"É mais seguro voar de avião do que..." — comparando acidentes aéreos com outras formas de bater as botas

Quem sofre com o medo de voar (e aqui o verbo “sofrer” é mais do que apropriado) certamente já ouviu de alguém com toda boa intenção a seguinte frase: “viajar de avião é seguro, é mais provável morrer no trânsito maluco das grandes cidades”. Ou então algo absurdo como “é mais fácil ‘ir dessa pra melhor’ (amo esses eufemismos para a Dona Morte) com uma rolha de champanhe estourada e projetada em direção à sua cabeça”.

 

Quem será que faz mais vítimas? Resposta mais adiante nesta matéria

 

E a gente bem sabe disso, não é mesmo? Pois panicado que é panicado caça, vai atrás de notícias, seja para confirmar suas maluquices, seja para dar um alento (e é para isso que nós do rivotravel estamos aqui, para jogar informação na caixa dos peitos de quem padece de aerofobia). Mas e quem vai se lembrar dos dados no meio de uma turbulência — que nunca derruba avião, hein? — a 40 mil pés de altitude? Parece que nosso lado racional vai embora nessas horas, né? E só sobra o medo, o encolhimento na poltrona, o terror, a mão suada, o grito preso na garganta — e às vezes solto a plenos pulmões.

Mas, como eu escrevo na introdução das matérias da série Histórias de acidentes não fatais e o que eles têm a nos ensinar, “acidentes que ameaçam a vida (inclusive aqueles que não têm sobreviventes) são muito raros. Um evento desses só ocorre a cada 5,7 milhões de partidas”. Quem afirmou isso, em entrevista à BBC Brasil, foi Edwin Galea, professor da Universidade de Greenwich. Ele é matemático, especialista em engenharia de segurança e desenvolvedor de simulações. Ou seja: de números, segurança e aviação ele domina. O problema é que a gente não entende disso, né? Esquecemos sempre essas convicções na sala de embarque, junto aos objetos largados no saguão, como garrafinhas de água, revistas velhas e chupetas. Embarcamos “na cara e na coragem".

A revista Exame certa vez trouxe essa manchete: “Com medo de voar? É mais fácil morrer atacado por um cão”. Achei curioso. Não conheço ninguém que tenha morrido estraçalhado por um cachorro besta fera (só no cinema e nas séries de tv). O texto diz ainda que uma forma mais corriqueira de morrer (quando comparada a um desastre aéreo) é uma mera e prosaica queda (de cair na rua mesmo, não de avião). Eu também desconheço quem tenha batido as caçoletas desse modo — minto, me veio agora à mente a mãe de uma professora do meu ensino médio. Mas por mais que force a memória não me recordo de ninguém que esticou as canelas em um acidente aéreo. Melhor as canelas apertadas nos cada vez mais apertados espaços entre os assentos da classe econômica, não é?

A matéria da Exame segue dando dados e alento aos panicados. Quase 96% dos passageiros que estão em um voo que sofre algum tipo de acidente saem vivos para contar a história. E se bem conheço meus amigos e amigas com aerofobia, caso isso ocorra com um deles, vão contar a história em qualquer ocasião. “Oi, aperta pra mim o terceiro andar? Sabia que sobrevivi a um acidente aéreo?”. Prevejo as caras de assustadas das pessoas.

E se a pessoa for extremamente azarada? Bem, aí as chances de morrer num tubo metálico no ar são de uma em 11 milhões. Vamos comparar? As chances de morrer em um ataque de tubarão é de uma em 3,7 milhões. E veja bem, eu disse morrer, e não ser atacado. Alô, alô, panicados de Pernambuco, muita atenção no mar, não vamos aumentar as estatísticas. Aranha venenosa? Uma em 483 mil — odeio esses artrópodes (obrigado, Google, por me ensinar que elas não são insetos).

E dirigindo na estrada? Um exemplo: perdem a vida nas rodovias norte-americanas uma média de 38 mil pessoas por ano. No Brasil, em 2020, foram 27.839 mortes ligadas ao trânsito nas estradas e nas cidades. Sabe quantas pessoas morreram em acidentes aéreos ao redor do mundo, contabilizando todos os voos comerciais? Pois em 2019 — escolhi esse ano pois foi pré-pandemia, ou seja, distante da crise na aviação — foram 257 pessoas vítimas fatais. Isso contando o grave acidente com o 737 MAX da Ethiopian, em março daquele ano, que matou 157 passageiros. Repito: esse dado é do mundo todo, não só nos EUA ou no Brasil. Eu não conheci ninguém que tenha sido vítima fatal de uma acidente de avião. Já de carro…vários, inclusive meu melhor amigo da adolescência :-(.

Segundo a revista americana especializada Condé Nast Traveler, o elevador segue firme como meio de transporte mais seguro que existe. Pois tem gente que até morre, mas geralmente são acidentes ocasionados por pessoas que “entram” sem verificar se a cabine está, de fato, parada no andar. Cair junto com o elevador? Acho que já ouvi uma história assim, mas deve ter sido a amiga da vizinha da tia do padeiro.

Como podemos ver, voar é mesmo seguro. Falta alguém abrir nosso cérebro e enfiar esses dados lá dentro. Será que tatuar esses números funciona? A se pensar.

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