“Uber voador”: você teria coragem de embarcar nessa?
No futuro imaginado pelo desenho animado cult Os Jetsons (produzido nos anos 1960, mas exibido no Brasil nas décadas seguintes), o transporte não era feito em carros, mas sim em pequenas espaçonaves. Era um velho clichê da ficção científica, mas talvez essa visão avançada não esteja tão longe assim. A possibilidade pode se concretizar mais cedo do que você imagina, e a resposta está nas pranchetas e computadores das principais empresas da indústria aeronáutica. Um gostinho dessa tendência foi dado nesta semana, no Uber Elevate Summit 2019, realizado em Washington (EUA) e que reuniu construtores, gestores, especialistas e investidores do setor.
A questão é: você, cara panicada, caro panicado, embarcaria nessa? Já pensou chamar um uber e ele vir lá de cima?
Mas antes de responder com um sonoro “não, nunca”, é bom conhecer um pouco as propostas apresentadas, com destaque para a EmbraerX, braço de negócios disruptivos da Embraer (disruptivo é o termo usado na área do empreendedorismo como sinônimo de inovador, moderno e radical). A empresa apresentou nos EUA um modelo de aeronave eVTOL (“e”de elétrico; “VTOL” de pousos e decolagens verticais, na sigla em inglês) para a Uber Elevate, iniciativa de mobilidade aérea da empresa que se popularizou ao redor do mundo pelas soluções em transporte terrestre, sobretudo nas grandes cidades. A ideia é justamente oferecer um serviço que possa driblar os constantes e crescentes engarrafamentos dos centros urbanos. Segundo a EmbraerX, inicialmente os voos seriam feitos com um piloto, mas o equipamento foi projetado visando, futuramente, total autonomia, ou seja, sem tripulação. Segundo Jorge Eduardo Leal Medeiros, professor de transportes aéreos e aeroportos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), isso é plenamente possível no futuro. “Há 30 anos quem imaginaria poder andar no metrô paulistano sem um operador no vagão?”, compara. O professor diz ainda que uma maior presença de veículos aéreos nas cidades implicará mais investimentos em segurança. Mas ele vê cenários favoráveis, “Se os carros tivessem o mesmo tipo de controle que tem o transporte aéreo não teríamos tantos acidentes (automotivos)”, pontua Jorge Eduardo.
Empresas como Aurora Flight Sciences (um braço da gigante americana Boeing), Bell, Pipistrel, Karen e Jaunt também estiveram presentes no encontro nos EUA, apresentando suas visões para o mercado. Algumas delas, como a Aurora/Boeing, já fizeram, inclusive, os primeiros testes em voo de seus aparelhos. O voo inaugural do PAV (Passenger Air Vehicle) da Aurora foi em janeiro deste ano. Mas, segundo o site da revista VEJA, que acompanhou o Summit, o modelo da EmbraerX, apresentado apenas digitalmente ao público, chamou a atenção pela simplicidade. Se sair mesmo do papel (será que essas empresas ainda usam papel para projetar?), o eVTOL da Embraer será elétrico, com energia gerada a partir de baterias, o que ajudaria a diminuir custos e reduzir o impacto ambiental.
Uma pergunta que fica no ar (perdão pelo trocadilho) é: qual seria o custo disso tudo pro usuário? Ainda não se sabe. “Não será uma aeronave VIP, exclusiva, mas algo para uso da massa”, disse ao site da VEJA Antonio Campello, CEO da EmbraerX. O “carro voador” ainda não é uma realidade, mas sem dúvida é visto com bons olhos por uma fatia da população que precisa de deslocamentos rápidos na cidade, mas está muito longe de ter condições financeiras da fretar ou mesmo comprar um helicóptero. Especialista em inovações na indústria aeronáutica, o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Marcos José Barbieri Ferreira diz que a tendência natural é a popularização do serviço. “Como qualquer tecnologia que requer altos investimentos, com o passar do tempo há uma queda no preço final (para o consumidor). Foi assim com a televisão, com o telefone…”, pontua.
