Cidades em cena #03: Paris
Para essa semana, eis que desenterro do baú do rivotravel uma série de matérias que começou lá no primeiro ano do site, em 2017. Na Cidades em cena, mostro a relação entre cidades e filmes e seriados. É sempre uma delícia assistir a algo e se encantar com as locações, não é mesmo? E se a gente já conhece onde se passa a história da trama, aí então é uma verdadeira volta ao passado, revisitando os principais pontos turísticos ou simplesmente saboreando as ruas daquele local. E vamos fazer essa retomada com nada menos que Paris? Pois em 2019 a capital francesa foi a segunda cidade mais visitada no mundo, com nada menos que 19 milhões de turistas (perdeu o primeiro lugar para Bangkok, na Tailândia, com expressivos 22,9 milhões de viajantes). De antemão, digo: toda lista é um recorte muito pessoal e não pretende ser definitiva. Ou seja, muita coisa vai ficar de fora, ainda mais se tratando de Paris como tema. Busquei ser bem diversificado nos gêneros e anos de produção.
Emily em Paris (2020)
Eu não poderia deixar de começar esse texto com Emily em Paris. A série da Netflix estreou no mês passado e teve bons resultados (apesar de muita gente ter torcido o nariz), tanto é que anteontem a empresa produtora confirmou a segunda temporada da trama que se passa, é claro, em Paris. Achei um bom título do catálogo, uma espécie de comfort serie, daquelas que a gente vê se sente bem, confortável. O criador é ninguém menos que Darren Star, nome por trás de sucessos de público e crítica como (a maravilhosa, salve, salve) Sex and the City.
Emily em Paris conta a história de uma social media (que trabalha com redes sociais, como instagram, tik tok etc) americana que mora em Chicago e recebe o convite de ir trabalhar por um ano em Paris. Chegando lá, é recebida de forma mais que péssima pela chefe e colegas da agência. Ela não fala quase nada no idioma estrangeiro. Aos poucos, vai fazendo amizades, despertando amores e se virando com a tal chefa carrasca. O edifício onde a protagonista mora é lindo, mas sem elevador e com encanamentos velhos. E um vizinho bem bonitão. Tem como ser menos típico (ou clichê)?
A antipatia dos parisienses, que de fato têm essa fama mundial, foi motivo de muito protesto por parte dos que moram na cidade, todo mundo reclamando de injustiça por parte dos roteiristas. Philippine Leroy-Beaulieu , atriz que faz a tal chefonas do mal, saiu em defesa da produção. Ela nasceu e viveu até a adolescência em Roma, e quando se mudou para Paris sofreu preconceito por alguns deslizes no idioma francês.
Quanto ao retrato parisiense, para mim o grande trunfo da série é ter sido gravada de fato nas ruas charmosas da cidade, mostrando o dia a dia das pessoas, as padarias e seus deliciosos croissants, os lindos cafés e bistrôs, as bancas de frutas e flores, os mercadinhos de queijos, tudo regado a muito vinho. As praças e jardins floridos também marcam presença. E, claro, as vistas aéreas incríveis da cidade, de dia e de noite, destacando festejados pontos turísticos, como a onipresente torre Eiffel (Champ de Mars). Detalhe curioso: sabiam que ela foi feita para a Exposição Universal de 1889 para ser a estrutura mais alta já construída e que seria desmontada depois? E por falar em altura, ela tem 324 metros e fica cerca de 15 centímetros mais alta no verão por conta da dilatação do ferro com o calor.
Emily em Paris mostra também as margens do rio Sena (acho um passeio meio supervalorizado, não vejo muita graça), a rebuscada ponte Alexandre III (com suas famosas estátuas douradas, é dedicada ao czar russo que dá nome à obra) e a Basílica de Sacré Cœur (35 Rue du Chevalier de la Barre), toda branca por conta de seu material (mármore travertino) e que virou um marco da cidade. Por estar em um ponto bem alto, a vista da Sacré Cœur é linda. O passeio continua pelo Café de Flore. Situado em Saint-Germain-des-Prés (no 172 Boulevard Saint-Germain), é famoso por ter sido frequentado por Jean-Paul Sartre, Albert Camus e Pablo Picasso. Emily também passeia pelo canal Saint Martin (outro passeio que acho apenas ok), vai à suntuosa ópera de Paris (Place de l’Opéra) e ao elegante hotel Plaza Athéneé (25 Avenue Montaigne). Das cenas aéreas, destaco as vistas dos telhados de Paris, algo que escapa à maioria dos turistas. Como podem ser tão lindos? E onde ver a série? Na Netflix, claro*.
