Livro "Ninguém ficou para trás — A operação de busca e resgate do Voo 1907"
Eu me lembro perfeitamente onde estava quando fiquei sabendo do “desaparecimento” de um avião da Gol em 2006, no norte do Mato Grosso. Aquilo me marcou muito, uma vez que eu estava a uns dias de uma viagem de avião — e quem é panicado como eu sabe como um acidente aéreo mexe com a alma da pessoa. Eu sei, eu sei que desastres assim — apesar de sempre terríveis — acabam contribuindo para deixar a indústria da aviação mais segura — afinal aprende-se muito com os erros. Mas fazer o quê? Pânico é pânico. E aeronave “desaparecida” nessas horas é quase um eufemismo. Avião não é Mestre dos Magos. Eles não desaparecem, eles caem!
Aqueles dias de puro terror para mim foram revividos agora, com a leitura do livro Ninguém Ficou para Trás (editora Action, 160 páginas, R$ 30), da jornalista Maria Tereza Kersul, irmã do Major-Brigadeiro do ar Jorge Kersul Filho, que chefiou as buscas pelos corpos do Voo 1907 na floresta. A inspiração para o nome do livro veio do lema imposto pela equipe de resgate para a localização dos restos mortais de todas as 154 vítimas fatais.
O acidente ocorreu no dia 29 de setembro de 2006, com o choque no ar do avião da Gol (onde estavam todas as vítimas, sendo 148 passageiros e seis tripulante) com outro, do modelo Legacy, da Embraer — que milagrosamente conseguiu pousar minutos depois em uma base da Força Aérea Brasileira (FAB) na Serra do Cachimbo. A aeronave da Gol (um Boeing 737-800 novinho em folha, com pouquíssima horas de voo) partiu de Manaus com destino ao aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, e previsão de uma escala no aeroporto de Brasília. Já o Legacy partiu de São José dos Campos com direção a Fort Lauderdale, nos EUA, e escala prevista em Manaus. Pouco antes das 17h, os dois aviões colidiram a uma altitude de 37 mil pés (ou seja, 11 mil metros). O winglet — aquela pontinha levantada no fim da asa — do Legacy cortou cerca de metade da asa esquerda da aeronave da Gol. Isso fez com que o Boeing 737 perdesse sustentação, o que rapidamente levou a aeronave a cair. Apesar de ter perdido o winglet esquerdo, o Legacy continuou voando.
A conclusão das investigações foi a de que os pilotos do Legacy desligaram o transponder — um aparelho obrigatório que informa a posição e altitude das aeronaves aos controladores de voo —, e o TCAS, que informa ao piloto a existência de outros aviões nas proximidades. Controladores de voo envolvidos na rota do Legacy também foram culpados por conduzir este avião a uma altitude errada (em rota de colisão com o avião da Gol) e não seguir o procedimento correto em caso de ausência de comunicação com uma aeronave.
Os pilotos americanos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino foram condenados pela Justiça Brasileira a três anos de prisão e a pena será cumprida nos Estados Unidos, de acordo com a Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentença Penais no Exterior. Os réus ainda não foram intimados para dar inicio ao cumprimento da pena imposta. Quanto aos controladores de voo brasileiros, o processo aguarda decisão em recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O livro da jornalista foca bastante no processo de recuperação dos restos mortais dos passageiros e tripulantes, bem como o de peças importantes para a investigação, como a caixa-preta e o gravador de voz da cabine. Assim que o “desaparecimento” do Boeing é divulgado, um centro de operações é montado em uma fazenda próxima ao local do acidente, distante 741 quilômetros de Cuiabá. De lá, saíram os helicópteros para a busca dos destroços. Imediatamente a seção central do avião, onde ficam as asas, é localizada pelas equipes, a cerca de 40 quilômetros da fazenda. Ali é aberta uma primeira clareira, de modo que o helicóptero pudesse pousar. Toda a operação movimentou os veículos de comunicação, que mandaram equipes para cobrir aquele que, até então, era o maior acidente da aviação civil do Brasil (em julho de 2007 essa posição passou para o Voo 3054 da TAM em Congonhas).
Pilotos, paraquedistas, mecânicos, bombeiros, peritos, legistas, investigadores, médicos, além de outros profissionais, formavam o grupo ligado ao resgate — eram mais de 350 pessoas envolvidas. As equipes em solo sofreram bastante com o calor e a alta umidade da selva. Além disso, abelhas foram responsáveis por diversas picadas. Muitas vezes eles tiveram de dormir na clareira, de forma improvisada, pois as condições meteorológicas nem sempre eram favoráveis ao voo. Desidratação e esgotamento físico e mental foram a tônica daqueles dias. Além disso, como o avião se desintegrou no ar, a área de buscas era imensa, calculada em cerca de 20 quilômetros quadrados.
Para a equipe de resgate, a rotina diária começava por volta das 5h30, e terminava com a reunião no final do dia, às 20h. Também foram usados três cães farejadores nas buscas pelos corpos. O último passageiro a ter seus restos mortais identificados foi Marcelo Paixão, no 54º dia de operações na selva. Ou seja, foram quase dois meses de buscas em plena floresta amazônica.
“Eu sempre tive interesse em produzir algo sobre a história da operação. Em primeiro lugar pelo próprio teor jornalístico e também por ter todo o conteúdo tão próximo. Meu irmão relatava tudo com muita precisão e tornava a história sempre viva e presente. Pensei em produzir um filme, depois um documentário, mas não saiu do papel”, afirmou a autora em entrevista ao Rivotravel.
O livro pode ser comprado no site da editora Action ou diretamente com a jornalista Maria Tereza Kersul, pelo e-mail mterezak@gmail.com.