Ano novo, amor antigo

Fernando acordou sobressaltado. Nunca mais havia pensado nele. O término foi sem brigas, mas também sem espaço para amizades. Era seu amigo de facebook, mas escolheu a opção de não visualizar as atualizações. Em nome de sua sanidade mental, havia colocado o ex-amor em uma caixinha separada do cérebro, bem guardada, e lá mesmo esquecido a chave. Não lembrava direito do sonho que havia tido, mas certamente havia sonhado com ele. Era quase como se ele estivesse ali, deitado ao seu lado.

Fernando era sagitariano; Bruno, ariano. Não que acreditassem em signos. Na verdade não sabiam nada sobre eles. Desconheciam as características dos signos, não um ao outro; disso, sabiam na medida certa, conhecimento e mistério bem balanceados.

Foram anos felizes em Fortaleza, cidade natal dos dois. “Oi, você vem sempre aqui?”. Fernando achou graça da cantada super batida na balada gay que frequentavam, um inferninho chamado Eldorado e que estava no auge da cena GLS — na época a sigla era assim — da capital cearense no fim dos anos 1990. Deu risada e às costas ao pretendente. Bruno pegou no ombro de Fernando, um toque sutil, sem ser agressivo, e falou em seu ouvido. “Posso também perguntar se você nunca vem aqui, se quiser”. Fernando riu. A risada deu lugar a uma conversa, um cigarro puxou o outro, um uísque chamou o próximo, e quando viram já estavam transando no motel barato ao lado da boate — que é como chamavam “balada” vinte anos atrás. Sabiam quase nada um do outro, mas o encontro do corpo musculoso e peludo de Fernando com magro de Bruno, deu liga.

Não se desgrudaram mais nos cinco anos seguintes, Em pouco tempo, as malas de Bruno estavam espalhadas na quitinete de Fernando, e de lá só saíram depois de muitas brigas, copos quebrados, sexo conciliatório, choros. Fernando nasceu em uma família pobre e agora era um jovem e promissor professor de antropologia da Federal. Bruno, um engenheiro vindo de família rica, ou seja, já com um cargo de gerência garantido quando viesse a formatura, que estava próxima. Mas isso não importava para os dois. Ouviam Maysa, Caetano, Gal, dançavam pelados, entravam em conflito com os vizinhos conservadores. As festas na casa dos dois — agora era dos dois — iam até altas horas. O pão doce que Bruno comprava na padaria. A mania de Fernando de guardar os canhotos dos filmes vistos com o namorado no cinema. O ciúmes disfarçado de bem-querer de Bruno, a falta de apego de Fernando, um hedonista confesso. Tudo isso acabou em um 29 de dezembro de 2004, depois de 5 anos, 7 meses e alguns dias. As malas espalhadas no apartamento, que voltava a ser só de Fernando, faziam agora sua viagem de retorno. O que antes era um alegre caos agora era uma triste cerimônia de encerramento. Até que foi um fim amigável, a seu modo. O tesão ainda habitava aqueles cômodos mas o amor havia ido embora há tempos, bem antes das malas. Tudo foi dito, menos aquelas coisas que eles nem sabiam que sentiam por si e pelo outro. Coisas de jovens. Vinte e tantos anos não são nada.

E eis que, sete anos após aquela partida, as lembranças chegaram com força no sonho de Fernando. Talvez um perfume no elevador, uma música “dos dois” tocada no apartamento de cima. Nos últimos anos tinham trocado e-mails, “aquela pasta de documentos que você esqueceu aqui, Bruno”. “Manda pra mim, estou morando em Goiânia, anota o endereço”. Tinham se adicionado no instagram menos por vontade de saber um da vida do outro, mais como uma mera formalidade da contemporaneidade de quem viveu tanta coisa juntos e que seria feio descartar assim, do nada. Fernando não usava a rede social, então dava no mesmo, continuou sem saber de Bruno.

