Entrevista com o panicado #02

O medo de voar e as lembranças da infância se misturam dentro do representante comercial paulista Menotti Santana Silva Filho, 40 anos. Ele tinha oito anos quando voou pela primeira vez: morava no Rio de Janeiro e embarcou com a família em um voo para São Paulo. Como muitas crianças, estava com muita alegria de viajar de avião. Ele lembra bem do modelo, um Electra, clássico avião voou por 30 anos nas cores da Varig e foi retirado da Ponte Aérea Rio—São Paulo em 1992. “Mas assim que o avião decolou eu já travei e fiquei com muito medo, não olhava pela janela, e desde aquele dia em diante eu passei a ter pavor de viajar", conta.

 
O paulista Menotti Filho se junta à Sandra Sobral e ao ilustre Panicado High por aquilo que nos une: o medo horrendo de voar

O paulista Menotti Filho se junta à Sandra Sobral e ao ilustre Panicado High por aquilo que nos une: o medo horrendo de voar

 

Menotti conta que deixou de fazer várias viagens durante a infância e adolescência por conta do medo de voar. “Perdi um carnaval em Recife, perdi viagem pro Nordeste da escola. Perdia porque não tinha coragem. Viagem internacional eu não era nem louco pra pensar”. Viagem pelo Brasil ele só ia quando dava pra ir de carro. O paulista passou muitos anos assim, sem pôr os pés em uma aeronave. Só foi retomar os voos na fase adulta, mas não de uma forma tranquila… Longe disso! Um dos momentos mais extremos dessa relação de horror com os céus aconteceu quando desistiu de voar em cima da hora, já dentro do avião. Era um voo de Maceió a São Paulo, em 2004. Menotti estava viajando com a então mulher, parentes e amigos. “O voo de ida eu já tava um cagaço só, foi uma tortura total”, relembra. O tempo estava ruim, condições péssimas, tudo que uma pessoa com pânico não precisa. Eles ficaram uma semana em Maceió e dias antes da volta, claro, a cabeça de Menotti estava a mil, já pensando no regresso. Para piorar, nas vésperas do voo ele estava no quarto do hotel, vendo TV, e passou uma notícia sobre um acidente aéreo. “Aí ferrou. O pânico foi às alturas”, resume. No momento de voar, bateu o medo. “O avião tava uma zona, não tinha poltrona marcada, cada um ia procurando um lugar. Eu dei meia volta e falei: ‘isso vai cair’.  Comecei a voltar na contra-mão no corredor. A aeromoça perguntando: ‘onde o senhor vai?’: e eu dizendo: ‘vou descer’. E ela: ‘Por quê? Está passando mal?’ Eu: ‘não, esse avião vai cair’. Começou logo um tumulto. E não teve ninguém que pudesse me segurar, desci mesmo. Todo mundo falando: ‘você está louco?’. Eu respondia: ‘louco estão vocês, esse avião vai cair, eu vou ficar aqui, de boa’. Acho que fiz bem em descer, ainda acho que seu eu tivesse no avião, ele teria caído”, conta. 

As malas seguiram dentro no avião. Ele queria voltar de ônibus sozinho, porque imaginava que seria dura a volta, mas a mulher quis descer com ele. No aeroporto, foram logo procurar um taxi. Na época, o limite de saque era de R$ 600. O dinheiro que ele tinha dava quase certinho para comprar as duas passagens na rodoviária. Seguiram viagem com apenas R$ 20 no bolso. O ônibus era um desses que vem cortando o país, por dentro da Bahia, de Minas… E em nenhuma parada aceitava cartão, e nem sinal de um caixa eletrônico. “Só fomos conseguir pegar dinheiro em Teófilo Otoni, em Minas. Isso porque conseguimos que alguém depositasse um dinheiro na conta da empresa de ônibus e lá em Teófilo Otoni eles nos repassaram. Mas antes disso, foi aquela coisa, eu parava numa cidade e não tinha como comprar uma água, como comprar uma Coca-Cola”, relembra, com poucas saudades daquela viagem.

Hoje, uma forma encontrada por Menotti para encarar as viagens de avião é a boa e velha cerveja. Mesmo sabendo que os efeitos do álcool são potencializados com a altitude, ele bebe como se não houvesse amanhã. Vexame? Sim, teve, claro: uma vez durante um voo pra Salvador — em um dia que ele não havia se alimentado quase nada —, nosso panicado chegou no aeroporto e, como sempre, começou a tomar cerveja. Quando o avião estava já estava voando, ele passou a se sentir muito mal. A viagem era na companhia de amigos, estavam todos indo ver um jogo do Corinthians. A comissária chegou a pedir uma ambulância na pista soteropolitana para atendê-lo. “Eu disse que não precisava, imagina a cena. Quando chegou em Salvador, o povo já se levantou rapidinho, mas aí o piloto anunciou ‘Senhores passageiros, por favor, permanecem sentados, tem um passageiro com necessidades especiais a bordo’, e eu com a maior vergonha, porque já estava me sentindo 100%. Entraram dois enfermeiros e foram até minha cadeira para me acompanhar. Eu tava no fundo e meus amigos estavam no meio. Quando passei pelo meio do avião começamos a dar risada. Foi vergonhoso. Entrei na ambulância, fui até o ambulatório e tudo”, conta.