2. Meia-noite em Paris (2011)
E como deixar de fora esse delicioso filme de Woody Allen que também traz a capital francesa no título? Meia-noite em Paris é um mergulho na Cidade Luz, como é chamada carinhosamente. Acompanhamos a história de um escritor em crise interpretado por Owen Wilson. Ele, ou melhor, seu personagem, Gil, tem uma visão idílica do passado e, curiosamente, acaba descobrindo sem querer um modo de voltar algumas décadas, ficando por um tempo nessa “ponte aérea” entre o antes e o agora. O filme mostra algumas verdadeiras instituições da cidade, como as pequenas lojinhas que vendem um mundo de antiguidades. Exemplo disso é o marché Paul Bert (16 Rue Paul Bert), um famoso mercado de pulgas da cidade.
Outros cenários são o Museu Rodin (77 Rue de Varenne) e o restaurante Polidor (41 Rue Monsieur le Prince). De meados do século XIX, é lá no Polidor que Gil encontra alguns personagens históricos e bem pitorescos. O restaurante ainda funciona no mesmo local e mantém a atmosfera de antigamente. Tem boas notas em sites como tripadvisor. Um ponto importantíssimo para o filme é a igreja Saint-Etiénne-du-Mont (Place Sainte-Geneviève), em estilo gótico francês. É do lado de fora dessa igreja que Gil “embarca” para o passado. Em uma viagem a Paris, sentei para descansar em umas escadarias de pedra. Era exatamente o local do filme, uma ótima surpresa. A obra mostra também alguns restaurantes chiques da cidade (como deixá-los de fora, ainda mais que os sogros de Gil são super endinheirados?). Um deles é o Grand Véfour (17 Rue de Beaujolais), inaugurado em 1784 e que já serviu nomes como Napoleão Bonaparte Voltaire e Henri Balzac. Meia-noite em Paris foi indicado a quatros Oscars (melhor filme, direção, direção de arte e roteiro original), tendo abocanhado este último. O roteiro é do próprio Allen, que, como sempre, não foi à cerimônia. O filme também ganhou o Globo de Ouro de melhor roteiro. Pode ser visto no Amazon Prime Video e no HBO GO*.
3. O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001)
Olha, fazer uma lista sobre filmes e séries ambientadas em Paris e não incluir O Fabuloso Destino de Amélie Poulain é comprar briga e, acima de tudo, uma bela injustiça. Há quem ame e quem odeie. Eu confesso que acho bem fofo e merece figurar neste rol. E por onde começar? Pelo charmoso bairro de Montmartre, onde está localizado o Café des 2 Moulins (15 Rue Lepic). É lá que a personagem que dá nome ao filme trabalha como garçonete. Certa vez, flanando já tarde da noite por Montmartre, passei em frente ao café e alguém do grupo de amigos reconheceu o local. Entrei, claro. Já estava fechado, às escuras, mas não contei conversa. Fui chegando logo com um “excusez moi, excusez moi". Obviamente, foi uma visita rapidinha, só o tempo de comprar um doce (para levar pra casa). A impressão que ficou foi o forte cheiro de alvejante (estavam já lavando o piso) e uma leve memória da sobremesa que lá comprei (estava bem mediana). E os comentários na internet sobre o local e a culinária servida variam de “excelente” a “deprimente”.
Bem, voltando ao filme, ele percorre muito o bairro de Montmartre, mas também outros pontos turísticos da França, como a super conhecida Catedral Notre-Dame (6 Parvis Notre-Dame), que como todas e todos devem se lembrar foi parcialmente destruída por um incêndio em 2019. Sua construção começou em 1163 e o resultado final é em estilo gótico. Por séculos foi a mais alta construção parisiense e é mundialmente famosa por seus vitrais e pela bela arquitetura.
Quem viu o filme certamente se lembrará da Maison Collignon (56, rue des Trois Frères), onde Amélie ia para ouvir conversas. Lá também trabalhava Lucien, um amigo da protagonista. Na Maison Collignon, o visitante pode encontrar uma grande variedade de frutas e verduras. E souvenirs do filme. E precisamos também lembrar das estações de trem, que possuem papel central na trama. No filme, aparecem a bela Gare du Nord (112, rue de Maubeuge), inaugurada em 1846. Se você for pegar um trem para a Inglaterra, passando pelo túnel sob o canal da Mancha, é de lá que ele sairá. E também ganha destaque a igualmente bela Gare de l’Est (Place du 11 novembre 1918), inaugurada três anos depois da “irmã”. Mas sem ciúmes, ambas são igualmente interessantes.
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain foi indicado a cinco Oscars, mas não levou nenhum. Em compensação, faturou quatro Cesar (o prêmio máximo francês), incluindo melhor filme e música (a trilha sonora é deveras encantadora). Quer viajar pela Paris de Amélie? Acesse o Telecine ou o Now.
