Mamãe a bordo: quando junto com a maternidade vem o medo de voar
Mãe aguenta tudo. Mãe é super-heroína.
Quantas vezes vocês já ouviram isso?
Bem, não sou psicólogo (nem mãe rs), mas acho que as coisas não são bem assim… E vejam: tenho quatro irmãs e seis sobrinhas e sobrinhos, então já acompanhei muita gravidez e todas as fases da infância, adolescência e juventude — a sobrinha mais velha tem 23 anos e a segunda mais velha fez a mesma idade semanas atrás (parabéns, Nina!).
Foco, Salvatore, mantenha o foco.
Assim como este que vos escreve, mães também perdem o foco das coisas. Às vezes perdem o foco do que é importante. Mães choram, mães se desesperam, entram em crise, saem de crise, entram em outras crises. E algumas mães também têm medo de voar! Era só o que faltava, a pobre mãe não ter nem o direito de se tremer toda quando entra em um avião.
Nesses mais de dois anos de rivotravel tenho recebidos muitos e muitos relatos, os mais diversos possíveis. Histórias engraçadas, traumáticas, tristes. E alguns casos que foram me chamando a atenção ao longo do tempo foram justamente os de mulheres que não tinham medo de voar, mas que desenvolveram aerofobia — ou tiveram o quadro de pânico de voar agravado — após a maternidade (isso aconteceu com uma de minhas irmãs, inclusive). Resolvi então reunir alguns relatos aqui e ouvir o que um especialista tem a dizer sobre o assunto.
Uma panicada assumida é a engenheira agrônoma Nathalia Lombardi. E o medo vem praticamente de berço. A paulista cita uma história até hoje contada pela mãe, de quando ela era bem pequena. “Para entrar no avião, me ofereceram uma pipa e isso até me convenceu, mas depois meu avô falou que andar de avião era uma delícia, pois ficávamos pertinho de Deus. Aí pronto, azedou a situação e fui gritando”, conta. E o que já era ruim piorou depois da maternidade. “Me apavora pensar que posso deixá-los, que não irei estar presente. Veja bem, quando entro em um avião tenho a absoluta convicção de que vou morrer”, afirma a mãe de Eduardo, 9 anos; Benjamim, 5; e Helena, 4. A perspectiva de Nathalia encontra eco em várias clientes do terapeuta Rogério Peixoto, que faz atendimentos a pacientes com aerofobia no programa Prazer em Voar. “Algumas mulheres sentem medo de deixar os filhos órfãos. Outras sentem medo pela falta de controle da situação. Eu entendo que a gente não tem nunca controle sobre as coisas que estão fora de nós. Mas podemos aprender a controlar como nos sentimos diante de situações variadas”, explica Rogério.
Nathalia conta que gostaria de fazer muitas viagens, mas o medo de voar impede a realização de mais aventuras. E o que ela faz quando está dentro de um avião e o pavor toma conta, levando-a às lagrimas? “Ah, para os mais novos eu falo que bati o dedo do pé e por isso estou chorando”, conta a engenheira.
Os medos de Nathalia são compartilhados, em parte, pela jornalista Iana Santos, que atualmente mora na Alemanha e viaja com certa frequência ao Brasil. Ela não tinha nenhum problema com as viagens. Até o nascimento do filho. E a primeira vez com o pequeno passageiro como companhia de viagem foi punk, pois foi uma soma de fatores amedrontadores. A estreia aérea do filho de Iana foi aos 11 meses, para comemorar o aniversário de um ano no Brasil. A viagem foi bem difícil, rememora a jornalista. “Tive medo que ele adoecesse em pleno voo e eu não tivesse como ajudá-lo. Também fiquei muito receosa quanto à transmissão de doenças, pois ele ainda estava completando as vacinas básicas. Mas, claro, foi impossível impedi-lo de tocar nas coisas dentro do avião. Do meio para o fim da viagem relaxei, pois estava exausta. O cansaço venceu o medo”, relata. Pergunto a Iana: existe o medo de morrer em um acidente e deixar o filho órfão? “Sim, não tem como isso não passar na cabeça. Acredito que muitos pais e mães têm esse receio. Penso que faz parte do maternar aprender a lidar com o inesperado de uma forma saudável. Manter o pensamento positivo é o mínimo que posso fazer e tem sido a melhor alternativa para mim”, afirma.
