aerofobia. E pensar que ela amava tanto voar, que sempre achou incrível a ideia de acordar em um lugar e dormir em outro, do outro lado do país, ou do mundo. ”A tecnologia que faz com que isso aconteça é surreal. A comodidade, a facilidade e, por viver isso de perto na infância, as pessoas que fazem isso acontecer, desde o check-in até do desembarque. Olhando de fora parece tudo muito complexo, mas que de modo geral funciona”, diz. Porém, para tristeza dela, o medo de voar não escolhe suas vítimas.
O “nascimento” do pânico de Paula foi pouco depois, em julho de 2018, voltando de uma viagem, no trecho entre Brasília e Rio de Janeiro (Santos Dumont). O dia estava muito nublado e chegando próximo ao destino o avião passou por uma turbulência muito forte. Um pouco antes, as comissárias estavam servindo os lanchinhos e de repente saíram correndo sem avisar nada, relembra Paula, que estava com um copo de café quente na mão e chegou a bater a cabeça na janela. O avião chacoalhou muito para um lado e para o outro. “Sentia me quadril levantar. Fez-se um silêncio absurdo no voo. Vi uma menina chorando. Ali eu achava que era o fim. Graças a Deus era só uma turbulência, mas desde então eu, que não tinha medo algum, desenvolvi um pavor muito grande”, afirma a administradora.
Já o caso de Ana é ainda mais recente e a história rica em detalhes. Começou em fevereiro de 2021. Em um voo do Rio para São Paulo, a aeronave em que ela e o namorado estavam “despencou” (aquelas famosas perdas de altitude repentinas). “Com direito a luzes piscando, objetos caindo no corredor e tudo mais, igual cena de filme mesmo. A impressão era de que o avião estava literalmente caindo. Como se não bastasse, após se estabilizar durante alguns segundos, a queda se repetiu, fazendo todos a bordo gritarem e ficarem desesperados. Meu namorado na hora me abraçou cobrindo minha cabeça para tentar me proteger e todos só conseguiam chorar”, relembra.
Mas, infelizmente, o pior ainda estava por vir, só que em outro voo. Em janeiro deste ano, ela embarcou com a família para Punta del Este, no Uruguai, saindo de São Paulo e com conexão em Porto Alegre. A ida até que foi OK. Mas a volta... Estava chovendo muito em Punta del Este, o que já deixou a recém-panicada apreensiva. Ela nem tomou café da manhã, tamanho o nervosismo. Entrou no avião extremamente tensa e em poucos minutos de voo já começou a turbulência. Desta vez, não conseguiu controlar o medo que tomou conta dela. Teve falta de ar, tremores da cabeça aos pés e náuseas. “Só conseguia chorar e ficar com as mãos fincadas debaixo do acento a fim de diminuir o impacto caso ocorresse uma queda novamente”, conta, se referindo àquele fatídico voo entre Rio e São Paulo.
Chegando em Porto Alegre, ela disse aos meus pais que nunca mais andaria de avião novamente — importante ressaltar que eles ainda precisavam de mais um voo até chegar a São Paulo. Só chorava, tremia e tinha pensamentos ruins. Ana afirmou que não conseguiria retornar de jeito nenhum e que era para voltarem todos de carro (13 horas de viagem). Os pais começaram a ver nas locadoras os valores porque ela não estava em condições de entrar em um avião naquele estado. “Porém comecei a pesquisar os trajetos e o índice de acidentes era muito maior indo de carro do que de avião, então comecei a pensar que poderíamos sofrer um acidente, alguém da minha família poderia morrer e no quanto isso seria minha culpa. Com isso em mente, respirei e falei que voltaríamos de avião”. Para ajudar, a mãe comprou um calmante natural na farmácia do aeroporto.
Assim que as malas foram despachadas, a crise voltou ainda mais forte. A pressão caiu, ela teve que deitar em cadeiras da praça de alimentação do aeroporto. Só chorava, não conseguia comer nada. Sentia-se sem ar e implorava para que não embarcassem. “Tenho uma tia que mora no interior do Rio Grande do Sul, em uma (cidade com) filial da minha empresa. Tamanho (era o) meu desespero no momento eu já tinha arquitetado minha vida lá, morando com minha tia e trabalhando na filial”, relembra. Os pais de Ana tentaram acalmá-la de todas as formas, mas nada funcionava. O pai chegou a sentar e chorar junto. Sem saber mais o que fazer, a mãe ligou para a psicóloga da filha. Ana ficou uma hora no banheiro chorando e conversando com a terapeuta ao telefone. “Me apeguei a algumas frases que ela havia dito, como que o meu sofrimento teria prazo para acabar, ou seja, enquanto durasse o voo e para eu me concentrar na minha respiração pois quanto menos oxigênio no cérebro mais pensamentos ruins eu teria. Fui ao encontro da minha família faltando poucos minutos para o embarque. Nessa hora parecia que minha alma já havia deixado meu corpo e eu estava só sobrevivendo, tomei o remédio e entramos no avião”, relata. Para azar da panicada, mais turbulências no voo para São Paulo. Mas conseguiu encarar, com muitas rezas e promessas. Depois disso, o medo a persegue. Ana já teve de cancelar um intercâmbio no exterior, tamanho o pavor de embarcar novamente em uma aeronave.
Outra coisa que as três entrevistadas pelo rivotravel para esta matéria têm em comum é a curiosidade por informações sobre aviação. Paula gosta muito de ler matérias e de conversar com pessoas que entendem bastante do assunto. “Amo as novidades e saber sobre cada modelo de avião. Me sinto mais segura assim”, afirma a administradora. Quem compartilha da opinião de Paula é Ana, que diz: “inclusive o rivotravel e a página no Instagram têm me ajudado muito com isso”. Assim como Paula, ela acredita que saber algumas informações sobre o assunto de alguma forma ajuda a lidar com o medo de voar. Sarah é outra que gosta de pesquisar bastante. “No meu ultimo voo fiquei 1h40 falando pra mim mesma que turbulência não derruba avião”, diz. E não derruba mesmo, não, como já explicamos aqui. Sarah, sempre que possível, puxa papo com a tripulação, e antes de viajar sempre conversa com o pai — afinal, quem mais pode acalmar uma filha panicada que um ex-comandante?
Por falar no pai de Sarah, uma curiosidade para fechar a matéria. “Quando nasci, ele não presenciou o parto porque estava em São Paulo fazendo um curso do Embraer EMB-110, o famoso Bandeirante. Acho que ouvia essa história quase todo aniversário e tinha muita vontade de voar nele. Mas hoje obviamente não teria coragem de encarar um turboélice. Frio na espinha só de pensar”, revela. Amor por aviação desde o berço e medo de voar podem caminhar lado a lado, bem juntinhos. E, quem sabe, um dia role um divórcio nessa relação.