A ativista adolescente e a batalha contra as viagens de avião
Greta Thunberg. A personalidade do ano para a respeitada revista Time, que fez o anúncio nessa quarta-feira (11). Talvez você não esteja associando o nome à pessoa. A ativista sueca de 16 anos alcançou a fama mundial em setembro, quando discursou na Cúpula do Clima da ONU, em Nova York. Em sua contundente fala, Greta disse: “Vocês roubaram os meus sonhos e infância. Estamos no início de uma extinção em massa, e a única coisa que vocês falam é sobre dinheiro e o conto de fadas de crescimento econômico eterno. Como se atrevem?”.
Ela não ganhou os holofotes da imprensa internacional a troco de nada. Tudo começou em meados do ano passado, quando a adolescente liderou protestos em Estocolmo contra a falta de ações do governo para lidar com as mudanças climáticas. O movimento se espalhou pelo mundo com protestos que reuniram no total mais de 1,5 milhão de estudantes. Qual a relação disso com os aviões? Calma que chego lá.
E por falar em “chegar lá”, é preciso salientar a forma como ela fez a travessia do Atlântico Norte, da Europa até Nova York. Poucas horas de avião, de preferência na classe executiva ou mesmo na primeira classe, como faz a maioria das celebridade midiáticas (status já alcançado por Greta)? Nada disso. A jovem levou duas semanas para fazer o trajeto. A bordo do veleiro estavam o pai da ativista, Svante Thunberg, o capitão da embarcação Boris Herrmann e o documentarista Nathan Grossman. O barco usado na aventura possui painéis solares para gerar a energia necessária para seu funcionamento, além do próprio vento, é claro.
A sueca repetiu o feito marítimo agora nas primeiras semanas de dezembro, quando cruzou o oceano Atlântico novamente, só que na direção contrária da viagem de três meses atrás. O objetivo: participar da COP 25, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que vai até sexta-feira (13), em Madri — ela chegou em Lisboa pelo mar e terminou o trajeto até a capital espanhola de trem. Nessa quarta (11), Greta fez outro duro discurso. Segundo ela, as metas ambiciosas de redução de emissões de carbono são uma enganação e que nada está sendo feito para evitar uma catástrofe. “Eu ainda acredito que o maior perigo não é a inatividade, o perigo é quando políticos e CEOs (nota: altos executivos) estão fazendo parecer que uma movimentação real está ocorrendo quando, na verdade, quase nada é feito além de contabilidade inteligente e relações públicas criativas”, disse.
Aliás, é preciso salientar que desde 2015, quando mal havia saído da infância, ela se recusa a andar de avião. O motivo? Justamente a alta emissão de carbono gerada por esse meio de transporte. O principal vilão é justamente a queima de combustíveis fósseis, substâncias de origem mineral, como o carvão, o gás natural e os derivados do petróleo, a exemplo da gasolina e do óleo diesel, usados para gerar energia. Entra nessa conta o querosene de aviação (QAV).
E é justamente aí um dos pontos do ato político de Greta: chamar a atenção para o excesso de viagens aéreas, que só faz aumentar ano a ano. A questão já recebe a atenção no país de origem da ativista há algum tempo. Segundo o portal UOL, há até um termo sueco para isso: “Flygskam”, que significa algo como “vergonha por voar”. Um dos primeiros a comprar a briga foi o cantor Staffan Lindberg, que anunciou, dois anos atrás, que iria parar de voar. O atleta Björn Ferry, medalhista olímpico, também riscou as viagens aéreas de seus planos. Os ativistas tem estado na cola de pessoas públicas que fazem curtos trajetos em avião. Essa semana, por exemplo, foi anunciado que o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, usou um avião particular para fazer uma viagem entre duas cidades inglesas cuja distância seria percorrida em menos de uma hora de trem. A atitude pouco ecológica de Johnson repercutiu internacionalmente. Convenhamos que é realmente um abuso e que nesse caso o deslocamento por terra seria completamente plausível, até mesmo mais rápido. Afinal, sabemos bem que o tempo gasto em uma viagem de avião é muito maior do que as horas em voo, não é?
Antes de prosseguir com o assunto, fica o questionamento: como nós, brasileiras e brasileiros, podemos aplicar isso em nosso cotidiano? Não tenho respostas definidas. No caso de Greta e dos que europeus que decidem reduzir a participação pessoal na emissão de carbono via viagens de avião, parece-me mais fácil substituir o transporte aéreo por meios menos poluentes, como o trem, que foi justamente o modal utilizado por ela para ir de Lisboa a Madri. Há grande oferta ferroviária no continente europeu.
