Viajei: SOCORRO — Brasília-DF 2023: Voo de ida e volta
Essa matéria vai ser diferente. Como foi uma viagem corrida, juntei os relatos de dois voos, ida e volta (Salvador–Brasília –Salvador), no fim de julho.
E aí começa o drama. Primeiro voo saindo às 5h da manhã. O ideal seria já tomar um remédio no início da noite na véspera, deitar cedo e curtir umas horas relaxantes — na medida do possível do pânico (pensamentos mil rondando a mente panicada). Mas como eu ia viajar com minha mãe, uma senhora de 84 anos que apesar de bem independente precisa de certa ajuda, voar muito medicado não seria opção. Ainda mais que, chegando na capital federal, o dia seria de frenético, programações mil. Fazer check-in no apartamento do Airbnb, arrumar as coisas e já ir para um primeiro tour pela cidade seguido de um almoço de aniversário de minha sobrinha que mora por lá. Depois, emendar com a estreia do filme Barbie, comprar umas camisas no shopping e seguir para rodadas de pizzas e drinks. Ou seja, intensivão. Se eu estivesse muito louco de remédio nada disso seria possível.
Como era de se esperar, a tortura foi grande.
Imagens negativas envolvendo aviões abundavam minha cabeça que lutava para achar uma boa posição no travesseiro. Não vou descrever aqui pois todo mundo que sofre de aerofobia deve saber bem do que eu estou falando. Na noite da véspera, insone, resolvo zapear pela internet. Descubro um site anunciando o serviço Dial a Pilot, por meio do qual, por cinquenta dólares, você pode conversar, em inglês, com um piloto para se acalmar. Pelo preço, dispenso. Para quem ganha em verdinhas do Tio Sam talvez compense. Nota bizarra: logo depois que eu leio sobre o tal Dial a Pilot aparece na tela um anúncio de… serviço de cremação em funerária! Socorro!
Sigo em frente na minha busca pelo sono perdido (sei que ficar no celular é a pior forma de dormir, mas era o que tinha disponível). Vejo um meme. Uma imagem seguida da frase “Só o que cai do céu e chuva e avião”. Resolvo largar o celular. Aquilo não tava me fazendo bem.
Dou uma volta pela casa na penumbra da quase madrugada. Entro no escritório. Bato meu olho no primeiro livro da prateleira. “Milagre nos Andes”, sobre o caso real de um avião uruguaio que caiu com um time de rúgbi nos Andes e…. bem, deixa pra lá. Quem sabe, sabe. Quem não sabe, não recomento buscar no Google. Já fico arrepiado de ver o livro (que é ótimo, por sinal, mas assustador). Pelo menos tinha “milagre” no título. E eu não estaria indo em direção aos Andes, mas sim Brasília, bem no Cerrado.
Chegou a hora de tomar meus remédios de rotina da noite (depressão e bipolaridade). Me atrapalho e tomo o dobro da dose. Mando mensagem para um cunhado psiquiatra, que me tranquiliza. “Não tem nada de mais, você só terá mais sono dessa vez”. Péssima notícia para quem tem de acordar às 2h para ir ao aeroporto.
Por falar na saída de casa, as imagens aparecem difusas em minha mente. Tomo um remedinhos pra ansiedade. Não me lembro de muita coisa. Anotações parcas.
O voo de ida
Chego no aeroporto e passamos logo pelo controle de raio-x. Bate uma vontade de fumar, de modo a dar uma aliviada na tensão. Não tenho cigarros comigo. Muito menos isqueiros (risos, teriam confiscado na segurança de qualquer modo). Também não há, no aeroporto de Salvador, espaço para fumantes. Ou seja, tentativa frustrada.
Entro no avião e me jogo logo na poltrona. Primeira fila. No corredor. Lugar perfeito. Observo a fauna humana entrando. Fico positivamente impacto. Apesar do sono da maioria, é quase unanimidade o “bom dia” para as aeromoças, que são tão humanas quanto nós e certamente prefeririam estar em suas camas quentinhas. Um ou outro não responde à alegre saudação dos tripulantes. Que horror.
Mas o que me espanta mesmo é ver muita gente entrando na aeronave realmente feliz. Meu Deus, eu sou puro terror, o pânico abissal habita em mim, e enquanto isso alguns e algumas pessoas estão quase cantando Beyoncé de tanta animação? Sinto inveja de quem está assim de bem com a vida. De madrugada. E o pior: entrando em um avião!
Eis que a aeronave começa a taxiar e o pânico bate. Olho pro lado e minha mãe já está dormindo. Inveja número dois.