Apesar do medo (ou talvez justamente por conta dele), Menotti sabe muitas coisas quando o assunto é segurança aérea. “Pesquisava muito estatísticas de acidentes aéreos, sobre a segurança no voo, sobre qual avião eu ia voar, sobre quantos aviões do modelo já caíram. Eu ficava procurando respostas para me acalmar. O que eu mais gosto de assistir na TV a cabo é o programa Mayday Desastres Aéreos (sobre investigações de acidentes reais)”., diz o representante comercial. Antes dos voos, a mente de Menotti é povoada por pensamentos negativos de que o avião irá cair, e uma sensação de impotência toma conta dele. “Em um carro a gente pensa: ’ ah posso me segurar’, num navio penso: ‘posso nadar’ . No avião não dá para fazer isso. É o medo da morte dentro daquele cilindro, daquele míssil. Fico olhando a comissária. Será que ela tá nervosa? Tem criança a bordo? Não é possível que um avião cheio de criança vá cair. Lógico que cai, ja caiu um monte. Hoje em dia esses pensamentos são mais controlados, consigo relaxar um pouco”, conta.

 
Olhando assim parece que está tudo bem com Menotti, mas agora a gente sabe o que se passa na cabeça dele nessas horas. Força, colega!

Olhando assim parece que está tudo bem com Menotti, mas agora a gente sabe o que se passa na cabeça dele nessas horas. Força, colega!

 

Por duas vezes já aconteceu de atacar síndrome do pânico dentro do avião, mas foram em viagens curtas, na ponte aérea Rio — São Paulo. Ele conseguiu se controlar. Ia do banheiro para a poltrona e de volta ao banheiro toda hora. “Acho que ninguém percebeu, mas foi terrível. A vontade era chorar e gritar”.  Quando tem de voar, a ansiedade começa uma semana antes, sendo que o auge se dá na noite anterior, quando a insônia ataca de vez. No dia de viajar, fica aquela sensação estranha, de medo, mãos suadas. E há alguma forma de diminuir a tensão? “Prefiro voar com companhias boas, com baixo índices de acidentes", diz. E sempre aplica a tática de chegar antes ao aeroporto, tomar cerveja a rodo, como se tivesse em uma balada. 

Ele já fez tratamento psiquiátrico, lá pelo ano de 2007. “Comecei a fazer um tratamento para síndrome do pânico com um psiquiatra e já coloquei o medo de voar na roda, uma coisa estava ligada a outra. Tomava um remédio quando ia voar, para dormir”, conta. E o lado espiritual passou a ter certa influência em sua vida. Menotti nunca foi de ir em igreja, mas começou a ir em um centro espirita, e isso o ajudou muito. O medo, de toda forma, permanece. Até porque uma coisa que não passa até hoje é a imensa vontade de viajar que ele tem.

 
Tão boas as viagens, né? O lance é tentar dar um jeito de contornar o medo de voar. Procurar ajuda médica como fez o Menotti pode ser um caminho — o rivotravel já falou disso aqui

Tão boas as viagens, né? O lance é tentar dar um jeito de contornar o medo de voar. Procurar ajuda médica como fez o Menotti pode ser um caminho — o rivotravel já falou disso aqui

 

Depois do tratamento médico que fez, ele colocou na cabeça que tava na hora de mudar esse quadro. E escolheu acompanhar in loco a Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. Aquele foi o momento de quebrar a barreira. Dentro do voo, tomou um medicamento, mas não dormiu nem a pau, por conta da tensão, que foi mais forte que o remédio. “Não sei o que aconteceu quando cheguei lá, mas dei uma relaxada, a ponto de fazer voos internos em companhias duvidosas, claro que com um medo enorme por dentro, mas consegui. E depois ainda voltei pro Brasil, claro”, conta. Aí pronto, o fantasma estava mais controlado. Começou então a marcar viagens, mesmo que com medo. Foi ver o Corinthians no Japão (em 2012, o time paulistano ganhou o Mundial de Clubes no país asiático), fez outros voos, foi para os EUA… “Com medo? Sempre. Se vou perder o medo um dia? Duvido. Pelo número de viagens que eu tenho feito depois do tratamento, meu medo diminuiu. Ainda sinto as mesmas coisas, mas em um grau menor”, relata. Ele morre de inveja quando vê o pessoal dormindo antes mesmo de o avião decolar. Nem nos voos que fez para chegar ao Japão ele conseguiu relaxar. Resultado: trinta horas sem dormir nada.

E quais sonhos cabem na cabeça desse aventureiro com pânico de voar? Conhecer a Europa, sobretudo a Rússia. Tem Copa do Mundo lá no próximo ano, e ele já está com isso em mente. Aliás, não só com isso. “Quem tem medo de avião sabe o tanto de avião que cai na Russia. Isso me preocupa um pouco, mas taí um país que quero conhecer”, diz. E de medo em medo, de avião em avião, Menotti vai conhecendo o mundo. Ah, e não podemos esquecer da cervejinha de praxe antes da decolagem. Um brinde, amigo panicado! Sucesso e bons voos sempre!