Uma praia para curtir os aviões: conheçam Maho e sua incrível proximidade a uma pista de pouso e decolagem
Dizem que ter contato muito próximo com o objeto de seu medo é uma forma de superá-lo. E se aquelas e aqueles que têm pavor de avião pudessem unir isso a uma bela praia caribenha, com água cristalina, areia branquinha e um drink ou uma cerveja na mão (um suco de frutas também vale, é claro)? Vidão, hein? O problema é que o tal contato é, digamos, extremo: aviões passando bem em cima da cabeça de quem está sentado, curtindo o visual e o sol. E quando eu digo “bem em cima” não é força de expressão, basta ver as fotos (e sobretudo os incríveis vídeos) que ilustram essa matéria. A praia citada acima se chama Maho e está localizada muito, muito perto da cabeceira da pista de pouso e decolagem do aeroporto internacional Princesa Juliana (SXM), de Sint Maarten, um pequeno país que faz parte do Reino dos Países Baixos. Não é a mesma coisa que a Holanda, lá embaixo vou colocar um link de um maravilhoso vídeo que explica essa história toda.
Bem, voltando à Sint Maarten, o país divide a ilha na qual está localizado com Saint-Martin, que oficialmente tem o pomposo título de coletividade ultramarina da República Francesa (ou seja, não é independente, é ligada à França). Quem batiza o famoso aeroporto de Sint Maarten é a rainha Juliana dos Países Baixos (1909–2004). Como ela ainda era princesa quando visitou a ilha, em 1944 (ela se tornaria rainha em 1948), o aeroporto foi batizado com o antigo título da nobre. O SXM foi aberto em 1942, como uma pequena base aérea dos EUA na Segunda Guerra Mundial, e hoje recebe 1,6 milhão de turistas por ano.
Sei que às vezes me perco em meus textos, mas história e geografia nunca fizeram mal a ninguém, não é mesmo? Vamos voltar para a praia de Maho, que é a paixão de qualquer spotter, termo usado para designar os amantes da aviação que adoram ficar admirando esses pequenos e grandes notáveis. E, quem sabe, pode também se tornar a meta de quem quer vencer a aerofobia.
Nem tudo são flores (tulipas?) quando o assunto é a famosa praia. “Embora a área (de Maho) tenha se tornado um ponto turístico que atrai gente do mundo inteiro, o aeroporto não promove a popular praia como atração turística”, explica ao rivotravel Michel Hyman, diretor de operações do SXM. Ele cita como motivo o perigo que a força da propulsão dos motores dos aviões leva aos banhistas no procedimento de decolagem. Além de pousar pertinho da praia, os aviões também costumam se posicionar muito próximos a Maho antes de pegar potência para alçar voo. A administração do Princesa Juliana também colocou no local grandes placas para explicar os riscos, inclusive de morte. Muitas pessoas gostam de ficar na cerca que separa a praia da área do SXM, se segurando (ou tentando se segurar) na tela. Mas a força gerada pelos motores é tão grande que parte delas é arrastada para trás, em direção à areia. Em 2017, uma turista neozelandesa de 57 anos que estava praticando o arriscado esporte de enfrentar o “vento” que sai das turbinas acabou caindo e morrendo devido aos ferimentos (as matérias da época não detalham o motivo. Deve ter batido a cabeça no asfalto).
Eu falei asfalto? Sim! Pois entre a estreita faixa de areia e pedras da praia de Maho e a cabeceira da pista do SXM há, ainda por cima, uma rua. E não dá para ser fechada para carros, pois é o único acesso a Beacon Hill, um distrito residencial próximo ao aeroporto. Praia, rua, aeroporto, tudo juntinho. A pequena baía ainda abriga um bar da moda (Sunset) e dois hotéis (o Sonesta Maho Beach Resort and Casino e o Alegria Hotel). Tudo isso com a cereja do bolo, é claro: avião passando bem perto. A pista do Princesa Juliana não é das mais grandinhas, com seus 2.300 metros de extensão. Para comparar, Guarulhos possui uma com 3.000 metros e outra com 3.700 metros de comprimento (o rivotravel já fez uma matéria sobre pistas curtas). A decolagem no país caribenho também não é das mais fáceis. Logo depois que saem do solo, os pilotos têm de fazer logo uma curva para a direita, para desviar de um monte.
Adrenalina pura! É para gritar de medo (ou de emoção). Como eu amo ver aviões, quero muito um dia ir pra essa ilha caribenha. Quem já esteve lá, em 2018, foi a fisioterapeuta Janaina Luna, em uma viagem com o marido, as duas filhas e alguns amigos. Eles fizeram um cruzeiro que teve uma parada em Sint Maarten. “Quando estava com o roteiro de onde o navio ia parar, pesquisei na internet e descobri que existia esse atrativo, do aeroporto ser na beira da praia”, conta a fisioterapeuta. Quando desceram do navio, pagaram um guia para mostrar a ilha, mas como algumas poucas horas de van são suficientes para conhecer tudo, o próprio motorista acabou sugerindo a famosa praia.
