Panic et circenses: como um panicado pode se distrair durante o voo
Todo voo é a mesma coisa. Em alguma hora, o pensamento chega: e se daqui a um segundo esse avião explodir? Ou por algum motivo simplesmente sair do controle dos pilotos e começar a rodar em parafuso, rumo ao solo? Vou apagar em um segundo e ter uma morte indolor? Ou vou sofrer muito? Pânico! E, nessas horas, o melhor a fazer é enganar o cérebro. Mas como, se o danado é quem comanda tudo e teima em pensar sempre no pior?
Tem gente que, nessas situações, gosta de puxar papo com a pessoa ao lado no avião. Deus que me livre! Nada me dá mais pânico do que ter de interagir com desconhecido. Esse medo só é superado pelo medo de morrer num voo. E nesse cenário, ter perdido minutos ou horas com o vizinho não terá ajudado em nada. Tenho um pé no antissocial mesmo, confesso; talvez os dois. Trocar amenidades com o desconhecido ao lado não irá me trazer paz alguma, mas se isso funciona para algumas pessoas não deixa de ser um recurso.
Outros gostam de trabalhar para se distrair. Mas, gente, não sei se dá para trabalhar tendo como quase certeza a morte iminente. Tirando o fato da dificuldade em se concentrar com a mente em pane, você vai querer mesmo passar os últimos momentos de sua vida trabalhando? Que morte horrível, não? Em seu obituário certamente não vai aparecer algo do tipo “fulano era extremamente profissional e vestiu a camisa da empresa até o último segundo”. Prefiro uma morte mais "prazerosa", se é que podemos falar assim. Mas se trabalhar for a forma de te deixar em paz nesse momento difícil, vá em frente. Foca na planilha, no relatório, no texto do mestrado — foca no Foucault!
Encher a cara também não é uma opção. Tenho histórico de dar bafão em aviões (como, por exemplo, no episódio do mestre-cuca já relatado aqui no Rivotravel) e isso pode dar bem errado para quem for tentar se afogar na bebida. Não tenho a menor vontade de repetir a dose (rs). Para aqueles que dizem “mas é só tomar uma tacinha”, rebato com um “ninguém vai me controlar para ver se estou tomando só uma tacinha, nem eu mesmo — estarei fora de controle!”. Não, melhor nem contar com essa possibilidade. Dizem que meditação e exercícios de respiração ajudam a controlar a ansiedade. Pra muita gente isso funciona bem e deve ser uma conquista maravilhosa poder se "adestrar" nos momentos tensos apenas fechando os olhos e respirando. Já tentei... Não deu muito certo. Apenas fiquei parecendo um pato engasgado inspirando e expirando de forma louca e frenética. Acho que o efeito deveria ter sido o contrário. Um exercício bom é deixar o ar entrar apenas pelas narinas por intervalos de até sete segundos e depois expulsar lentamente todo o ar, em espaços de tempo maiores. Espero que dê certo para os panicados e panicadas.
O que é opção para mim? Muitas coisas. Desde atos mais banais até outros mais, digamos, idiossincráticos. Em uma viagem, pedi a amigos mais próximos que escrevessem cartinhas para que eu pudesse ler a bordo. Foi bem legal. Palavras de conforto vindas de quem a gente gosta em momentos difíceis operam milagres. Guardei todas para reler em viagens futuras, uma vez que memória de panicado com remédio na cabeça é bem curta. Não gosta de carta? Pede para receber as mensagens de apoio por áudio. Pode ser ainda mais eficaz — mas use fone de ouvido, hein? Além disso, costumo levar sempre um estoque ELORME de revistas de palavras-cruzadas e livros. Não que a leitura no modo grogue seja muito eficiente, mas ajuda a passar o tempo. Outra coisa que me acalma um pouco é ir no fundo do avião puxar um papo com a tripulação— menos nas horas do serviço das refeições, claro. Por falar nisso, comida é uma excelente distração sempre. Dar uma olhada no entretenimento de bordo também é uma boa opção. Há alguns que oferecem jogos, filmes, ou apenas ficar acompanhando a trajetória do avião no mapinha (sinto um pouco de paz nisso — menos quando ele fica lá no meio do oceano longe de tudo... “jamais seremos encontrados”, ou “deu ruim, vamos parar na ilha de Lost” é o que acabo pensando). Cuidado para não se deparar com algum filme “impróprio”, ou seja, atrações com cenas de desastres aéreos. Já vi uma opção assim em um de meus voos. Acho que era o filme “O Voo”, no qual, *spoiler alert*, há uma cena em que Denzel Washington pilota um avião de ponta cabeça. Affff, quem faz a escolha dos filmes que vão passar a bordo? Sensibilidade zero.