A verdade é que, todo fim de ano dos últimos três anos, Fernando acordava sobressaltado. Sonhava com Bruno na Tailândia (o máximo que tinham ido era Punta del Este, no Uruguai), em cima de um elefante laranja, ou então morando em um barraco de uma comunidade carente e fazendo cajuzinho, doce que ambos odiavam. E teve o sonho em que corriam nus em uma praia lotada, mas ninguém parecia ligar. Como nos últimos três anos, Fernando não tinha feito planos para o réveillon. Tomava um pouco de espumante às sete horas e ia dormir. Mas, nesse finzinho de 2011, o sono acabou às 21h e deu lugar à angústia como companheira de travesseiro. Naquele estado entre sonho e realidade, sentiu a textura da fronha e lembrou da camisa que Bruno usava no primeiro encontro.

Fernando pegou o celular e levou um tempo até se acostumar com a luminosidade da tela. Foi direto ao instagram de Bruno. Última foto postada: onze minutos atrás. Ele estava lindo, um pouco mais gordo, mas inacreditavelmente lindo. Batia uma massa de bolo na mão — Bruno e eletrodomésticos eram inimigos mortais. Texto da foto: preparando o jantar e esperando os amigos em casa. Local: Goiânia. Fernando olhou tantas vezes aquela frase que seu cérebro chegou a trocar “amigos” pelo seu nome. Esperando Fernando. Uma espera esperada pelo esperado.

Foi em um misto de impulso e amor perdido nos anos de depressão que Fernando se levantou. Pensou em fazer uma pequena mala, mas desistiu da ideia. Trocou de roupa, pegou a carteira e as chaves, bateu a porta de casa e desceu os dois andares de escada de seu prédio às pressas. O primeiro taxi estava ocupado; o segundo, também. O terceiro parou. Para o aeroporto, moço. Quando o carro arrancou, achou um tanto ridícula a cena. Fez menção de pedir para voltar, mas na rádio estava tocando Caetano, Como dois e dois. E juntando um argumento fraco com outro igualmente débil, Fernando decidiu manter o plano de aparecer na festa de Bruno. “Oi, vim pra ficar”. Ou “oi, vim só te dar um beijo, mas um beijo respeitoso, na bochecha, e ver como você está”. Ou “Um beijo respeitoso, mas se quiser pode ser na boca”.

Chegou no aeroporto e riu de si mesmo. Parecia cena de novela barata. Mas engoliu a auto-critica e foi até o balcão da primeira empresa aérea que viu. “Oi, tem voo pra agora para Goiânia?”. Não tinha. Na segunda empresa, idem. Na terceira, “tem, sim. Sai às 23h35”. “Passa no cartão, moça?”. O preço, assim em cima da hora, era mais da metade de seu salário de professor. “Dá pra dividir em quantas vezes?”.

Fernando então caminhou, com sua malinha e o cartão de embarque. Se sentia meio entorpecido. O aeroporto estava vazio àquela hora, as últimas daquele ano em que os EUA finalmente anunciaram a saída do Afeganistão, que o príncipe William casou com Kate Middleton e que Amy Winehouse morreu. As funcionárias das lojas, vazias de clientes, estavam nas portas. Umas encostadas com ar de tédio,; outras, conversando animadamente com as colegas de trabalho, talvez tentando apressar o relógio e o fim do expediente.

A sala de embarque também estava quase sem ninguém. Um grupo de gringos vermelhos de sol embarcava para o Rio de Janeiro, para completar o serviço de grelha da carne. Não demorou muito para a fila do voo para Goiânia começar a se formar. Era uma fila, digamos, bem modesta: apenas 12 pessoas, que em poucos minutos já estavam sentadas em seus assentos. Foi só então que Fernando se lembrou de seu desconforto em voar. Agora não adiantava mais. A adrenalina de ver Bruno mais uma vez falou mais alto que seu medo. Chegou a sorrir quando o avião acelerou na pista e decolou rumo à capital de Goiás.