Janaina continua o relato. “Maho é muito bonita, não é muito extensa, (a distância) entre o mar e a grade do aeroporto é bem curta. (Tem) água transparente, mar calmo. Ficamos umas 3h lá e a praia foi enchendo de gente. As pessoas ficam na expectativa, quando veem um avião se aproximando todo mundo se levanta e pega o celular. O avião desce bem próximo, passa quase raspando na cabeça de todo mundo. Na hora da decolagem, ele fica de costas para a praia, praticamente na areia da praia, e quando acelera é um vendaval absurdo, é preciso fechar os olhos (por conta da areia levantada), um barulho enorme. É bem diferente e bacana”, relata a fisioterapeuta. A loucura era ainda maior no passado: o bar da praia sintonizava o rádio na frequência usada entre pilotos e a torre de controle e transmitia a conversa em caixas de som, para deleite dos spotters.
SMX é o maior aeroporto da ilha (o outro fica no lado francês, o L’Espérance, mas só opera com pequenos aviões para voos pelo Caribe). O Princesa Juliana também recebe companhias aéreas de voos regionais com aeronaves de pequeno porte, mas o atrativo, é claro, são os grandões. Entre as principais empresas que operam por lá estão Air Canada (voos de e para Toronto), Air France (Paris), American Airlines (Charlotte, Miami e Filadélfia) e Delta (Atlanta e Nova York). A Air France, inclusive, foi a responsável por levar o notável Concorde à ilha, em 1989.
E é claro que a holandesa KLM voa também para lá — amo as fotos e vídeos da pintura dos aviões da empresa combinando com o azul do mar de Sint Maarten. Inclusive ela era responsável por um dos momentos mais esperados pelos turistas e admiradores de aviões: a chegada do enorme Boeing 747 (o famoso Jumbo) na ilha. Ele vinha de Amsterdã direto para o Princesa Juliana. Na volta, fazia uma parada em Curaçao, o que aumentava o voo de regresso à Holanda em 3h, deixando os passageiros bem chateados. Curaçao, aliás, também faz parte do Reino dos Países Baixos.
Vendo o potencial turístico de ambas as ilhas, a administração da KLM resolveu desmembrar a rota em dois voos separados. O ponto negativo é que, dessa forma, o enorme 747 foi substituído pelo Airbus A330, com menor oferta de assentos. A última aparição do 747 da KLM em voo regular em Sint Maarten foi em 28 de outubro de 2016. Atualmente, a companhia holandesa opera três voos semanais para o Princesa Juliana (eram dois voos; o terceiro foi iniciado em janeiro deste ano).
Nem tudo são flores parte 2. Em setembro de 2017, o furacão Irma, um dos mais violentos já registrados na região, devastou a ilha com ventos de 300 quilômetros por hora que, obviamente, também afetaram o aeroporto. No total, 134 pessoas morreram nos diversos países por onde o Irma passou, sendo quatro mortes registradas em Sint Maarten. Parte do teto do Princesa Juliana foi arrancado pela força dos ventos. A pista, que ficou coberta de água do mar e areia, foi reaberta para voos comerciais em meados de outubro daquele ano, e os turistas puderam voltar a ser recebidos, de forma improvisada.
Mesmo com a estrutura turística dos tempos pré-furação não tendo sido recuperada completamente, a ilha segue em busca de visitantes. Quem esteve lá há pouco tempo ( em meados de dezembro de 2019) foi a blogueira de viagens e digital influencer do Kuwait Fatima AlMattar. “Não tive medo do pouso (na pista do Princesa Juliana). Aliás foi bem excitante pousar lá”, afirma Fatima, que ressalta ainda a coexistência de dois países e culturas próprias em uma única e pequena ilha. Ela ficou hospedada em Maho. “Foi adorável. Eu andei pela praia para ver os aviões e o que eu mais amei foi que do meu quarto eu não ouvia absolutamente nada (do exterior)”, conta a blogueira, citando as janelas com tratamento acústico do hotel, algo importantíssimo, diga-se de passagem.
Gostou? Mas tá sem grana para ter essa experiência in loco? Pois saiba que diversos sites (como o Maho Beach Cam - SXM Airport Cam on St Maarten) transmitem 24h a movimentação do aeroporto. Você vai pra ilha e quer saber os horários de chegadas e partidas para ter uma experiência digna de rei dos spotters? Dá uma olhada no site do Princesa Juliana que eles informam tudo em sxmairport.com.
Ah, e sabem aquele vídeo maravilhoso que eu citei no começo da matéria, explicando a diferença entre Holanda, Países Baixos, Reino dos Países Baixos etc? Aqui o link. É meio confuso, mas vale a pena ver, vai por mim (é em inglês, mas tem a opção de ativar legenda em português).
Até mais, queridas panicadas e panicados. Ou, como dizem os holandeses, tot ziens :-)