Etiqueta em viagens: o que fazer e o que evitar

Muita gente acha que a etiqueta é algo morto, algo talvez depositado em um empoeirado livro na estante da avó. Mas nada disso! Na verdade, a etiqueta nada mais é do que um conjunto de regras que facilitam o convívio com as demais pessoas. Lógico que isso muda de país para país, mas há algo que transcende, que vai além de cada cultura individual. Curioso para saber se a etiqueta nos acompanha quando viajamos ou se fica cuidando da casa, mandei algumas perguntas para a prestigiada consultora Claudia Matarazzo, que há muito tempo se dedica à grande arte do frequentar e receber. “É claro que, dependendo do destino, você pode ter um comportamento mais solto e informal – em férias ou lazer é diferente do que a trabalho, por exemplo. Mas, discrição e bom senso são muito mais importantes do que se pensa e causam, sim, uma imediata empatia no mundo todo”, afirma. 

E ela começa falando justamente do início da viagem, ou seja, dos aeroportos. Considerando que são lugares muito movimentados e com alta concentração de pessoas, quanto menos espaçosos formos, melhor — ela explica. “Isso significa não deitar em bancos, nem usar assentos de áreas comuns para apoiar mochilas e bolsas. Elas devem ficar com a gente ou no chão aos nossos pés”. Além disso — ela continua —, é preciso não tentar dar jeitinho e nem infringir regras. “O que mais se vê, por incrível que pareça, é gente tentando ser esperto e passar na frente em filas: do café ao check-in”.  E por falar em cafés, mantenha as mesas limpas e retire tudo o que usou para o próximo usuário. Já em questão de filas no caixa, decida antes o que quer comer e facilite o troco; ajuda muito mais do que se imagina, diz a consultora. “Cantoria, excesso de selfie e altas gargalhadas em grupo são insuportáveis para quem não está participando. Simples assim. Além de ser a mais pura poluição sonora e invasão do espaço comum”, afirma.

 
A escritora e consultora Claudia Matarazzo é autora de 18 livros sobre etiqueta e comportamento

A escritora e consultora Claudia Matarazzo é autora de 18 livros sobre etiqueta e comportamento

 

Quando o assunto é voar, o tema continua em pauta. “O espaço é exíguo, né? Então, quanto menos tranqueira levarmos (na bagagem de mão) — isso inclui evitar itens com cheiros fortes —, melhor. Você vai ficar a menos de 30 centímetros de dois perfeitos desconhecidos, se estiver em algum assento do meio. Portanto, toda discrição é necessária. E se você for uma daquelas pessoas que se levanta muito para ir ao banheiro em viagens longas, avise. E até pergunte se a pessoa ao lado prefere dormir na sua janela para você ficar com o corredor livre para sair sem incomodar", alerta a consultora. “Ainda assim, segure a onda e movimente-se o mínimo necessário se isso significa incomodar o outro”. Sobre crianças chorando, Claudia ressalta que isso faz parte da viagem. O que piora muito é gente reclamando alto de criança chorando. E atenção também ao trato com os funcionários. “Comissários estão lá para ajudar mas não são camareiros ou garçons particulares”. Mantenha isso em mente e procure não chamá-los sempre. E em viagens longas,  assim que chegar no avião, já tire da mala de mão tudo o que acha que vai precisar para não ter que abrir o bagageiro toda hora.

 
O bom convívio social é a chave para uma viagem tranquila — portanto nada de levar uma jaca madura consigo no voo, pois ninguém é obrigado

O bom convívio social é a chave para uma viagem tranquila — portanto nada de levar uma jaca madura consigo no voo, pois ninguém é obrigado

 

E nos destinos? O que fazer para não ser classificado como turista inconveniente?  O staff de um hotel está lá para servir não só a você, mas a uma porção de gente. Portanto, chegue com suas dúvidas ou pedidos muito bem ordenados e organizados para ganhar tempo, observa. Claudia diz ainda que falar a língua ajuda muito. Mesmo que fale só um pouco, algumas frases, procure se comunicar na língua local. Isso mostra boa vontade e facilita as coisas. 

Muito cuidado na hora de se hospedar na casa de alguém. Interferir o mínimo possível na rotina do local é lei. A consultora ressalta que sempre é bem visto chegar com alguma coisa simpática para comer ou beber — nada de caro ou raro —, apenas uma aperitivo ou uma guloseima para crianças se for o caso. “Não chegar tardíssimo e sempre avisar onde vai também ajuda muito. Além, é claro, de deixar o seu espaço imaculadamente arrumado como se não houvesse ninguém ali. Difícil? Pense que desse jeito você será sempre bem recebido”, pontua.

Já que este site também aborda pânico de voar, nada mais justo que perguntar a Claudia se ela sofre desse mal. A resposta é sim. Ela já passou por momentos de pânico no avião. “(Voar) é pra lá de difícil porque morro de medo de avião e eu viajo muito. Já paguei micos do tipo: ‘chamei a comissária e perguntei o que era aquela fumacinha’ ( que era apenas vapor condensado do ar condicionado) e não acreditei quando ela me explicou. Fiquei até o fim do voo morrendo de medo e custei a me acostumar com aquilo. Hoje sou mais controlada, mas quando tem turbulência, me agarro no livro com o qual não viajo sem e rezo . Fazer o que?” 

