Novo coronavírus e aviação: o que está sendo feito pra conter a epidemia nos aeroportos e como se precaver

Por muitas semanas relutei em fazer uma matéria sobre o novo coronavírus. Por um lado, com notícias pipocando a cada hora, ela certamente se tornaria (se tornará?) obsoleta logo, logo. Para resolver isso, é simples: basta fazer atualizações à medida que os novos fatos foram surgindo na mídia. Mas, por outro lado, penso sempre em minhas leitoras e leitores quando vou produzir um texto. Será que a matéria vai “dar gatilho”, vai potencializar o medo que muitos aqui já sentem ao voar? Será que ela ou ele passará a ver aquele passageiro tossindo ao lado como alguém possivelmente contaminado? A minha intenção, obviamente, não é essa. A ideia é munir quem lê de informações para que decisões lógicas sejam tomadas a respeito do assunto.

 
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retroSPECTIVA

Bem, não poderia começar esse texto de outro modo que não traçando uma pequena cronologia da doença.

Um fato interessante é que o novo coronavírus é incluído em uma grande gama de vírus semelhante. Trata-se de uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O seu novo agente (nCoV-2019) foi descoberto no último dia de 2019 após casos registrados na China. Segundo o Ministério da Saúde brasileiro, os primeiros coronavírus em humanos foram identificados em meados da década de 1960. A maioria das pessoas se infecta com suas formas mais comuns ao longo da vida, sendo as crianças pequenas as mais propensas a se infectarem com esses tipos. Você se lembra da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), que tanto alarmou a população em 2002 e 2003? Pois bem, é um tipo de coronavírus. É bom lembrar que a SARS matou 9,6% de todos os infectados, enquanto para o nCoV-2019 essa taxa não passa dos 2%. A maioria dos novos casos envolve contato com quem visitou a província de Hubei (China), cuja capital é Wuhan — cidade com 11 milhões de habitantes — de onde o vírus partiu. Fora da China, também já foram registradas transmissões entre pessoas. Wuhan foi logo colocada de quarentena e virou um território fantasma, tudo isso em pleno feriado do Ano Novo Lunar, quando grande parte dos chineses viaja. Era impossível sair e chegar de Wuhan, seja de avião, trem ou ônibus. As fotos da cidade vazia ganharam a mídia internacional.

Segundo a a agência Bloomberg, são 24.604 casos registrados em 18 países, com 494 mortes (dados de 5 de fevereiro), o que mobilizou organismos internacionais e a comunidade científica na busca por respostas sobre prevenção, transmissão e tratamento desse novo tipo de coronavírus. No Brasil, até 5 de fevereiro de 2020, são 13 casos suspeitos em sete estados, mas nenhum deles foi confirmado. São Paulo é o que, neste momento, apresenta mais casos suspeitos: são seis em investigação.

 
Tabela da Universidade Johns-Hopkins com informações atualizadas sobre casos da doença (Fonte: Coronavirus 2019-nCoV Global Cases by Johns Hopkins CSSE, acessado em 5 de fevereiro de 2020, às 10h)

Tabela da Universidade Johns-Hopkins com informações atualizadas sobre casos da doença (Fonte: Coronavirus 2019-nCoV Global Cases by Johns Hopkins CSSE, acessado em 5 de fevereiro de 2020, às 10h)

 

O material genético do novo coronavírus é 80% igual ao do vírus da SARS A semelhança com o vírus da síndrome respiratória aguda grave pode ajudar a criar vacinas e tratamentos contra o novo parasita. Segundo o jornal EL PAÍS, diversas empresas farmacêuticas, universidades e instituições anunciaram nos últimos dias que estão no caminho de desenvolver o fármaco, em alguns casos com a promessa de ter as primeiras doses dentro de poucos meses.

Segundo o Instituto FIOCRUZ, as investigações sobre transmissão do novo coronavírus ainda estão em andamento. Ainda não está claro com que facilidade o novo vírus se espalha de pessoa para pessoa. Apesar disso, a transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como: gotículas de saliva; espirro; tosse; catarro; contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão; e contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.