4. Ratatouille (2007)
Ah, mas é claro que esse maravilhoso filme tinha de constar nessa lista! A história do ratinho com grandes habilidades culinárias que acaba ajudando um atrapalhado aspirante a chef de cozinha é simplesmente genial. Não só o roteiro é de encher a boca (estou bom nos trocadilhos hoje). Toda a Paris retratada no filme é fenomenal. Quase onipresentes, as margens do rio Sena também batem ponto no longa, inclusive a ponte d’Argole, bem perto da Notre-Dame. O fictício restaurante do Chef Gousteau, onde a trama se desenrola, foi inspirado em uma casa que de fato existe, o Tour d’Argent (15, Quai de la Tournelle). E sabem a cena que o ratinho Remy olha horrorizado para uma vitrine cheia de ratos mortos? Pois ela existe! A Aurouze (8 Rue des Halles) foi fundada em 1872 e ainda é administrada pela mesma família, que dirige o negócio especializado em pragas, inclusive os roedores (estima-se que alguns milhões deles vivem nos esgotos da cidade). Mórbido, não? Ah, e quem for na Disneyland Paris (Boulevard de Parc, 77700 Coupvray) poderá ver uma atração inspirada no filme. O parque também ambientou as ruas como se fosse Paris (meio sem propósito, uma vez que a Paris verdadeira está logo ali do lado, não?) e conta também com restaurante e, claro, uma loja temática.
Ratatouille levou para casa o Oscar de melhor animação (concorria em cinco categorias, inclusive melhor roteiro original). Também faturou o Globo de Ouro e o Bafta (prêmio máximo inglês) de filme animado do ano. Atualmente não está disponível em nenhuma plataforma de streaming no Brasil. Não vou dar o caminho das pedras para download na internet pois, como dizia um famoso site de humor, trabalhamos com responsabilidade jurídica.
5. Cléo das 5 às 7 (1962)
Não podemos deixar de fora um representante da Nouvelle Vague. Escolhi uma obra da aclamada diretora Agnès Varda, que faleceu em 2019. Em Cléo das 5 às 7, segundo filme de Varda, a história se passa nas ruas, cafés e parques da margem esquerda do Sena (a famosa Rive Gauche). Mais que uma simples localização geográfica, a expressão designa um estilo de vida ligado às artes e à intelectualidade. No filme de Varda, a trama se desenrola quase em tempo real. Cléo (Corinne Marchand), uma cantora de sucesso, aguarda ansiosamente os resultados de um teste que determinará se ela tem câncer. O longa é tido por parte dos críticos como um retrato contundente de uma mulher que anda de forma corajosa rumo ao desconhecido. Parte da trama se desenrola no Parque Montsouris (2 Rue Gazan). As filmagens em locais aberto, aliás, foram marca do movimento da Nouvelle Vague. Do início dos anos 1960, quando o filme foi feito, até hoje pouca coisa mudou no Montsouris.
Cléo das 5 às 7 concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes e ganhou o prêmio de melhor filme do Sindicato Francês de Críticos de Cinema. A obra de Varda pode ser vista no Telecine*.
6. Moulin Rouge! (2001)
Em geral, não sou muito fã de musicais. Uma das raras excessões em minha lista de preferências é a nababesca explosão visual e sonora criada pelo australiano Baz Luhrmann ao dirigir Moulin Rouge!, com Nicole Kidman e Ewan McGregor. O filme é rodado em estúdio, mas a equipe de produção de objetos e decoração de cena, junto à equipe de arte, recriaram toda a ambiência do boêmio bairro de Montmartre de fim do século 19, com a efervescência cultural dos movimentos artísticos que já circulava pelas ruas de pedras da região. Moulin Rouge (82 Boulevard de Clichy) significa Moinho Vermelho em francês, e é uma referência à estrutura que adornava a entrada da casa de espetáculos e que até hoje existe. O Moulin Rouge era um frisson, com suas apresentações de dança e música bem no estilo burlesco e muita bebida rolando, é claro (não vamos nos esquecer do ultra-parisiense absinto). A casa ainda funciona, mas com uma outra pegada, em busca do dinheiro dos turistas em busca de shows de can-can.
Moulin Rouge! ganhou dois Oscars (Direção de Arte e Figurino) e concorreu em outras seis categorias. Também venceu três Globos de Ouro: melhor filme – musical ou comédia, atriz na mesma categoria (Nicole Kidman) e trilha sonora. Também entrou na disputa para a Palma de Ouro de Cannes. Moulin Rouge! está atualmente em cartaz no Now*.
A lista poderia seguir por muito mais, mas vamos fechar com esse belo filme que amo, que mistura o século 19 com músicas do Nirvana, David Bowie e Fatboy Slim (sem esquecer de Lady Marmalade, com Christina Aguilera, Lil’ Kim, Mya e Pink).
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Espero que o passeio por Paris tenha sido agradável. Au revoir.
*Os filmes estavam disponíveis nas plataformas de streaming em 10 de novembro de 2020, data da pesquisa.