O avião estava imerso em um profundo silêncio. A escuridão só não era total por conta dos fios luminosos escondidos ao longo do corredor e de uma ou outra luz de leitura acesa. Vinte minutos depois, o comandante passou algumas informações do voo pelo sistema de som e aproveitou para desejar Feliz Ano Novo a todos os 12 convidados, uma vez que o relógio marcava meia-noite. A cabine continuou em silencio, salvo uma risada juvenil vinda do fundo. As comissárias passaram servindo espumante quente em copos de plástico e saquinhos com amendoins. “Oi, posso pegar dois copos? Aliás, três? Quatro seria muito? Estou realmente necessitado”. A aeromoça, descrente com tamanha cara de pau, olhou até o fim do corredor, viu que tinha muito mais copos que pessoas a bordo e entregou, de forma discreta, o pedido quádruplo do passageiro.

Sozinho em sua fileira, encostou-se na janelinha e esticou as pernas nas outras duas poltronas vazias, tomando cuidado para não derrubar os copos cheios na mesinha aberta. Era uma noite sem lua e estrelas. Aos poucos, um nervosismo crescente foi tomando conta de Fernando, que passou a dar goles cada vez maiores e mais frequentes no espumante. “E se esse avião cair?”. O rapaz tinha a certeza absoluta que todo avião no qual ele entrasse estaria fadado a cair em parafuso em direção ao solo. “Meu Deus”, pensou, “seriamos quantos? Doze passageiros, quatro comissárias, o comandante e o copiloto. Não enche nem um estádio para o velório coletivo. Não rende nem uma matéria de capa, destinada às fatalidades envolvendo centenas de pessoas”.

E o pior: será que reconheceriam o corpo? Ninguém, nem um amigo, nem um parente, ninguém, ninguém sabia que ele estava naquele voo. Talvez demorassem semanas para descobrir que ele era ele, que aquele cearense que não aparece há semanas em casa morreu em um acidente aéreo. Àquela altura, o enterro já teria de ser com caixão fechado. E Bruno? Saberia da morte de Fernando? Depois de quanto tempo? Anos? Não tinham mais amigos em comum (a separação incluiu as amizades, cada um escolheu um lado e a vida seguiu). Será que um dia, quando estivesse já bem velho, ele ficaria sabendo que o ex-namorado estava naquele voo que caiu nos primeiros minutos de 2012? E se ficasse sabendo, será que ligaria dois mais dois e chegaria à conclusão que o defunto estava indo vê-lo?

No meio de tantos pensamentos trágicos, em um ambiente que mais parecia um frio e enorme caixão metálico, Fernando se encolheu. Sentiu que ia chorar, mas a perspectiva de não ter com quem se consolar segurou as lagrimas. Pensou na época em quem viveu com Bruno. Como eram imaturos. Como se fizeram mal. Mas também como se fizeram bem. Cuidaram um do outro. E, acima de tudo, foram sinceros.

Em meio a tantos pensamentos, o piloto anunciou o início dos procedimentos de pouso. Fernando mal teve tempo de fechar a mesinha, juntar os quatro copos vazios, desencostar da janelinha e colocar a poltrona na posição vertical. Em poucos minutos, o avião aterrissava em Goiânia. Cambaleante — álcool e estômago vazio nunca dão certo —, se arrastou até o saguão, onde buscou por um taxi. O primeiro taxi estava ocupado; o segundo, também. O terceiro também. Meu Deus, será que teria feito essa enorme viagem para ficar preso no aeroporto? O quarto copo, ou melhor, o quarto taxi estava livre.

Fernando entrou na parte de trás do veículo, sinal universal para “por favor, me deixe em paz”. Disse o endereço ao motorista e se ajeitou no banco. Lá fora, a cidade ainda estava com decoração natalina. Uma sensação de tristeza invadiu Fernando. Era como ver um passado melancólico que ainda se exibe, já sem pompa, para ninguém, para as ruas vazias. Um bando de jovens passou na calçada, talvez em busca de uma balada tardia. Nas varandas dos prédios, pessoas pareciam se divertir.

Chegou ao destino. Era um desses prédios pequenos, dos anos 1950. Sem porteiro. Ele sabia qual era o apartamento de Bruno, mas não quis tocar o botão. Sentou na calçada e, tal qual em um filme, esperou alguém entrar ou sair para aproveitar a brecha do portão aberto. Cinco, dez, quinze minutos. O prédio parecia morto. Talvez o apartamento dele seja virado para os fundos. Depois de vinte longos minutos, uma mulher saiu do prédio. Por pouco o portão não bateu. Fernando entrou no elevador e apertou o terceiro andar. O coração palpitava. Como seria recebido? Com alegria efusiva? Comedida? Ou com um (bem possível) “chamem a polícia, tem um psicopata em minha porta”?

