Os estigmas por trás dos remédios para ansiedade e medo de voar
“Eu tomo remédio para poder voar”. “Entendo, é normal isso”. Essa frase, tão simples, é o sonho de panicadas e panicados: encontrar apoio e compreensão naqueles com quem compartilham as aflições e fobias. Ter ao lado alguém que ofereça uma escuta amiga e sem julgamentos. Mas nem sempre é assim. Quem toma ansiolíticos, como são chamados os remédios para controlar a ansiedade (que é o caso de boa parte de quem tem aerofobia) ainda sofre muito estigma da sociedade. Algumas pessoas precisam tomar ansiolíticos, em momentos pontuais, como, por exemplo, no caso de viagens aéreas, nos dias que antecedem o voo e também antes de embarcar. Outras têm a necessidade de tomar tais remédios diariamente, para poder lidar com o dia a dia e ter uma vida menos sofrida. A frase do momento da internet é “tá tudo bem”. Mas será que está mesmo?
Eu, ainda na adolescência, fui diagnosticado com depressão e bipolaridade. Por muito tempo, quase minha vida toda, tive vergonha de admitir isso. Escondia o fato de precisar de remédios para ter uma existência minimamente tranquila. Uma vez resolvi parar de tomar remédios por não aguentar mais essa situação: me sentir fragilizado não só pela doença como também pelo olhar dos outros. Uma tia minha, que não acredita em psiquiatria e tudo que envolve a área, disse que ficou orgulhosa de mim, chegou a comemorar meu ato! Vejam só vocês. Claro que minha vida e a vida daqueles que me rodeavam virou um inferno. Ainda bem que consegui superar meu preconceito interno e voltei ao tratamento. Como diz o “mago” Rupaul, apresentador de Rupaul Drag Race, é preciso que tenhamos a coragem de expor nossa vulnerabilidades. São elas que nos fazem humanos. Não é preciso ter vergonha. E pode parecer contraditório, mas quando abracei minhas fragilidades, quando assumi para mim e para os outros as minhas limitações, passei a me sentir mais forte e confiante.
Da depressão e bipolaridade para a fobia de voar. Muitas vezes chegam mensagens no site ou no instagram do rivotravel de pessoas buscando aconselhamento, geralmente perto da data de algum voo. Dizem estar paralisadas, com um pavor profundo de embarcar em uma aeronave. Sempre digo: procure um psiquiatra, que é a especialidade médica indicada em casos de fobias extremas. E olha que sugerir alguém a procurar ajuda psiquiátrica pode ser considerado até ofensivo! “Como assim, psiquiatra? Não sou doido!”, certamente devem pensar alguns. Pois é, mais estigmas.
Algumas inquietações minhas: por acaso alguém que sofre de diabetes ouve coisas do tipo: “ei, pare de tomar insulina”? Ou então “não tem nada de errado em seu pâncreas, você não precisa de medicação”? Falar essas coisas é bem cruel, não acham? E por que será que algumas pessoas se acham no direito de dizer que “remédio psiquiátrico não presta” ou coisas do gênero? Por que o pâncreas pode não trabalhar direito, mas o cérebro, essa grande incógnita para a ciência, tão desconhecido dos médicos e pesquisadores, por que ele não pode nos deixar na mão?
Segundo o médico sanitarista e psiquiatra Ricardo Lins, parte da sociedade não considera uma ansiedade ou fobia como sendo um transtorno que compromete a qualidade de vida das pessoas. “(Muitos) tendem a classificar quem sofre como sendo neurótico, chato e difícil. Dessa forma, desqualificam, não acolhem e nem cuidam. Outros reprimem pelo fato da pessoa usar remédios ‘fortes’. O estigma faz com que as pessoas fiquem sofrendo sozinhas e tenham vergonha de compartilhar seus sentimentos e sofrimentos”, afirma o médico, que atua no Centro de Atenção Psicossocial da Secretaria de Saúde (Capes) do Distrito Federal.
Eu, particularmente, não tenho vergonha de dizer que preciso tomar remédios para superar meu medo de avião (é curioso, pois ainda sinto desconforto ao precisar afirmar que uso medicação para bipolaridade e depressão; Freud explica). Mas muita gente sofre quando precisa verbalizar que usam ansiolíticos para voar. “O que me entristece, digamos assim, é o fato de que quando falo que necessito usar medicação, porque o medo é absurdo, ao ponto de eu pensar em desistir (da viagem), as pessoas, e isso eu falo até os ‘de casa’, não entendem”, conta a funcionária pública Juliana Nogueira.
Ela continua: “Só quem tem medo (de voar) sabe que aquele remedinho básico é fundamental para que a viagem seja tranquila e uma grande alegria”, conta. No dia que respondeu à entrevista do rivotravel, ela estava justamente se preparando para uma viagem. “Nem preciso dizer que não dormi direito e que já verifiquei minha bolsa umas vinte vezes pra ver se o meu ‘porto seguro’ está lá dentro”, descreve a funcionária pública, referindo-se à medicação de uso controlado.
Ricardo Lins dá dicas para quem sofre com preconceito pelo uso de ansiolíticos. Para ele, falar das dificuldades e fragilidades requer reconhecer-se frágil — assim como Rupaul tanto apregoa. Ou seja, falar de suas dificuldades como fatores que dificultam uma vida plena. “Do mesmo jeito que o hipertenso tem fragilidade com seus vasos e coração”, compara.
Quando está se preparando para uma viagem, Juliana sempre se pergunta: “será que o remédio vai fazer realmente o efeito necessário para eu não passar vergonha?”. Por isso a importância de se consultar com um psiquiatra, que poderá avaliar se é o caso de usar medicação, qual delas é a mais indicada, em que momentos e em qual dosagem. Lembrem-se, caras panicadas e panicados: a automedicação é perigosa. Vamos todos aceitar que temos medo de voar e tentar viver bem com isso? Pode ser difícil, mas quem disse que a vida é um voo sem turbulências?