Quem vê cara não vê o medo de avião — um desabafo de quem tem aerofobia, mas viaja

Um querido amigo meu diz que eu não tenho medo de voar. Ou pelo menos que não tenho mais. Ele afirma que é tudo “pilha”, como a gente diz aqui na Bahia. Tudo enrolação (por que eu mentiria sobre isso eu não sei e nem ele explica). Ele vê que viajo de avião e diz que, se faço isso, é porque não sofro de aerofobia, ou pelo menos que a experiencia não é tão traumatizante assim como eu costumo narrar…

 
 

Nada mais errado, como vocês mesmo sabem, não é, panicadas e panicados?

Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, como diz o dito popular. É perfeitamente possível ter o maior pânico de entrar em um avião e mesmo assim obter uma vitória na difícil tarefa de planejar uma viagem, comprar a passagem, esperar o fatídico dia, ir ao aeroporto, aguardar pelo embarque, entrar naquela ˜lata de ferro” voadora e ser ejetado junto a algumas centenas de pessoas rumo ao nada, desafiando as “leis de Deus” (nem sou religioso), mas obedecendo as “leis da física”— apesar de não parecer muito, temos que confiar pelo menos nessa última.

Como dizem, “quem vê cara não vê corre”. Ou seja, esse meu amigo está analisando a parte pelo todo (nem sei se cabe essa comparação aqui). Algo do tipo: se posto foto em uma cidade na qual cheguei por via aérea e na imagem estou sorridente, então isso significa que foi tudo bem... Claro que não! Basta ver os vídeos que faço antes de ir ao aeroporto e embarcando, postados no Instagram do rivotravel, pra saber que o medo é real. Aliás, só de escrever isso aqui já faz com que meu coração palpite mais forte, e não estou falando de uma sensação boa, não.

Isso vale para vários tipos de medo. Conheço uma pessoa bem próxima a mim que morre de medo do mar. Passa mal só de se imaginar em um barco “flutuando”em meio à escuridão logo abaixo. Mas ele, uma vez ou outra, até se arrisca a encarar as próprias limitações. Como nós dois moramos em Salvador, chega o verão e sempre rola um convite para um passeio de escuna. E ele vai junto. Sofrendo? Sim, de formas que quem não sofre de um mal similar não consegue sequer imaginar. Apesar do gigante desconforto emocional, meu amigo prefere não perder a oportunidade de aproveitar umas boas horas junto a pessoas queridas, tomar um sol, uma cerveja, cantar, dançar, dar umas risadas. E de repente até mesmo esquecer o pavor dos oceanos, quem sabe. Nessas ocasiões. sempre fico atento aos sinais. Se vejo ele tenso e calado, chego junto, pergunto se está tudo bem. Vejo se ele está no clima de bater papo. Caso a resposta seja positiva, insiro na conversa algum assunto trivial e leve, sem espaço para polêmicas ou sobressaltos. Ou então apenas ofereço um ombro amigo para escutar o que ele tem a dizer. Dou a mão e fico com ele até que as coisas se acalmem um pouco.

Ou seja: ter medo não significa que você não consiga, mesmo que por breves instantes, esquecer que está ali coladinho com o objeto do pânico. É difícil? Com certeza. Mas baseado em minha vivência e também nos relatos de visitantes aqui do site e das redes sociais, sabemos que é possível uma experiência menos sombria. Muita gente me escreve dizendo que sofre de aerofobia, em diversos graus e momentos da viagem (a minha mesmo ataca antes e durante a decolagem) e mesmo assim consegue fazer viagens aéreas. Aos trancos e barrancos — e muitas vezes os trancos são fortes e os barrancos bem altos, sim.

Claro que, infelizmente, isso não acontece com todo mundo que odeia voar. Não são poucas as histórias de quem ficou ou está há anos sem entrar em um avião, ou mesmo sem sair da própria cidade por conta do medo paralisante. Pessoas que perdem chances de conhecer outros países e culturas e deixam para trás oportunidades de estudo ou de trabalho por conta das próprias limitações. Para essas pessoas, minha dica é: buscar um psiquiatra (para analisar a possibilidade de um remédio contra a ansiedade) e ajuda psicológica, que aliás é sempre bem-vinda. Pois eu “faço uso” dos remedinhos, devidamente prescritos pela psiquiatra, e também da terapia. São minha salvação.

 

“Você não pode se livrar de seus medos… mas pode aprender a conviver com eles” (Ilustração: Alex Noriega)

 

Voltando ao assunto de abertura desta matéria, lembro de uma charge fofa que vi muitos anos atrás. Nela, uma menina está sentada em um sofá, ao lado de uma figura meio monstruosa. Embaixo, a frase: conviva com seus próprios medos. E a menina perguntando a essa fantasma se ele aceitava algo para beber. Quando me pego semanas antes de um voo já temendo pelo pior, tento pensar em outra coisa, tomar um banho, ver um filme. Buscar algo delicioso na cozinha. Até agora a terapia não espantou o “bichinho do medo”. Mas vou oferecendo chá até um dia que ele, quem sabe, enjoe da bebida. E de mim. Mas se esse dia não chegar, eu o levo na bagagem. Ele me assusta, mas cabe na mochila.

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