Começa a corrida para a decolagem e eu engato a técnica que aprendi com uma seguidora: elencar itens de um tema, começando com a letra A, depois B e por assim adiante, Escolho “raças de cachorro”. Falho miseravelmente. Lembro de um livro sobre o assunto que eu amava quando criança, mas percebo que, algumas décadas depois, tudo ficou apagado da memória. Ou terá sido o sofrimento mental daquela situação? Pra piorar, como a configuração das primeiras fileiras da Latam é com o assento do meio bloqueado, meu marido teve de ir na fila de trás, na janela, bem longe de mim. Ninguém para segurar minha mão naquele momento difícil.
O avião sai do solo e mexe, remexe, mexe mais um pouco, mais um poucão. De um lado para o outro. Ok, está chovendo. Ok, não é culpa do piloto. Mas praguejo mentalmente Santos Dumont. A trepidação continua. Odeio essa trepidação nos minutos (muitos minutos) após a decolagem, enquanto não alcança altitude de cruzeiro. Turbulência (leve, por favor) quando o avião já está nivelado a cerca de 40 mil pés não me assusta tanto, pois geralmente estou mais tranquilo e o remedinho já bateu efeito. Mas nessa fase de subida meu coração sai pela boca.
Passando o susto inicial, o voo até que foi tranquilo. Mas a volta…
O voo de volta
Nove dias depois é hora de regressar a Salvador. Voo sai 15h15. Mas estávamos na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Três horas de carro da capital federal. Então deixamos quase tudo arrumado na véspera. Remedinho pra dormir? Não. Rafael não dirige em estrada, então eu teria de assumir o volante. Acordamos 6h30 e duas horas depois estávamos programando o GPS para Brasília — eu gritando por pressa e socando toda a tralha no porta-malas. Almoçamos em Brasília e já fomos pro aeroporto. Chegando lá, um caos. Eram pouquíssimos passageiros e um monte de funcionários da Latam, mas mesmo assim conseguiam confundir tudo e dificultar ainda mais. Bem, passado esse estresse, hora de encarar no raio-X. Eis que sou escolhido pelo sistema aleatório para uma revista mais “intima e pessoal” de corpo, roupas e bagagem de mão. Quem não deve, não teme. Mas um panicado já fica ressabiado nessas horas. Fiquei com pena dos agentes por conta do chulé básico depois de quatro dias de trilhas na natureza. Não há talco que segure a onda.
Ah, detalhe, tudo isso eu fiz segurando um relativamente grande avião de brinquedo, esse que aparece na foto da matéria. Eu tinha um igualzinho na infância, e amava. Claro que passou pra um sobrinho, que passou pra outro, e assim sabe-se lá onde foi parar. Durante nossa viagem, minha mãe viu um deles em um antiquário e como o preço estava bom, comprou pra mim de presente, para enfeitar a sala. Mas claro que não ia colocar na mala. Levei na mão, para alegria de crianças e olhares curiosos de adultos.
Na hora do embarque, mais caos. Mas conseguimos entrar (sempre dá certo no final, apesar do perrengue). Como tinha me medicado antes, estava meio grogue. Não consigo atar o cinto. O comissário (Nicholas, um fofo), ajuda, explica que o cinto da primeira fileira é mais complicado pois tem um airbag acoplado. Acho isso surreal.
“Avião em solo sendo abastecido", anunciam da cabine. Pra que eu quero saber disso? Tripulação pede que passageiros deixei os cintos desafivelados. Claro que é para uma eventual fuga mais rápida caso algo dê errado. E eu pensando sempre nos piores cenários.
Pois bem, avião vai decolar e eu começo meu ritual. Dessa vez escolho cidades brasileiras. Mas falho bizarramente mais uma vez. Parece até que era péssimo em geografia na escola, quando na verdade eu amava a matéria. Minha diversão era praticamente decorar tudo o que via no atlas. Mas no avião “deu ruim". Culpa do nervosismo.
Avião decola. Treme tudo, Ok, é “normal” (menos pra quem é panicado). Continua a subir. E tremer. E treme mais. Chega a nível cruzeiro. Deveria parar de tremer, mas continua a chacoalhar forte. Ai, Jesus. Será meu fim? Serviço de bordo começa, mas é logo interrompido pela forte trepidação. Tá tudo bem, senhor piloto? Fala com a gente, não fica em silêncio, não, que a gente já pensa que você tá focado em manter todo mundo vivo! Jesus, a tremedeira não passa. Desisto, me entrego a Deus e desmaio ao sabor do remédio. E dá certo. Acordo com o comandante anunciando a aproximação final do aeroporto de Salvador.
Ou seja, a vida nos chacoalha, mas conseguimos chegar.
Como de costume, fiz alguns videos desta viagem e coloquei lá no Instagram do rivotravel — vão lá conferir!