A viagem perfeita: existe manual de como fazer?
Houve uma época, lá pelos anos 1990 e 2000, em que estava muito na moda excursões para a Europa no esquema “15 dias, dez países”. Inclusive esse pacotes turísticos eram anunciados assim ao público, tendo a divulgação de um grande número de nações visitadas em um curto espaço de tempo como um chamariz para as vendas. Tal fato gerou uma série de piadinhas, de cunho classista, que depreciavam tal tipo de viajante. Segundo as “brincadeiras”, quem comprava esse tipo de viagem estava mais interessado em colecionar um maior número de “carimbos no passaporte” em detrimento de conhecer com mais profundidade cada lugar. Na maioria dos casos, quem embarcava eram pessoas de classe média (ou média baixa) que parcelavam o pagamento em inúmeras vezes no cartão de crédito. Para mim, os detratores da ideia de conhecer vários países de uma só vez tinham um claro ranço elitista. Já ouvi coisas do tipo “como assim fazer esse pinga-pinga? O bom mesmo é se aprofundar em um único lugar, absorvendo a cultura, observando o jeito do povo e seus costumes”. Tenho quase certeza de que eu também fiz essa observação tendenciosa alguma vez na vida.
Isso me faz pensar: será mesmo? Será que essa é a melhor forma de viajar? Existe uma forma única e perfeita para conhecer um lugar? Creio que a respostas dessas inquietações — e sobretudo da dúvida que levantei no título deste texto — é: a viagem perfeita depende de cada um, de sua condição financeira na hora de planejá-la, de seus gostos pessoais e interesses.
Uns bons anos atrás, eu morava na Itália e encontrei um casal de amigos que estava mochilando pelo continente. Marquei com eles no lado de fora do Coliseu. Conversa vai, conversa vem, surgiu a clássica pergunta: “vocês não vão entrar no tradicional ponto turístico romano?”. Não iam. Não entraram. Estavam com a grana curta e o objetivo era percorrer o maior número possível de monumentos, tirar fotos do lado de fora mesmo e seguir adiante na lista de locais a serem vistos. Estavam fazendo aquilo por onde passavam há semanas, acordando super cedo e voltando para o albergue tarde da noite, para no outro dia recomeçar tudo de novo, sempre percorrendo tudo a pé, para não gastar grana com passes de transporte público. O objetivo eram as fotos, e olha que na época nem existia instagram. Confesso que achei, na ocasião, um jeito estranho de viajar. Eu, que tanto amo flanar sem pressa pela cidade, sentar em um café e ver a vida passar, entrar em museus e lá ficar por horas, fiquei achando tudo bizarro. Visão boba a minha. Como julgar o objetivo de alguém? Eles pareciam bem felizes, talvez fosse a primeira viagem juntos, não lembro. Naquela noite pediram para dormir em minha casa, juntinhos no único colchão disponível, pois não queriam pagar mais uma diária no hostel e precisavam pegar o voo cedo, o mais barato que encontraram, para a cidade seguinte. Para chegar ao apartamento onde eu morava, se perderam, rodaram por um tempão no frio, uma mochila arrebentou a alça, mas estavam super contentes com aquilo tudo. Certos estavam.
Já um outro casal de amigos foi, anos atrás, passar 15 dias em Nova York. Ficaram somente por lá, explorando ao máximo o sem-número de atrações e atividades. Não se arrependeram. A Grande Maçã, como é chamada a megalópole americana, tem muito a oferecer, e mesmo quem mora por lá diz que não conhece tudo. O lado bom foi que eles conseguiram ir além das atrações de praxe, como Empire State, Metropolitan e Central Park, e puderam visitar também os arredores de Manhattan, como um interessantíssimo museu no Brooklin. Então, o que é melhor? Qual casal está com a razão? Melhor pinga-pinga ou ficar duas semanas em uma única cidade? Os dois estão certos. Por isso é sempre bom se conhecer, ter clara noção dos próprios objetivos quando vai viajar, fazer uma pesquisa na internet sobre as cidades que serão visitadas, e a partir daí planejar tudo direitinho.
Já uma amiga cometeu o quase impensável: juntou uma grana e umas poucas folgas do trabalho, saiu do Brasil para sua primeira viagem à Europa, passou três dias em Paris, três dias em Londres e voltou. Vale frisar que os dias de chegada e partida internacional são quase perdidos totalmente entre filas, transportes do aeroporto para a cidade, check-in no hotel, banho, descanso e alimentação, como detalhei aqui, Pois ela encarou a viagem mesmo assim. Vale a pena tanto esforço e investimento? Quem sou eu para dizer? Eu não faria nem se me dessem primeira classe de graça nos voos, sofrer tanto em aviões por tão pouco. Mas a danada até descolou um lover na capital francesa. Quem não gostaria de um amante parisiense?