Óbvio que falando assim as coisas parecem pouco esperançosas. Afinal, é uma doença que mata. Mas não é para pânico. O rivotravel conversou com Eliseu Alves Waldman, do departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), e com Fabiano Ramos, chefe do Serviço de Infectologia do Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). “O pânico nunca é recomendável em nenhuma situação. Devemos estar atentos às recomendações das autoridades sanitárias nacionais e internacionais e exigir a garantia do pleno acesso às informações e que as mesmas mantenham-se transparentes e oportunas, como até aqui têm sido”, diz Eliseu Waldman, especialista que atua nas áreas de epidemiologia, vigilância e controle de doenças infecciosas. Fabiano Ramos completa: “Por se tratar de um vírus novo e de pouco conhecimento ainda sobre , especialmente, sua agressividade e potencial gravidade, a melhor forma é a prevenção. O limite entre precaução e pânico é muito tênue e difícil de ser avaliado neste momento, pois apesar da mortalidade ser aparentemente menor do que o esperado, se comparado com recentes infecções por outros Coronavírus, pessoas estão morrendo e mesmo que a maioria das mortes esteja acontecendo em pessoas idosas e com algum problema de saúde, muitos jovens saudáveis estão entre os mortos", diz.

COMPANHIAS AÉREAS

O que as empresas aéreas estão fazendo para conter a transmissão? Em tempos de viagens intercontinentais mais acessíveis, essa é uma importante forma de espalhar um vírus. O Brasil não tem voo direto para China (dada a enorme distância entre os dois países), mas recebe aviões em rotas regulares da Air China, com escala em Madri (Espanha). Segundo o UOL, mais de 30 grandes companhias aéreas cancelaram seus voos para a China após o surto do novo coronavírus no país asiático. As empresas que decidiram manter os voos estão adotando uma série de medidas para reduzir o risco de contágio, como suspender a distribuição de toalhas, travesseiros, cobertores e revistas e não usar o carrinho para entregar refeições a bordo. A japonesa ANA (All Nippon Airways) cancelou todos os voos com destino à cidade chinesa de Wuhan, a mais afetada pelo novo coronavírus. Todos os comissários de bordo estão trabalhando com máscaras de proteção e luvas para servir refeições.

 
Na cidade de Wuhan, as pessoas estão usando máscaras quando saem às ruas. Isso quando saem, pois todos estão de quarentena e a cidade parece fantasma

Na cidade de Wuhan, as pessoas estão usando máscaras quando saem às ruas. Isso quando saem, pois todos estão de quarentena e a cidade parece fantasma

 

“Quando o desembarque começa, ficamos na saída observando os passageiros. Perguntamos à tripulação se algum relatou sintoma de gripe, como febre, ou se comentou que está vindo da área afetada pelo novo coronavírus”, contou a chefe do posto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no aeroporto de Guarulhos, Elisa Boccia. “Então podemos fazer uma entrevista direta com o passageiro ou tomar alguma outra ação. Os agentes podem eventualmente abordar um ou outro passageiro que manifeste algum sintoma”, relatou ao jornalista especializado em aviação Vinícius Casagrande, do UOL. A Anvisa disse que também verifica se as companhias aéreas estão emitindo, dentro dos aviões, mensagens sobre a transmissão do vírus e recomendações de medidas de higiene. Segundo a Abear (Associação Brasileira das Empresas Aéreas), caso haja a suspeita de que algum passageiro esteja infectado com o novo coronavírus, os passageiros são obrigados a permanecer no avião após a aterrissagem. Uma equipe médica entra para examinar o passageiro. Se o médico descartar o caso ali mesmo, a bordo, o desembarque dos passageiros é liberado. Mas se a suspeita for mantida, o passageiro doente é removido para um hospital e os demais passageiros são isolados e monitorados por agentes da vigilância epidemiológica, explica a matéria do portal.

Opinião similar tem o professor da USP. “Dado que existe grande intercâmbio internacional, é recomendável que os passageiros de aviões que partem de países com transmissão do vírus e mesmo aqueles onde existam casos confirmados (…) sejam triados e aqueles que apresentarem manifestações respiratórias sejam impedidos de viajar até uma adequada avaliação clínica. Em voos internacionais os aviões, ao chegarem ao aeroporto de destino, devem ser submetidos a desinfecção. Os passageiros que chegam de áreas onde existe transmissão ou casos confirmados, ainda que importados, devem ser submetidos a triagem e os que apresentarem manifestações clínicas suspeita de infecção pelo novo coronavírus, devem ser isoladas até uma adequada avaliação clínica”, afirma.

Ele prossegue dizendo que não é recomendável ir para a China, no momento, apesar da província de Hubei (foco principal da transmissão do novo coronavírus) estar sob quarentena. Quase 56 milhões de pessoas da província de Hubei, que tem a cidade de Wuhan como capital, estão praticamente confinadas desde a semana passada. Em Hangzhou, a apenas 175 quilômetros de Xangai, barreiras bloqueiam as ruas que levam à sede da gigante de tecnologia chinesa Alibaba, que fica em um dos três distritos nos quais três milhões de cidadãos passaram a viver sob condições rígidas esta semana: apenas uma pessoa por residência pode sair a cada dois dias para comprar artigos de primeira necessidade.

