Meio século de 'Aeroporto', considerado o pai dos filmes de catástrofe
E eis que, já no finzinho de 2020, aos 48 minutos do segundo tempo, coloco aqui a matéria sobre os cinquenta anos de Aeroporto, que é tido por muitos críticos como o precursor dos filmes de catástrofe que começaram a surgir nos anos 1970, como O Destino de Poseidon e Inferno na Torre. Assim descreveu Luciana Borges, em matéria sobre o assunto para a revista Época. “Gênero extremamente popular, o filme-catástrofe nasce da mistura de três elementos principais: enredo apocalíptico, apelo melodramático e cenas de ação, de preferência com efeitos especiais que enfatizem o clima de tensão. Essa união consegue captar o espectador, tanto que, em geral, esse tipo de produção não costuma ter problemas de bilheteria e encontra seu espaço no público que frequenta os cinemas”. E Aeroporto (no Brasil também conhecido como Aeroporto 70, uma referência ao ano de lançamento) não fez feio. Custou R$ 10 milhões e faturou dez vezes mais.
Na trama, em um período de 12 horas, o gerente de um grande aeroporto tem de lidar com uma poderosa nevasca, uma pista de pouso bloqueada e um passageiro mentalmente perturbado carregando uma bomba que embarca em um voo para Roma. O aeroporto que dá nome ao filme é o fictício Lincoln, perto de Chicago, nos EUA. Antes de mais nada, é preciso dizer que o filme não envelheceu bem, mas é preciso contextualizar. Os efeitos especiais são datados, como é de se esperar de uma produção com cinco décadas nas costas. Mas é necessário ter uma certa condescendência por parte dos espectadores. Além disso, é sempre bom ver um grande elenco atuando, com nomes como Burt Lancaster (o galã de Hollywood em sua época áurea), Dean Martin (outro grande nome da meca do cinema) e Jacqueline Bisset, uma jovem ainda em começo de carreira.
Eu amo ver filmes de época. Além de ter estilos de atuação, direção e edição diferentes das obras contemporâneas, eles também nos permitem fazer uma viagem no tempo, analisando as roupas usadas, os cortes de cabelo, a arquitetura e decoração do período e mesmo os costumes. É curioso, por exemplo, ver os passageiros fumando dentro do avião, algo impensável para nós atualmente. Até o piloto aparece na cabine com um baita cachimbo. Quem assina os maravilhosos figurinos é Edith Head, que tinha sete Oscars na prateleira de casa (ganhou mais um em 1974). Um arraso.
É interessante também ver os aviões usados em cena, todos Boeing 707, um quadrijato que revolucionou o transporte de passageiros nos anos 1960 e 1970, oferecendo o que de mais moderno a indústria aeroespacial tinha para dar. Hoje, é raríssimo ver um voando. Portanto, para um admirador dos aviões, Aeroporto é um deleite, um prato cheio digno da primeira classe. No Brasil, o 707 voou nas cores da Varig e Transbrasil. No filme, ele serve a fictícia Trans Global. Curiosidade: a aeronave usada nas filmagens foi depois adquirida pela Transbrasil para o transporte de carga e se envolveu em um acidente próximo ao aeroporto de Guarulhos, em Sao Paulo, em 1989, matando os três tripulantes e mais 22 pessoas em terra.
Logo no início do longa-metragem, um avião atola na neve no começo da noite ao tentar sair de uma das pistas de pouso pelo local não indicado. O aeroporto de Lincoln tem uma segunda pista, mas com restrição de horário para uso, pois a rota para pousos e decolagens nessa solução alternativa passa por cima de um bairro residencial (e quem é da época sabe o barulhão que um avião fazia nos anos 1970, muito maior que os de hoje). Então há uma corrida contra o tempo para liberar a pista principal e se ver livre dos protestos dos moradores das cercanias. Essa questão é super atual. O polêmico novo aeroporto de Berlim, o Brandemburgo, inaugurado agora em 2020, além de ter estourado orçamento e prazos, atualmente se vê às voltas com bairros próximos, nos quais impacto da poluição sonora aparentemente não foi levado em consideração pelos projetistas. No filme, em paralelo à corrida contra o tempo para liberar a pista, acompanhamos o cotidiano do diretor-geral do aeroporto e o embarque e decolagem do voo para a capital italiana com, entre os passageiros, um homem falido e desesperado com uma bomba na maleta de mão.
Outro assunto atual abordado pelo longa-metragem é a necessidade da ampliação dos terminais já existentes. Se já era prioridade em 1970, imaginem agora, com a escalada cada vez maior do turismo nacional e internacional — obviamente estou falando de épocas “normais”, sem pandemia. O aeroporto de Lincoln é atolado de pessoas, parecendo um formigueiro, e carece de fácil acesso ao centro da cidade (alô, alô, Brasil)…
Outro aspecto destacado é a jornada fatigante dos controladores de voo, uma discussão mais que urgente, pois sabemos que eles são peças fundamentais para a segurança dos voos. É interessante notar também que as medidas de segurança eram notoriamente menos rígidas naquela década, fato que permitia, por exemplo, que passageiros burlassem as equipes de solo e embarcassem sem ter um bilhete. Outra curiosidade é a presença na cabine, além dos dois pilotos, do engenheiro de voo (função que não existe mais nos modelos mais atuais). O engenheiro de voo cuidava do controle de uma série de sistemas necessários para o voo, mas a função ficou obsoleta com as melhorias da tecnologia de bordo. De babar também é o carrinho de comidas passando pela primeira classe, com uma bela cascata de camarões.
O filme, que soprou as 50 velinhas em 2020, teve três sequências: Aeroporto 75, Aeroporto 77 e Aeroporto 80 - O Concorde. O “primogênito” foi sucesso de público e também de crítica, fato não igualado pelos sucessores. Aeroporto teve nada menos que dez indicações ao Oscar e levou a estatueta de melhor atriz coadjuvante para Helen Hayes, que faz uma carismática senhorinha pouco admiradora das normas e regras. Outra atriz (Maureen Stapleton), com um pequeno papel, levou o prêmio na mesma categoria no Globo de Ouro. Aeroporto também faturou o Grammy de melhor composição para o cinema, recebido pelo grande Alfred Newman em seu último trabalho para a sétima arte (ele morreu logo depois da produção do longa). Newman ganhou nada menos que nove Oscars e assinou músicas para filmes clássicos como A Malvada e O Pecado Mora ao Lado (aquele com a famosa cena do esvoaçante vestido de Marilyn Monroe). Inclusive vi O Pecado Mora ao Lado e é bem problemático hoje em dia, super objetificando o corpo da mulher.
Bem, voltando pra Aeroporto, atualmente ele está no catálogo da Oldflix, uma plataforma de filmes, digamos assim, mais idosos (aliás amei o nome). Ou então pode ser encontrado voando por aí em certos sites da internet. Não vou dar o caminho das pedras nesse sentido pois trabalhamos com responsabilidade jurídica. Para quem se aventurar, boa viagem.