Quando comentei sobre esta pauta com meu marido, o editor do rivotravel, ele me contou que uma amiga dele, quando vai conhecer um local, tem como principal objetivo comer. Paris? Melhor focar nas ostras, croissants e na alta gastronomia do que ficar indo no Louvre ou no d’Orsay. E é assim por onde quer que vá. O que vale mesmo é a experiência gastronômica com comidas das mais variadas culturas — agradar o estômago e não o álbum de fotos. Vale até um clique ou outro, desde que o objeto enquadrado seja um belíssimo prato. Tá errada? Não está. Outras pessoas preferem economizar e comer só em redes de fast food. Assim, ficam com uma graninha para compras no free shop na volta. Também estão certas (ok, talvez os nutricionistas discordem um pouco).
Uma amiga ficou anos sem viajar. Mas quando decidiu fazer as malas, “enfiou o pé na jaca”. Tirou um período sabático e ficou alguns meses na Europa, alternando cursos de idiomas com pequenas viagens. Também estava certa. Quando voltou ao Brasil, procurou um novo emprego e se diz felicíssima, sem arrependimentos. Certa também. Outra amiga fez algo similar, só que na Argentina. Foi para La Plata, distante 50 quilômetros de Buenos Aires. Assim, aproveitava uma cidade menor para viver um tempo, trabalhar e aprender o espanhol. Quando sentia falta do burburinho, ia para a capital. Assim, vivia o melhor de dois mundos. Uma outra amiga foi conhecer o México e se apaixonou pelo país. Até hoje, sempre que pode, pega o avião e volta pra lá (salvo engano está lá no momento da realização desta matéria). E ela vai além da Cidade do México. Conhece bem diversas regiões, do interior ao litoral. Não troca o país por nada desse mundo. Passear por seus álbuns de foto no facebook é uma viagem por diversos aspectos da cultura mexicana. Certíssima ela, claro. Tem gente que certamente acharia um absurdo “repetir país”. Mas cada qual com seu modo de ver o mundo — literalmente.
Eu mesmo, sempre (e é sempre mesmo) que vou visitar meus parentes no sul da Itália, reservo uns dias para Roma, para circular pelas mesmas ruas (será que são sempre as mesmas? Elas não mudam?), pelos mesmos pontos turísticos (sempre acrescentando uns novos, claro. Mas ir ao Panteon e a Trastevere é de lei). Amo. Como já disse aqui, outras pessoas não veem graça em “repetir figurinha”, gostam de explorar sempre novos destinos, estão sempre mudando o aeroporto de destino. Mais que certos também.
Isso me faz pensar na série Cinco dicas que podem transformar sua viagem aqui do rivotravel. Será que elas são universais? Claro que não. Primeiramente, partem de minha visão individual. E uma dica pode servir para mim, mas não para o outro. Mas algumas coisas podem ser úteis sim, então a série segue a pleno vapor. Já conhecem?
Em 2019, uns amigos incluíram a Sicília no plano de viagens, onde alugaram um carro. Como sabem que sou grande amante da ilha mediterrânea, me pediram logo conselhos. Separei livros sobre a região italiana, selecionei sites, fotos, fiz um minirroteiro. O resultado foi uma viagem corrida e com uma pitada de frustração. Eu disse: “Taormina é linda, mas não vale mais que um dia”. Eles amaram a cidade, mas como já estavam com um roteiro amarrado e eu tinha recomendado muito o museu e o parque arqueológico de Agrigento, seguiram viagem. Pois depois analisaram que teria sido mais interessante passar uns dias a mais em Taormina. Eu, com minha mania de ver antiguidade e museus, não tinha levado em consideração o perfil dos viajantes. Errado estava.
E por falar em alugar carro, tá aí uma coisa que faz minha viagem perfeita: pegar a estrada atrás do volante e, percorrendo algumas poucas centenas de quilômetros por dia, ir conhecendo o interior das regiões que visito, parando onde quero, na hora que quero. Apreciando a paisagem (com o veículo parado, é claro) e descobrindo pequenas cidades. Adoro um trem, mas nada substitui para mim a flexibilidade oferecida pelas quatro rodas. Certo estou.