Quase morremos cotidianamente, mas implicamos sempre com os aviões...

Tem um fato um pouco curioso que eu (acho) nunca falei aqui no rivotravel: meses antes do acidente da TAM em Congonhas, em 2007, eu peguei o mesmo voo da companhia (o 3054) que, obviamente, fazia o mesmo trajeto entre Porto Alegre e São Paulo (aeroporto de Congonhas). O que isso significa? Absolutamente nada. Apesar de ser panicado, pensar que eu poderia ter morrido caso tivesse embarcado meses depois no mesmíssimo voo não me afetou nem me afeta muito (só um pouco, talvez). O acidente deixou 199 mortos e aconteceu devido a uma soma de fatores. O piloto posicionou os manetes (que controlam o empuxo dos motores) erroneamente e a pista do aeroporto não tinha as ranhuras necessárias para escoar a água — chovia muito naquela noite —, tornando mais difícil a completa parada da aeronave, que acabou se chocando com um prédio.

Todos nós flertamos com certa frequência com a morte, e isso faz parte da vida. E não falo apenas de doenças graves ou situações de extremo risco. Quer ver? Eu, no mesmo ano do acidente da TAM, parei o carro em uma rua perto do prédio da Editora Abril, no bairro de Pinheiros. Meses depois, um desmoronamento na construção de uma estação do metrô deixou uma enorme cratera, engolindo inclusive veículos que trafegavam e estavam estacionados em vias próximas ao canteiro de obras, matando sete pessoas. Olhando o mapa, vi que uma das partes que simplesmente sumiram do mapa era o exato trecho da rua onde eu havia deixado meu Celtinha verde velho de guerra. Como diriam os vídeos de conspiração que abundam no YouTube: “coincidência? Talvez”. O fato é que estou vivinho da Silva. Não perco um segundo de meu tempo pensando: “ah, poderia ter sido eu…”.

 
 

Já tive cara a cara com a dona Morte algumas vezes, em situações muito mais concretas do que o voo da TAM ou o acidente do metrô paulistano. Em 2015, por exemplo, em uma viagem para a Califórnia, estava dirigindo um carro alugado, sozinho. A estrada era bem aquelas hollywoodianas, em uma montanha, cheia de curvas e abismos. Naquela tarde de muito sol meu destino era o magnífico parque nacional de Yosemite. Estava em uma velocidade relativamente alta — confesso ter o pé um pouco pesado na direção. Por uma dessas imbecilidades da vida, desviei o olhar da pista uns segundos para ver algo sem importância que estava no banco do carona, nem me lembro o que era. O fato é que, quando voltei o olhar para frente, estava a poucos metros do mais absoluto nada. Joguei o volante todo pra a esquerda e, aos 48 segundos do segundo tempo, consegui fazer a curva, cantando muito os pneus. Olha, por um ou dois segundos evitei que o carro simplesmente saísse voando, uma coisa meio Thelma e Louise. Como era uma estradinha no meio do nada, certamente o resgate levaria dias para achar os destroços (e, dada a altura da queda, para localizar o que teria sobrado de meu corpo).

Outra vez, na adolescência, estava voltando para casa por uma rua deserta (gente, o que eu tenho com lugares desertos? Acho que devo evitá-los). Lá pelas tantas, ouço um enorme barulho vindo do alto e, em seguida, um galho colossal se espatifando na calçada, bem na minha frente. Era um verdadeiro tronco, com uns quatro palmos de espessura. Se eu tivesse apressado o passo em algum momento de minha caminhada, aquela tora de madeira teria me esmagado. Também nesse período de minha vida, certo dia, no colégio, resolvi sentar em uma cadeira que alguém havia deixado bem no topo de uma escadaria. Aliás, quem posiciona uma cadeira no topo de uma escadaria? Bem, não vem ao caso. O fato é que mal sentei e já fui reproduzindo a clássica cena de Scarlett O’Hara em “…E o Vento Levou”, rolando em uma sequência infindável de degraus. Eu poderia ter quebrado o pescoço, mas saí sem nenhum arranhão. Jovenzinho que era, minha maior preocupação era checar se alguém tinha presenciado a cena, pois adolescentes odeiam pagar mico. Ninguém viu nada, a área estava sem uma alma viva.

Viver é se arriscar (frase bem autoajuda, hein?). Mas quantas vezes nos expomos a perigos e nem nos damos conta disso? Sei lá, e se passamos por uma rua e minutos depois rola um assalto seguido de morte? Ou acontece um engavetamento super fatal na estrada e, se não tivéssemos parado para fazer xixi no posto de gasolina, teríamos entrado na lista fatal? Sendo assim, será que vale a pena a gente gastar tanta energia temendo a morte? Não acredito em deuses, anjos, orixás, nada (apesar de respeitar todas as religiões). Cada um dá o nome que acha melhor: karma, destino, desejo divino. Sorte ou azar.

Creio que muitas e muitos panicados (inclusive eu) têm, no fundo, medo da morte, esse pavor milenar que tanto assombra a humanidade. Temor da finitude da vida. Para onde vamos quando tudo acaba? E quando vai acabar? No fundo, esse jogo da vida é como uma roleta girando. Uma hora ela para e a bolinha fica ali, presa. Fim de partida. E, olha, considerando as probabilidades, é bem difícil que a gente vá morrer em um acidente de avião. Certamente será em algo bem corriqueiro, sem graça e sem manchetes de jornais e portais de notícias. Eu quero morrer dormindo. E como adoro dormir, tenho certeza que assim será. Mas continuo morrendo (olha lá a morte de novo) de medo de avião.

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