Quem também tinha zero medo de voar e começou a panicar ao virar mãe foi a psicanalista e escritora baiana Cláudia Barral. Ela se lembra bem de como tudo começou. Cláudia, que já era mãe na ocasião, estava indo lançar um livro de poesias em sua cidade-natal, Salvador. No voo, uma pedra de granizo bateu no vidro da cabine do piloto. O comandante decidiu voltar a São Paulo, para garantir a segurança das passageiras e passageiros. “Foi um pouco tenso. A partir daí, a possibilidade de algo dar errado se tornou real”. Por ser psicanalista, Cláudia sabe bastante sobre fobias, fato que a ajuda a compreender os mecanismos que envolvem o medo e, continua a escritora, a perceber que há outras questões em jogo. “Estar dentro de um avião pode remeter a uma série de ideias assustadoras que envolvem queda ou perda de controle”, explica. “Depois da maternidade, qualquer decisão tem um peso maior, porque implica uma terceira pessoa que depende das escolhas dos pais. Todas as responsabilidades aumentam”.
Mas ela não joga a toalha, não! Nunca deixou de viajar por medo. A baiana mantém claro na mente que vale a pena chegar ao destino, a qualquer custo. Ter essa meta estabelecida a ajuda a enfrentar o medo. E enquanto está lá em cima, busca refúgio na literatura. Ela conta que gosta de levar, na bagagem de mão, livros que sejam tão interessantes que a façam esquecer que está longe do chão. Quando voa com a filha, a escritora afirma que sempre tenta disfarçar o medo. Mas, uma vez, pousando em São Paulo, o avião não conseguiu descer por conta do mau tempo na região do aeroporto de Congonhas. “Daí ficamos rodando um tempo no ar e ela notou que eu estava nervosa. Minha filha perguntou o que estava acontecendo e eu disse que tinha medo de altura. Mas, sim, sempre me esforço muito para não passar esse medo pra ela. Nem esse, nem nenhum outro”, ressalta a psicanalista.
Mas a estratégia de Nathalia (que finge a topada no dedo do pé) e a de Cláudia não são 100% infalíveis. Segundo Rogério, as filhas e filhos pequenos podem ser capazes de sentir as coisas “no ar”. “Muitas vezes as crianças acabam assumindo e refletindo toda a angustia e ansiedade da mãe e passam a desenvolver também a fobia, sem entender o motivo”, explica o terapeuta. O que fazer frente a isso? Terapia pode ser uma boa solução. Tudo para evitar situações extremas, como casais que viajam em voos diferentes de seus pares e filhos (e fatos como esse acontecem mesmo, afirma o terapeuta), tudo para evitar que, em caso de acidente, os filhos fiquem órfãos. “Pensem só na logística de passar as férias desse jeito, na qual uma parte da família sai em um voo, outra sai em outro, em outro dia… Isso tudo gera um estresse muito grande não só em quem sofre com medo de voar mas também na família toda”, afirma. Muitas vezes a pessoa que sofre com a fobia, continua Rogério, vê as férias como um problema, passa mal antes de embarcar e o sofrimento não acaba quando chega ao destino, pois já sofre com antecedência com a ideia da volta. Acaba, dessa forma, não aproveitando os momentos de lazer e felicidade com a família.
E vamos combinar, sair de férias com crianças já é cansativo. Se for com sofrimento, então… A dica amiga do rivotravel é: busque ajuda profissional com uma psicóloga ou psicólogo. E se nada der certo, um remedinho (com prescrição médica, por favor, já escrevemos sobre isso aqui no site) pode ser a solução. Afinal, até as super-heroínas têm fontes de onde retiram energia. E coragem.