E no Brasil, onde trem para transporte de passageiros praticamente não existe e as distâncias são continentais? Uma opção seria que a população tentasse diminuir a frequência de voos — obviamente estou aqui falando daqueles que têm condição financeira para comprar um bilhete aéreo. A tecnologia está aí inclusive para nos ajudar. Em minha vida de jornalista, já fiz muitas viagens para entrevistas que poderiam muito bem ter sido feitas por video-conferência. Meu pânico agradeceria, inclusive. Outra solução, que não é a curto-prazo, seria uma pressão popular para a implementação de uma malha ferroviária eficiente, mas isso, obviamente, depende de muitos interesses políticos, e não sei se a questão avançaria no nosso país. Um outro fator apontado pelos ativistas é o estímulo ao turismo regional. Com distâncias menores, fica mais atraente trocar o avião por meios menos poluentes, como o trem (se por aqui houvesse, é claro). Eu mesmo conheço relativamente pouco o meu próprio estado, a Bahia, onde nasci e onde vivo atualmente.
Mas é bom salientar uma coisa: trem também usa combustível fóssil, gerando emissão de carbono. Mas medidas têm sido implementadas. A Alemanha já colocou em sua malha sobre trilhos veículos que usam formas não-poluentes de fonte de energia, como o uso de hidrogênio. O trem atinge 140 quilômetros por hora, tem autonomia de mil quilômetros (o que dá para cruzar o país com folga) e só libera água e vapor para a atmosfera.
Mas vamos voltar para os aviões, que são o foco do rivotravel, não é mesmo? As empresas aeroespaciais estão trabalhando para combater a crescente contribuição da indústria para as emissões de gases poluentes. Um dos exemplos mais marcantes foi o começo do uso, em 2011, de biodiesel de origem vegetal para abastecer aviões. O combustível — que também é poluente, mas em menor escala — ainda é mais caro que seu “primo” fóssil, mas a tendência é de queda. A primeira companhia aérea a voar com biodiesel foi a holandesa KLM, em um curto voo de Amsterdam a Paris. Atualmente, uma aeronave da empresa consegue voar utilizando metade da capacidade de seus tanques com o combustível de origem vegetal — a tecnologia aeroespacial ainda não permite um voo comercial 100% verde.
E em junho, o Salão Internacional da Aeronáutica e Espaço de Paris-Le Bourget (Paris Air Show), um dos mais importantes do setor, apresentou Alice, o primeiro avião de passageiros comercial totalmente elétrico do mundo. Ele — ou melhor, ela — comporta até nove passageiros e tem autonomia de voo de mil quilômetros (o que permitiria realizar trajetos como São Paulo–Brasília), voando a uma velocidade de 440 quilômetros por hora. A expectativa do fabricante é que Alice esteja pronta para ganhar os céus em 2022. E já há interessados, como a companhia regional americana Cape Air, que fez um acordo para compra de unidades do avião.
Além de não ser poluente, a eletricidade é muito mais barata que o combustível convencional. Segundo a BBC, um avião pequeno como um turboélice Cessna Caravan pode gastar US$ 400 (cerca de R$ 1.650) em combustível convencional para um voo de 160 km. Mas com a eletricidade, esse custo ficaria entre US$ 8 e US$ 12 (de R$ 33 a R$ 50). O cenário inspira muita atenção de fato. Projeções mostram que, até 2030, devem aumentar em 40% as emissões de carbono por parte de aviões no mundo. Dado alarmista? Talvez não. A julgar pela crescente demanda de tripulação e pelos gigantes aeroportos lançados nos últimos meses, como o de Istambul (Turquia) e Beijing (China), que disputam nas próximas décadas o título de maior do mundo, os deslocamentos aéreos só tendem a crescer. O setor da aeronáutica comercial tem aumentado quase 5% ao ano, o que deve levar o número de passageiros a dobrar nos próximos 15 a 20 anos.
As gigantes da indústria aeroespacial também estão se mexendo. Ainda segundo a BBC, a Rolls-Royce, Airbus e Siemens estão trabalhando no programa E-Fan X, que instalará um motor elétrico de dois megawatts em um jato BAE 146, que tem capacidade para 19 passageiros. Estima-se que ele possa voar em 2021. “Há um enorme esforço envolvido nisso. A engenharia é absolutamente inovadora e nosso investimento em sistemas elétricos está crescendo rapidamente”, disse ao veículo de comunicação inglês o diretor de tecnologia da Rolls-Royce, Paul Stein. E a companhia aérea de baixo custo EasyJet, super famosa na Europa por seus bilhetes com preços mais em conta, anunciou que pretende introduzir aviões elétricos em seus serviços regulares em 2027, em voos de curta distância, como Londres a Amsterdã, a segunda rota mais congestionada do continente europeu. Apenas 380 quilômetros separam as duas capitais, mas já seria um baita avanço em direção a um futuro de combustíveis 100% limpos.
Um pequeno passo para a aviação, um grande salto para a humanidade.