Para fugir de ciladas assim, é sempre legal levar umas opções de filmes e séries já engatilhados no seus dispositivos eletrônicos de preferência. A Netflix oferece a opção de assistir a seus produtos mesmo em modo offline (para tal, é necessário carregar as atrações desejadas previamente). Ainda bem que as companhias aéreas, sobretudo as gringas, investem cada vez mais em poltronas com tomadas para recarregar o tablet ou celular, mesmo na classe econômica. Outra boa notícia é o crescimento da oferta, às vezes mediante pagamento, de internet wi-fi aos passageiros. Uma vez viajei na Noruega com a companhia Norwegian — que oferece o serviço gratuitamente—, mas estava tão grogue que nem vi o avião decolar e pousar, quanto mais a cor da internet. No Brasil, algumas empresas já disponibilizam internet em alguns de seus voos, com planos para expansão para toda a frota nos próximos anos. Por ora, a internet a bordo nos voos da Avianca não é cobrada. A previsão da companhia é oferecer wifi a bordo em 90% da frota até o final do ano. A Gol já cobra pela internet. Os pacotes variam de acordo com o tamanho dos dados usados e número de horas utilizadas (lembrando que a Gol possui vários voos internacionais) e vão de R$8 a R$60. A previsão é que até o final de 2018 toda a frota esteja equipada com sistema. Já a Azul, questionada sobre o assunto pelo Rivotravel, disse que a empresa não só tem interesse como vem estudando a viabilidade do wi-fi a bordo há algum tempo, mas não há definição sobre quando vão disponibilizar o serviço e em quais aeronaves. Já a Latam disse que o sistema de internet a bordo é um projeto em estudo pela companhia. Por enquanto, a empresa oferece em seus voos um sistema de entretenimento de bordo interno gratuito e sem fio, o Latam Entertainment, que pode ser acessado em qualquer dispositivo móvel pessoal e permite ao passageiro assistir a uma seleção especial de conteúdo, com filmes, séries e desenhos animados, entre outros.
Claro que todo mundo é livre também para ter lá suas superstições, como a atriz americana Megan Fox, que acha que o avião jamais cairá enquanto ela estiver ouvindo Britney Spears (já falei disso aqui no site em famosos também choram de medo). Eu não tenho muitas. Apenas as de entrar sempre com o pé direito, sentar rijo na poltrona e rezar na hora da decolagem. Pouca coisa. Ah, e entoar o meu mantra "freia, caralh☻" na hora do pouso também. Se o avião tem aquelas crianças desacompanhadas nas primeiras fileiras já olho com simpatia. Deus não seria tão perverso de derrubar um avião com os pequenos ali (aham, até parece). Ou se pessoas tipo Beyoncé estiverem no mesmo voo — jamais haveria um acidente com ela dentro, né? O fato é que não há regras para acalmar o pânico de voar. Encontrar algo para ocupar a mente durante o voo é bom, mas melhor ainda é ler sobre o assunto e ter mais informações sobre aviação e as leis da física que mantêm um avião voando — isso sim tem conseguido me dar uma certa paz. Menos na hora da decolagem. Nela, eu morro e só volto à vida quando o avião atinge a altitude de cruzeiro.