O solavanco do elevador anunciou a chegada ao andar. Com uma respiração profunda, Fernando saiu e foi em direção ao apartamento 31. As axilas suavam, as têmporas suavam, as costas suavam. Nenhuma voz vinha de dentro. Tocou a companhia. Alguém gritou: “deve ser Marina, ela esqueceu a bolsa no sofá”. Espera. Passos. A porta abriu. Bruno olhou como se estivesse reconhecendo o corpo de Fernando meio carbonizado no IML de Goiânia, possivelmente no tal acidente de avião que não ocorreu. Olhos de espanto, de incredulidade. Mas segundos (que pareciam a eternidade) depois, Bruno abriu o sorriso mais lindo, mais lindo que aqueles que Fernando presenciou em 5 anos, 7 meses e alguns dias.

Fernando!

Bruno!

Os dois se abraçaram longamente. Da festa, nem sinal — a última convidada, Marina, foi justamente a moça que abriu o portão.

Os dois se sentaram no sofá vermelho sangue. O apartamento parecia “de revista”, misturando peças antigas com outras contemporâneas. “Meu Deus, como assim, você, aqui em Goiânia, como você está, como está o trabalho?”. Talvez por nervosismo, Bruno se transformou em uma metralhadora de perguntas, todas respondidas em igual velocidade.

O interrogatório de Bruno parecia legítimo para alguém que recebe em casa, de surpresa, um ex-amor desaparecido por anos. “Está namorado? Casado? Tem filhos? Ainda mora no mesmo lugar? Ah, esse é Neto, meu marido”.

Foi então que Fernando percebeu a presença de um homem em pé atrás do sofá. Neto abriu um enorme sorriso: “Fernando, que prazer em te conhecer”. Parecia sincero. Ou então era um ótimo ator. “Vou descer com a bolsa de Marina, ela está chegando, já subo”.

Mal Neto deu as costas, a rajada continuou. “E o Paulinho? Casou com Perla? Soube que destruiram o Eldorado e hoje tem um prédio horroroso no lugar, é verdade? Não foi obra lá da empresa, viu?” , foi logo se explicando. De fato, o Eldorado já não existia, respondeu. Era triste não ver mais aquele lugar tão importante na história de tantos casais gays de Fortaleza. Inclusive a dele.

A cabeça de Fernando girava. A passagem aérea fora do orçamento, o espumante barato e quente, o medo no avião, aquele sofá vermelho Almodovar, o turbilhão de perguntas, a lembrança do fim do Eldorado, a existência de Neto, um lindo Denzel Washington jovem, em início de carreira, Na verdade, a tontura do sujeito interrogado tinha um único motivo: o que diabos ele estava fazendo ali?

Fernando afrouxou o último botão da camisa, se recostou no sofá e disse: Bruno, não estou bem. Nessa hora, Denzel Neto entrou no apartamento, já sem a bolsa, e, presenciando a cena, soube discretamente se retirar para o quarto, deixando os dois a sós.

Bruno permanecia calado, talvez esperando a continuação da frase. Que veio, como uma metralhadora devolvendo o ataque recebido. Não estou bem, não tenho namorado, não transo há anos, estou deprimido, não tenho dinheiro para terapia, vou de casa para o trabalho e volto. E acho que ainda te amo.

A resposta foi um grande silêncio e incômodo. Bruno pegou na mão de Fernando. “Como posso te ajudar?”.

Nessa hora, Fernando começou a chorar. Muito. Chorou pela criança e adolescente alvo de bullying por ser afeminado e que se transformaram em um adulto completamente sem autoestima, chorou pela morte da mãe, chorou por estar envelhecendo sozinho e, sobretudo, chorou por não ter mais aqueles 5 anos, 7 meses e alguns dias. Bruno colocou a cabeça de Fernando no colo a afagou seu cabelos. Fernando soluçou por minutos, ou horas, e acabou pegando no sono.