“Por favor, não saiam! Não saiam!”, afirma uma voz no sistema de alto-falantes, que também recomenda o uso de máscara, lavar as mãos regularmente e informar sobre a presença de qualquer pessoa procedente de Hubei, ante o temor de que os moradores desta província possam infectar outros.

 
Um hospital em Wuhan foi construído em apenas dez dias para abrigar pessoas infectadas com o novo coronavírus (Foto: reprodução Instagram)

Um hospital em Wuhan foi construído em apenas dez dias para abrigar pessoas infectadas com o novo coronavírus (Foto: reprodução Instagram)

 

Caso seja necessário viajar para países com casos confirmados com nCoV-2019, deve-se tomar cuidado, mediante rigorosa higiene das mãos (lavar e esfregar com sabão por pelo menos 20 segundos), uso de máscara, manter sempre que possível uma distância de 1,5 metro das demais pessoas, especialmente, as que apresentarem manifestações respiratórias. Tais medidas, no entanto, são medidas paliativas. Vale lembrar que diversas atrações turísticas chinesas passaram por fechamentos ao público na última semana, como o Museu Nacional da China, a Cidade Proibida e a Grande Muralha.

E se você viaja pelo Brasil, não há motivo para alarde. Até o momento, explica o especialista da USP, as medidas tomadas pelo Ministério da Saúde seguem as recomendações da Organização Mundial da Saúde. A opinião é corroborada pelo médico da PUCRS. “Acreditamos que o nível de atenção dispensado pelo ministério da saúde e a resposta as necessidades atuais estão adequadas”, afirma.

A Anvisa está transmitindo, desde o dia 24 de janeiro, em aeroportos internacionais do país, informes sonoros em português, inglês e mandarim (língua oficial da China) sobre os sintomas do coronavírus, com orientações aos passageiros e dicas para evitar a transmissão de doenças. O áudio diz: “Se você tiver febre, tosse ou dificuldade para respirar, dentro de um período de até 14 dias, após viagem para a China, você deve procurar a unidade de saúde mais próxima e informar a respeito da sua viagem”. Essas ações estão em consonância com orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). O aviso orienta ainda adotar certas medidas, como lavar as mãos frequentemente com água e sabão ou usar álcool gel. É recomendável cobrir o nariz e a boca com lenço descartável ao tossir ou espirrar. O lenço deve ser descartado no lixo e em seguida as mãos devem ser lavadas. É importante não compartilhe objetos de uso pessoal, como talheres, pratos, copos ou garrafas. Na semana passada, agência se reuniu com companhias aéreas e empresas do setor de limpeza dos aviões. O objetivo foi esclarecer as equipes sobre as novas orientações publicadas pela Anvisa.

Mas parece que nem todos os governos estão agindo com cautela. No sábado passado, a SriLankan Airlines, companhia do sudeste asiático, publicou fotos de um voo de Wuhan, na China, com uma equipe de 16 voluntários, especialmente destinado a resgatar 30 estudantes presos na cidade chinesa sitiada, Segundo o site especializado AEROIN, os jovens foram entregues aos cuidados das autoridades de saúde e a Força Aérea do Sri Lanka enviou sua equipe de biomedicina para Mattala, onde o avião pousou. Os estudantes devem ficar em quarentena em uma base militar, antes de serem liberados para suas famílias. O avião foi desinfetado antes e depois do voo. Além disso, não houve serviço de bordo com comidas quentes ou travesseiros para os passageiros — assim como está acontecendo em todos os voos “de resgate”. A tripulação vestiu roupas especiais. Exagero? Cabe a cada um decidir.

E na tarde desse dia 5 de fevereiro, decolaram dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) com destino à China. O voo deve durar quase 24h. O objetivo é resgatar 34 brasileiros que estão em Wuhan. Chegando ao Brasil, eles também serão mantidos isolados, em quarentena.

 
Tripulação da SriLankan Airlines tira foto com passageiros daquele país asiático e que estavam na China. Voltaram para casa com esses trajes especiais

Tripulação da SriLankan Airlines tira foto com passageiros daquele país asiático e que estavam na China. Voltaram para casa com esses trajes especiais

 

Um fato que tem ocorrido é, por meio de memes na internet ou “brincadeirinhas (sobretudo via correntes de WhatsApp), uma crescente xenofobia em relação a povos asiáticos, inclusive no Brasil, que tantos imigrantes recebe, todos com gana de trabalhar e prosperar. Acho que esse é um lado nefasto da população: estigmatizar a ridicularizar o próximo. Vamos ter cuidado com isso, caras panicadas e panicados. Preconceito não é nada legal. Disso, sim, devemos ter medo.

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