Doses curtas #04

 
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Voo TAP Portugal de Lisboa para Genebra. Excepcionalmente, pego um lugar na janela, para poder ver os Alpes na aproximação do aeroporto de destino. Na penúltima fila, claro, para facilitar uma fuga em caso de emergência. Lá pelas tantas, começa o serviço de bordo. O básico de sempre; mas o suco de ameixa… Não tenho nem como descrever. Era apenas maravilhoso. Vinha numa garrafinha redonda, como se fosse uma granada. A poltrona do meio estava vaga (“oh, Deus da aviação, te amo”) — mas no corredor tinha um português. Vi que a garrafinha dele continuava fechada.

Eu: “oi. Você poderia me dar seu suco?”

Ele: “como?”

Eu: “seu suco. Vi que você não abriu a garrafa”.

Ele (me passando a granadinha): “ok”

Eu: “obrigado. Aiiiiiiii, aproveita e chama aí a comissária que tá passando do seu lado. Oi, senhoura, esse suco de ameixa é divino. Poderia me dar mais um”.

Ela me deu mais dois.

Completamente entupido de suco de ameixa e remédios, “resolvo” apagar. Mas eis que o gentil português quebra toda a etiqueta e começa a puxar papo. Tema? Sabe-se lá qual.

No meio do monólogo, vejo que não vou aguentar. Interrompo, muy gentilmente: “senhor, o papo está ótimo (mentira, claro), mas eu vou dormir neste exato minuto”. Ok, a frase não foi exatamente essa, mas deve ter sido alguma bem similar. Bem direta. E *dita de forma* bem pastosa.

Capotei

Após sonhos em campos de ameixas, acordei com o avião já em solo. Ou seja, perdi os Alpes… *e ainda* ganhei uma inimizade portuguesa. A do passageiro, claro. A comissária foi uma fofa.

 
Ilustração tão delícia quanto o suco feita pelo querido e talentoso Juca Oliveira — conheçam mais em seu Instagram @ursojururu ♡

Ilustração tão delícia quanto o suco feita pelo querido e talentoso Juca Oliveira — conheçam mais em seu Instagram @ursojururu

 
 
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Sim, eu já chorei em um voo.

Isso foi há muitos anos, Deus sabe de onde pra onde. A comissária, por algum motivo, pediu que eu trocasse de assento (uma família que estava viajando separada, talvez?). Ok, não vou ser o chato. Mudei de lugar. Menine, foi só eu sentar na minha nova cadeira pra começar o pânico. Na minha cabeça loka, a poltrona antiga é que garantia a minha segurança. Transtorno obsessivo-compulsivo total. Cai no choro na mesma hora. Tentei disfarçar, mas não foi possível. Logo já tinha aquela comoção nas fileiras próximas a mim, todo mundo querendo saber o motivo do “berreiro” e tentando ajudar. Até a comissária (a mesma “fofa” que me mudou de lugar) veio me socorrer. Resultado? A troca foi desfeita e eu me acalmei. Vergonha total.

 
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Acho que na época do episódio do choro eu ainda não sabia de um truque para evitar o pânico — na verdade nem sei se é uma coisa universal ou se funciona só comigo: ficar no banheiro do avião. Sei lá, acho que aquele ambiente minúsculo, todo apertado, acaba remetendo a uma coisa maternal, ao útero. Me acalma que é uma beleza. O diabo é, depois, ver a cara de raiva do povo na fila do lado de fora. Uma vez contei cinco passageiros esperando a vez de entrar. Sorry: prioridades.


Anteriormente em… Doses Curtas

Lembram da primeira trilogia do Doses Curtas? Cliquem nas imagens abaixo para relembrarem (ou conhecerem!) — todas também ilustradas pelo Juca Oliveira (@ursojururu):

 
 
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