Voltando ao assunto de etiqueta, fui consultar o calhamaço “Amy Vanderbilt Complete Book of Etiquette”, comprado por dois dólares em um maravilhoso sebo de Nova York. Com suas quase 800 páginas, o guia da autora (não pudemos fazer uma entrevista pois ela faleceu em 1974) fala não apenas como se portar em diversas situações mas também como se organizar nas mais variadas ocasiões. Ela ressalta, por exemplo, a importância de se observar os costumes locais, seus modos de convivência, seus códigos de vestimentas etc. Desse modo, é possível evitar uma série de gafes. Uma boa pesquisa no Google antes da viagem já ajuda muito. 

 
Amy Vanderbilt (1908–1974) foi educada na Suíça e era mestra na arte do frequentar e receber — chegou a ter um programa de TV sobre o assunto nos EUA

Amy Vanderbilt (1908–1974) foi educada na Suíça e era mestra na arte do frequentar e receber — chegou a ter um programa de TV sobre o assunto nos EUA

 

Ao viajar com amigos, Vanderbilt recomenda que tudo seja planejado com antecedência, para evitar aborrecimentos futuros: quais os objetivos de cada um com a viagem? Ir a museus? Compras? Descansar? Uma dica boa é estipular algumas horas livres um do outro, para que ninguém tenha de acompanhar o amigo em programas indesejáveis. Um ponto importante a ser debatido é o orçamento da viagem. Se um quer se hospedar em um hotel cinco estrelas e o outro está buscando um hostel baratinho, aí fica difícil conciliar as vontades. Se forem alugar um carro, é bom ver quem pode — e quer — dirigir. Descobrir que será motorista em tempo integral já estando no destino não é nada salutar. 

E sabe aquela velha frase de “ah, eu tenho um amigo que mora lá, quero apresentá-los”? Ela não sai de moda nunca. Se você não quer (eu costumo achar um porre) ou acha que não vai ter tempo para isso, recuse com educação. Mas Vanderbilt destaca que é sempre bom ter um contato na cidade ou mesmo conhecer o destino com a ajuda de um local. Nesses casos, o amigo em comum deve mandar um e-mail apresentando o viajante. E se o tal amigo do amigo convidar você para algo, é de bom tom levar um pequeno presente. 

“Avião é uma tortura para todos, então lembre-se de manter o bom convívio”, escreve Amy. Ela ressalta ainda que aeroportos costumam ser locais de muito movimento, sobretudo na alta estação e perto de feriados. “Tenha paciência. Trate todos os funcionários com respeito e você verá como as coisas melhoram”, diz. E na hora do embarque, não fique zanzando pelos corredores do avião, pois há passageiros esperando para entrar. Se puder, seja gentil e ofereça ajuda a pessoas com crianças de colo e viajantes da terceira idade. Durante o voo, as normas continuam “Use o papel toalha para secar a pia. Mulheres, sejam rápidas na maquiagem. O mesmo vale para o barbear dos homens. Lembrem-se que não são muitos os banheiros dentro do avião”, escreve. Uma coisa que eu faço — e que Vanderbilt ressalta em seu livro — é ter cuidado na hora de reclinar o encosto da poltrona. Eu sempre olho para trás antes e aviso ao passageiro que vou reclinar. Nada pior do que ser esmagado de supetão. E se a pessoa tiver com alguma bebida na bandeja? Já pensou o estrago?

 
O Complete Book of Etiquette de Amy Vanderbilt foi lançado em 1952, mas já passou por diversas atualizações

O Complete Book of Etiquette de Amy Vanderbilt foi lançado em 1952, mas já passou por diversas atualizações

 

Se você der o azar de pegar alguém que ronca ao seu lado, paciência, não há muito a ser feito (muitas companhias oferecem tampões de ouvido. Eu prefiro não correr o risco e sempre levo o meu par). Mas Vanderbilt diz que, se duas pessoas estiverem falando alto demais, você está mais que autorizado a pedir que baixem o tom da voz, para alivio de todos. Ela prossegue nas dicas, dizendo que devemos deixar o avião o mais limpo possível (isso vale para qualquer lugar, né? Mesas de shopping que o digam). Se estiver viajando com crianças, não se esqueça de levar pequenos jogos, cartas ou cadernos para colorir. Em relação às aeromoças: elas não são babás — ressalta Vanderbilt —, mas ficarão felizes em ajudar com pequenas coisas, como esquentar a mamadeira. Ah, e bom dizer: trocar a fralda apenas no banheiro, que possui uma mesa embutida específica para isso. É apertado? É. Mas poupe a cena (e o cheiro) de fazer isso na poltrona. E, antes do voo, explique as regras às crianças que já sabem andar: nada de brincar nos corredores. Além de incomodar os demais passageiros, pode ocasionar um acidente em caso de turbulência súbita. 

Vanderbilt continua sua viagem pelo maravilhoso mundo da etiqueta (pelo menos para mim ele é fascinante). Ainda sobre viajar com crianças, ela recomenda que os responsáveis dividam o tempo entre visita a locais turísticos com uma programação recreativa para os pequenos (parques, praias, aquários etc). Estimular que façam um diário pode ser interessante também. Além disso, dar uma mesada em moeda local pode ser não apenas divertido como também educativo. “Encoraje as crianças a provar pratos diferentes do local, mas não espere milagres”, afirma Vanderbilt em seu livro. Avise também que os hotéis não são lugares para correr ou gritar, pois incomoda os demais hóspedes. 

Como podemos ver, etiqueta não é nada complicado. Basta seguir o bom senso.