Doses curtas #07

 
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Existem pessoas idiotas em todas as profissões, e eu sou particularmente azarado no quesito taxistas ou motoristas de aplicativo. E em uma viagem ao Rio de Janeiro as coisas não foram diferentes. Estava eu saindo do hotel na cidade maravilhosa (ô lugar lindo) e como a tarde estava bem chuvosa, resolvi pegar um taxi (mentira, lembrei agora que eu estava a trabalho e a firrrrrrrma pagou os deslocamentos). Entrei já me benzendo todo, ávido para pegar um taxista mudo. Claro que não deu certo. Minha sorte é que eu tenho a grande habilidade de desviar a mente para um Nirvana próximo, deixando que as asneiras entrem por um ouvido e saiam pelo outro. Mas uma “pedrada” proferida pelo cidadão não teve como passar batida por mim — e olha que ele já tinha versado sobre um monte de assunto polêmico. Já chegando no Galeão, ele diz: “sabe o acidente da Air France? Naquela noite eu trouxe um passageiro do voo para o aeroporto”. Já disse aqui que estava chovendo muito no Rio, né? Acontece que, no caminho do aeroporto a situação meteorológica pulou para o que eu classificaria facilmente como ciclone tropical. Só não matei o taxista naquele minuto porque estávamos na Linha Vermelha e pior que estar num taxi na Linha Vermelha é estar fora dele.

 
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Nessa mesma noite, claro que meu voo atrasou horrores. Na verdade não sei o que é pior: 1) mofar no saguão, sabendo que seu embarque não foi autorizado por ter zero chances do avião decolar naquele clima e vivendo cada segundo daquela ansiedade ou 2) ter o embarque autorizado e o piloto decidir decolar no meio daquele cenário dantesco. Acabou que, no fim das contas, vivi a primeira situação. Tentei deitar nas “poltronas” da sala de embarque do Galeão (antes da última reforma), mas acho que elas foram projetadas para crianças com menos de 20 quilos, só pode. E sabe o que foi pior mesmo? Receber uma mensagem de uma colega que tinha ido pro mesmo evento que eu no Rio (e que conseguiu decolar horas antes) narrando o inferno de voo que passou, com direito a gritaria e rezas coletivas. O Rio é mesmo a cidade maravilhosa, porém naquele dia expulsou as visitas da pior forma possível. Mas, olha, nem tenho muito do que reclamar. As sacudidas de meu voo foram moderadas. O remedinho segurou legal a onda.

 
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A história agora é em outro voo. Estou eu me arrastando pela sanfoninha (que é como eu chamo o finger, aquele túnel que leva os passageiros do terminal direto pro avião). Eu sempre deixo para embarcar por último. Fico sentado, vendo a fila em frente ao portão de embarque diminuir. Aí quando a fila acaba eu levanto e…. sento mais perto do portão — até porque a fila que antes estava no saguão certamente foi transferida para a porta do avião ou para dentro da aeronave. Às vezes explico para as funcionárias responsáveis pelo embarque sobre meu pânico e peço para embarcar “aos 48 do segundo tempo”. Pois bem, numa dessas, era chegada a hora de embarcar. Aí vou me arrastando pela sanfoninha e dou de cara com o piloto em pessoa, em pé, recepcionando os retardatários (eu). Nisso olho pro lado e vejo a janelinha da cabine de comando da aeronave (já repararam que, se o avião não for muito grande, é possível dar uma olhadinha na cabine? Pois bem, e o que eu vejo ali, bem do lado da janela? Um grosso livro de capa preta. Com leve (leve?) pânico, pergunto pro piloto: “Mas, senhor, é a Bíblia ali dentro?”, perguntei, apontando pro maciço volume. O piloto, rindo, responde: “não, não, é o manual de instruções do avião”. Ok, tenho que confessar que meu estado medicado não me permitiu gravar as exatas palavras que ele usou, mas a ideia foi basicamente essa: tratava-se de uma compilação para os tripulantes sobre os procedimentos do que fazer, como fazer e quando fazer! Depois de ouvir aquilo, tive de me resignar e me arrastar, como quem segue em direção ao próprio calvário, me dirigir para poltrona (que para mim mais parecia uma cadeira elétrica) e esperar a morte. Naquela hora, quis muito ter uma crença no Divino. Ou uma Bíblia Sagrada na mão. Oremos, Senhor. Fiquei sentado tal qual um zumbi, rezando para todos os santos, orixás e deuses que não acredito, pedindo que o tal livro não precisasse ser consultado durante a viagem. Cheguei vivo, e isso é o que importa.

 
“Voar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá…” Não é bem assim que Gilberto Gil canta, mas enfim. Ilustração mais uma vez do nosso querido @ursojururu

“Voar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá…” Não é bem assim que Gilberto Gil canta, mas enfim. Ilustração mais uma vez do nosso querido @ursojururu

 


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