Matemática do panicado: para quem tem medo, viajar cansa duas vezes mais, mas vale a pena o dobro

Viajar é bom demais, não é mesmo? Mas dá uma canseira também. Vamos fazer um rápido checklist dos perrengues. Pra começar, todo um pequeno detalhe chamado planejamento. E isso suga a alma da pessoa, pois é tempo, é disposição, é dinheiro para administrar. Onde ir, quando ir, como ir, por quanto tempo, com quem? Leva filho ou deixa na casa da tia? Escolhe aquela passagem mais barata que inclui quatro escalas e leva o dobro de tempo para chegar ao destino? E o hotel? Fica no mais barato, faz o café da manhã improvisado na rua ou gasta um pouco mais pelo conforto de ter uma bela cama no fim de um dia exaustivo batendo perna pela cidade? E o parente chato que quer se enfiar no meio dos seus planos e você fica fazendo malabarismos para dizer que “é uma viagem romântica” ou “prefiro viajar só, uma coisa meio auto-conhecimento”?

 
 

Pois estou listando apenas o “pré”, as decisões que devem ser tomadas antes do voo. Pois os dias que antecedem ao embarque é tudo, menos relaxante. Quem molha as plantas, quem dá comida aos gatos, quem pega a encomenda que vai chegar? E o gás? Fechou o gás? Botou a geladeira no modo “férias” (algumas tem esse chique recurso de economizar energia, acho maravilhoso)?

O dia de viajar chegou e é um tal “enfia as últimas coisas na mala que já tá ‘socada’ de coisas”, “vê se as janelas estão todas hermeticamente fechadas”, “chama o Uber”, “ih, o motorista cancelou”, “chama de novo”, “chama o elevador”, “desce com as malas”, “enfia tudo no porta-malas”. Isso só pra começar.

Ok, já está cansativo só de ler? Pois então vou ligar o modo turbo e dar aquela resumida:

Aeroporto lotado, fila quilométrica do check-in, sala de embarque abarrotada, avião invariavelmente atrasado, poltrona da aeronave apertada sem espaço para as pernas, decola, olha pro teto, vê filme ruim, olha pro teto de novo. Pousou. Fim do martírio? Pegar o taxi para o hotel (isso se a pessoa for esbanjar, pois metrô e ônibus cansam mais), engarrafamento, faz check-in, sobe, desaba na cama. Dorme, Hiberna. Menos um dia de viagem.

Se a viagem englobar mais de um destino, favor repetir todo o processo.

Mas convenhamos, toda moeda tem dos lados. Que delícia que é acordar sem o despertador no dia seguinte, olhar para o teto em plena quarta-feira e pensar: “ok, estou de férias”. Tomar um banho sem pressa — eu amo banheiro de hotel, mesmo os mais simplinhos, desde que estejam limpos, é claro. Mas aqui estou agora para falar das benesses das viagens. Sair às ruas e pensar: “praia ou museu”? Que tal os dois? Já fiz isso em Los Angeles e foi ótimo. E olha que eu odeio a sensação de sal no corpo após o banho de mar. Mas quando se está viajando tudo é novidade, mesmo que você já tenha ido àquele lugar cinquenta vezes.

Sentar em um banco de praça e ver a vida passar diante de seus olhos. Se for uma cidade grande, cosmopolita, onde você é “mais um ou mais uma”, é possível virar um observador da diversidade local. Mulheres islâmicas (com o tradicional véu cobrindo os cabelos) cruzando com punks, pessoas fazendo cosplay de personagens japoneses e garotas (e garotos) com as mais diversas cores na cabeça. Isso sem contar no tão falado “cidadão médio”: o que vestem? Como andam? Para onde vão? Se o viajante estiver em uma cidade pequena, pouco habituada aos turistas, quem vira a atração é ele. Um amigo meu, branco, loiro, conta que, em uma pequena vila da China uns anos atrás, era constantemente parado para tirar fotos. Ali, ele era o estrangeiro, o exótico.

Mas em que ponto dessa história entram as pessoas com medo de voar? Quem sofre de aerofobia passa por todos esses lados negativos e positivos de uma viagem, é claro. Mas creio que é tudo dobrado. Planejar a viagem? Já é o começo do sofrimento, a ansiedade batendo com toda a força. Eu, que odeio as decolagens, já fico contando quantos voos vou “pegar” até o destino final. Vou precisar de medicação? Lembrar de marcar uma consulta com a psiquiatra… E será que o remédio vai fazer efeito, será que vai segurar a onda?

Para um panicado, aeroportos lotados e aviões apertados são ainda mais cruéis. Tudo que queremos é paz, sossego (não vou nem falar de um voo sem turbulências, pois seria uma matéria toda só para ele). E nada mais estressante do que aquele cenário caótico dos saguões abarrotados de gente ou das aeronaves sem um assento livre sequer. Sempre vai ter o que ronca alto, o que se esqueceu de passar desodorante, aquela que conversa aos gritos às 3h da manhã, o que chuta seu assento em intervalos regulares de dois ou três minutos. Tudo isso incomoda quem não tem pânico de voar? Sim. Mas experimento botar o elemento “tensão à flor da pele” nesse cenário. Um pesadelo no ar.

Se o martírio é 100% maior, os pontos positivos, penso eu, também são dobrados. Para uma panicada ou panicado há uma gama maior de alegrias que vão além do “acordar sem o despertador” e “sentar em um banco de praça e ver a vida passar”. Tem a sensação de liberdade, de vitória, de ter conseguido, aos trancos e barrancos, vencer o medo de voar. De estar muitos quilômetros distante da segurança de casa, em um lugar que provavelmente não alcançaria por outros meio que não em uma aeronave voando a 800 quilômetros por hora. Que aquele pôr do sol lindo você quase perdeu, mas não, você juntou forças de onde não tinha e chegou até ali. Essa conquista não tem preço.

“E já começar as férias temendo o voo de volta?”, você pode me perguntar. Pois digo, um leão de cada vez. Vá visitar Buenos Aires, mesmo que sofrendo por antecipação. Mergulhe nas praias de rio do Pará sabendo que em poucos dias terá de enfrentar dois voos pra voltar. Só não vale ficar no hotel, encolhido, em posição fetal. Afinal, você já abateu a fera na ida, já está com a prática. Matar a besta na volta, mesmo que com medo e pernas bambas, é bem possível. Aposto que você vence essa batalha.