A arte perdida de enviar postais
Quando eu era pequeno, morava em uma casa que tinha uma dessas caixas para cartas presa ao portão (não era que nem nos filmes americanos, mas cumpria seu papel com dignidade). Lembro que eu adorava sair correndo em direção a ela depois do almoço, mais ou menos na hora que o carteiro passava, para ver se tinha alguma coisa pra mim. Imaginem só, um pirralho recebendo cartas. Claro que nunca tinha. Mas aí, não me perguntem como, cai numa dessas correntes tipo pirâmide que povoaram os anos 1990. Não me lembro bem como funcionava. Só sei que, do nada, passei a receber postais do Brasil todo, alguns até do exterior. Um luxo só.
Acho que foi nesse momento que nasceu minha paixão por cartões-postais. Amo recebê-los — apesar de ser coisa cada vez mais rara —, em épocas de selfies no instagram. Mas um postal vai muito além do “estive aqui”, papel que, sem dúvidas, as fotos postadas nas redes sociais cumprem muito bem. Ele diz: “estive aqui e me lembrei de você”. Fui até uma banca de revistas ou loja de souvenirs, olhei as opções, escolhi um pra você, sentei para escrever com carinho (de repente em algum lugar bucólico), fui aos Correios, quem sabe até colei o selo com a própria saliva, entreguei o postal ao funcionário. Olha quanta coisa por trás de um simples pedaço de papelão!
No fundo, estamos falando de tempo. Não só esse período de gestação do postal, mas também o de entrega. Várias semanas correm até que o “presente” encontre o seu destino. Muitas vezes (a maioria das vezes, na verdade) o viajante até já voltou à sua cidade-natal e nada do bendito chegar. É preciso controlar a ansiedade de perguntar “e aí, gostou do postal que te mandei?” para não estragar a surpresa. E se a pessoa nunca der o feedback? O cartão se perdeu por aí ou a pessoa não teve o cuidado de agradecer? Ficará a dúvida para sempre, ou pelo menos até a próxima viagem para, quem sabe, mandar postal para a mesma pessoa.
Como já adiantei lá em cima, adoro todo o processo. Gosto de ir no mostruário dos postais e ir vendo um a um. Só faço a escolha quando algo me desperta e me faz lembrar de uma determinada pessoa. E não são apenas de paisagens, não. Assim, de cabeça, lembro de alguns. De Paris, mandei um com uma janela e um gato para uma amiga que ama os felinos. Da Puglia, na Itália, mandei um que até tinha umas paisagens, mas era cheio de purpurina, super fechativo, a cara de um amigo. E de Berlim, mandei para minha mãe uma linda Marlene Dietrich e seu olhar fatal, potencializado pelo preto e branco da imagem. Hoje, a atriz alemã encara quem entra na cozinha dela, com aquele olhar enigmático, vestida de smoking.
Amo também tirar um tempo ainda durante a viagem para sentar em algum lugar tranquilo e escrever (quer coisa mais sem graça do que postar depois de chegar em casa? Tem gente que faz/fazia isso). E escrevo com a letra bem miudinha, pra caber bastante coisa. Nada de chavões e mensagens telegráficas como “Esta cidade é incrível, me lembrei de você, beijos”. E o que falar da cara de assustados que os funcionários dos Correios fazem quando chego com uns vinte postais nas mãos? Já ouvi muitas coisas do tipo “Wow, que legal! Alguém ainda manda postais!”. Nessas horas, apenas abro um sorriso e digo: “são os melhores souvenirs que existem”. E são mesmo. Odeio comprar coisas pros outros, perder tempo atrás de tranqueira que certamente acabaria no fundo de uma gaveta. E é tão bom chegar na casa de uma amiga ou amigo e ver que aquele cartão que você mandou está preso à geladeira com um ímã, ou com um simples durex na porta do armário. Tenho uma amiga que até emoldurou o que recebeu, transformando o presente em um pequeno quadrinho. Era um de Nova York, com ar retrô. Achei a cara dela. E era mesmo. Tanto é que ganhou as paredes da sala.
Uma coisa que requer um certo traquejo é conseguir os endereços dos amigos. Perguntar direto a eles, às vésperas de uma viagem é dar muito na pinta de que a pessoa vai receber em breve um postal. Geralmente recorro a amigos em comum, pedindo que perguntem o endereço, como quem não quer nada. Já fiz alguns truques também, como usar o Google Street View para achar o endereço da casa de amigos que sei como chegar (é só localizar a rua e dar um zoom na fachada para descobrir o número do prédio). Essa forma é sempre a mais capenga, e o endereço acaba saindo cheio de falhas, como falta do número do apartamento ou bloco. E eu culpando os carteiros pelo sumiço dos postais.
Antes do surgimento do Google Street View, eu tinha de me virar. Já tive a pachorra de colocar no destinatário “rua tal, prédio ao lado da padaria”. Não riam, pois o postal chegou. Dos amigos mais próximos eu até tenho o endereço memorizado de tanto que escrevo para eles (menos o CEP, aí já é covardia. O site dos Correios me salva nessa hora). Dos demais, resolvi o problema guardando toda a lista de endereços no meu e-mail. Assim acesso fácil, onde quer que eu esteja. É a tecnologia ajudando o viajante. Tão vendo que não sou tão nostálgico e analógico assim?