Nas pesquisas feitas para o desenvolvimento do eVTOL, a EmbraerX notou que os futuros usuários desejariam, sim, se locomover pelos céus, mas em um equipamento que lembre um carro, por ser algo mais familiarizado ao dia a dia das pessoas. “Não basta ter um produto seguro. Usuários querem se sentir seguros”, afirmou o executivo. A Uber anunciou que pretende iniciar, já no próximo ano, alguns testes de um carro voador em Dallas, Los Angeles e Melbourne, mas a operação comercial deve ficar só para depois de 2023. A ideia não é fazer o “novo uber” chegar na porta da casa do usuário ou onde ele estiver. Edifícios com várias estruturas similares aos atuais helipontos seriam construídas, para possibilitar o pouso e decolagem verticais. Os skyports, como estão sendo chamados esses prédios, estão sendo elaborados por renomados escritórios de arquitetura. A meta é minimizar a geração de ruído e utilizar materiais sustentáveis.
O professor da Unicamp acredita que o automóvel é um modelo ultrapassado do ponto de vista tecnológico e como modelo de negócio, pois requer grandes investimentos do consumidor (compra do bem, despesa com garagens e estacionamentos, manutenção, combustível, impostos etc). “A tendência é o produto (automóvel) seja substituído pelo serviço”, afirma Barbieri, dando como exemplo o próprio aplicativo do Uber, que revolucionou a forma como as pessoas se locomovem dentro das cidades. E esse seria o primeiro passo rumo ao “uber dos céus”. Para quem defende a melhoria na qualidade dos meios de transportes públicos e de massa, Barbieri pondera: “O metrô é fundamental para deslocamentos de muitas pessoas, mas, a depender da área, não compensa”, ressalta o especialista, apontando o elevado custo de implantação do metrô. Portanto, na ótica de Barbieri, diferentes modais podem coexistir nas cidades, inclusive o eVTOL.
Tudo parece muito surreal e improvável. Pelo menos é o que eu penso sobre o assunto. Ou melhor, pensava. Fui dar uma olhada no site da EmbraerX e me deparei com um artigo assinado pelo CEO da empresa que me fez refletir. Copio abaixo:
“Sujeira, lentidão e proliferação de doenças. Assim era a cidade de Nova York, nos Estados Unidos, da década de 1910. Na época, o meio de transporte mais popular e eficiente eram as charretes. Ninguém acreditava que em pouquíssimo tempo - questão de 10 anos - ocorreria ali uma disrupção. Com o desenvolvimento da indústria automotiva, em pouco tempo os cavalos deram lugar a carros, mudando completamente a realidade da cidade, a relação dos cidadãos com o tempo, o entorno e abrindo à população inúmeras possibilidades”.
Ele não deixa de ter certa razão. Para quem está na casa dos 30 e tantos anos ou mais, é fresco na memória uma realidade sem celulares (e olha que nem estou falando de smartphones e seus mil aplicativos tão essenciais no dia de hoje). Uma época na qual a comunicação era feita por telefones públicos (os orelhões), nos quais era preciso inserir fichas. Tempos pré-internet, quando as pesquisas escolares eram feitas em enciclopédias. Saudosismo? Nenhum. Em questão de algumas décadas, a tecnologia transformou radicalmente nossa forma de estar e se comunicar no mundo.
E por que não mudar a forma como nos locomovemos nas cidades? Resta saber: teremos nós, panicadas e panicados, coragem de entrar nessa?
Ficou na dúvida? Veja abaixo vídeos e fotos (e links) de equipamentos que estão sendo projetados e desenvolvidos ao redor do mundo para transporte de passageiros do “Uber aéreo”.
Conheça também alguns dos projetos para os skyports, pontos de chegada e partida dos eVTOL clicando aqui.