O sol raiava. A perna de Bruno estava já dormente e, em em uma tentativa de ajeitá-la melhor, acabou acordando o ex-namorado. “Meu lindo — era assim que Bruno chamava Fernando, e vice-versa —, vamos conversar melhor amanhã? Acho que as coisas vão ficar mais claras depois de um bom brunch e uma volta no parque que tem aqui perto. Você pode dormir no quarto de hóspedes, me dá só um minutinho para eu arrumar a cama”.

Bruno deixou Fernando sozinho. Ainda com as faces úmidas das lágrimas quentes, ele se levantou e começou a olhar a estante de livros. Era como olhar o passado, olhar um quadro de cores esmaecidas. Estava lá o típico Bruno, que misturava tudo. Clássicos, modernos, contemporâneos e histórias em quadrinhos.

“Vem, meu lindo. O quarto está pronto”.

Fernando só fez tirar os sapatos e desabou na cama, exausto. Bruno deu um beijo na testa do rapaz e disse: “as coisas vão ficar bem. Talvez não hoje e nem amanhã, mas vão ficar bem. Vamos nos reencontrar, como amigos. E vai ser lindo esse reencontro. Dorme bem”.

Mas Fernando não dormiu. Não dormiu absolutamente nada. Sentia-se esgotado, mas a cabeça funcionava a mil. Sentiu-se patético. Na casa de um ex-namorado, agora casado. Em uma cidade estranha. No primeiro dia do ano.

Pé ante pé, saiu do quarto. Ouviu o ronco alto de Bruno, mesmo com a porta fechada. Não tinha mala. Não tinha amor próprio. Não tinha ninguém. Decidiu ir embora dali o mais rápido possível. Quando já estava pra sair, por algum desses motivos que se desconhece a razão, lembrou-se de um poema. Um poema de um livro, um livro de uma autora, um livro que dera de presente para Bruno em um Natal dos cinco que passaram juntos. Foi, então, até a estante. Tinha vaga lembrança da capa. Depois de uns minutos entre Woolfs e Quintanas, achou a obra. Bruna Beber, estava escrito na capa. Passou rapidamente as páginas e acabou achando o texto que procurava.

“Romance em doze linhas” era o título do poema.

Quanto tempo falta pra gente se ver hoje

Quanto tempo falta pra gente se ver logo

Quanto tempo falta pra gente se ver todo dia

Quanto tempo falta pra gente se ver pra sempre

Quanto tempo falta pra gente se ver dia sim dia não

Quanto tempo falta pra gente se ver às vezes

Quanto tempo falta pra gente se ver cada vez menos

Quanto tempo falta pra gente não querer se ver

Quanto tempo falta pra gente não querer se ver nunca mais

Quanto tempo falta pra gente se ver e fingir que não se viu

Quanto tempo falta pra gente se ver e não se reconhecer

Quanto tempo falta pra gente se ver e nem lembrar que um dia se conheceu

Fernando olhou aquelas doze linhas e as lagrimas novamente espelharam seus olhos. Fechou livro e o abraçou, por instituto. Olhou a mesa da sala de jantar, tomada por pratos e taças sujas. Pensou em deixar o livro aberto ali, naquele poema, e ir embora.

Mas foi embora. Com o livro nas mãos. No taxi, que dessa vez foi fácil de achar, sentou-se no banco de trás, abriu a janela e deixou o ar fresco daquela manhã entrar. Do rádio vinha um sertanejo dor de cotovelo. Fernando começou a cantarolar Como dois e dois, que ouvira horas antes, no taxi em Fortaleza.

Tudo vai mal, tudo

Tudo é igual quando eu canto e sou mudo

Mas eu não minto não minto

Estou longe e perto

Sinto alegrias tristezas e brinco

Chorando, mas não de medo de avião, chegou ao aeroporto de Goiânia. Comprou a passagem de volta a sua vida e foi para o portão de embarque. Dessa vez tinha a certeza que o avião não cairia. Ele ainda tinha muito o que viver.

Rivorivotravel2 Comments