Pistas curtas
Quem é panicado sente: quando a decolagem e — principalmente — o pouso da aeronave é realizado em uma pista tida como curta (como Congonhas) o medo bate mais forte. E se o avião não conseguir realizar a manobra e acabar saindo “pela tangente”?
Na verdade, não há como dizer que uma pista é curta sem avaliar o tipo de avião que vai recebê-la. Cada projeto de aeronave define um manual que especifica o comprimento de pista necessário para pouso e decolagem, considerando o trajeto a ser cumprido e o peso máximo do avião. Uma operação segura está relacionada ao cumprimento de requisitos normativos por parte da aeronave, infraestrutura aeroportuária e tripulantes, bem como a compatibilização entre estas áreas — explica a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que regulamenta o setor no Brasil.
E quando o assunto é estrutura, isso inclui não somente o comprimento da pista — que é a razão do pavor da maioria das panicadas e panicados —, mas também a sua largura. O aeroporto de Guarulhos, em São Paulo (SP), por exemplo, teve de aumentar a largura da pista para ser apto a receber o maior avião comercial do mundo, o Airbus A380 (em março deste ano a Emirates começou a voar regularmente para SP com o mastodonte aéreo — o Rivotravel falou disso aqui). Por conta da enorme envergadura do modelo, se a pista não tivesse sido alargada, haveria risco de as turbinas situadas mais próximas às asas sugarem detritos e grama, comprometendo assim seu devido funcionamento.
Mas é claro que existem pistas e pistas, e se comparadas, dá para dizer que algumas delas são tidas como curtas. Congonhas (SP), por exemplo, tem pista com 1.345m de comprimento. Ilhéus (BA), 1.477 metros. Para efeito de comparação, a pista de Salvador tem 3.003 metros de comprimento. Guarulhos (SP) possui uma pista de 3 mil metros e outra de 3.700 metros.
O piloto Gilmar de Paula, um dos proprietários da escola de aviação Aerotime, explica mais detalhadamente quais são os fatores que determinam o tamanho de pista necessário para decolagens e pousos. O primeiro fator é o próprio avião: o desempenho de aceleração, capacidade de alçar voo e subida, capacidade de frenagem (em caso de uma decolagem abortada) e até os pneus utilizados são importantes. É por este motivo que alguns aviões utilizam determinadas pistas e outros não. O segundo fator, segundo o piloto, é a relação entre o peso bruto de decolagem (que é o peso do avião mais tudo o que tem dentro, passageiros, combustível, carga etc) e a V1 (que é a velocidade de decisão, quando o comandante decide se deve prosseguir ou não com a decolagem). "Se o avião está mais carregado (claro, ainda dentro dos limites), seu desempenho não será tão positivo quanto uma aeronave nas mesmas condições, porém mais leve”, relata.
Um outro ponto importante a ser observado é a própria pista: declividade, tipo de pavimento (pois afeta o atrito e o modo de operação), obstáculos nas cabeceiras (sim, deve-se atentar para obstáculos, como prédios). “O quarto fator fundamental é o meio: altitude do aeródromo (e a pressão naquele local), temperatura ambiente e o vento (direção e intensidade). A pressão e a temperatura definem a densidade do ar, que diretamente afeta o desempenho do voo. De forma simplificada, quanto mais alta estiver uma pista, por exemplo, maior deve ser a corrida de decolagem. Quanto mais quente, também maior será a corrida de decolagem. Outra curiosidade é a direção do vento. O ideal é decolar (e pousar) contra o vento, pois isto reduz a distância de decolagem (e pouso)”, afirma Gilmar.
O piloto ressalta ainda que a decolagem e o cálculo de pista englobam não apenas tirar o avião do solo mas também iniciar a subida com segurança ou ainda a possibilidade de abortar e parar a decolagem. “Os fatores que influenciam o pouso são basicamente os mesmos, entretanto, deve-se considerar um elemento importante que é o fato de que, depois do pouso, a aeronave tem que parar”, observa Gilmar. Cada pista, explica ele, tem um comprimento de pista disponível para a corrida no solo de uma aeronave que pousa, chamada de LDA (Landing Distance Available). Os cálculos de desempenho de pouso são inerentes de cada aeronave.
Todas as etapas de um voo envolvem muita matemática (todas essas explicações lembram muito as aulas de física do ensino médio, não?) e as normas de segurança são aplicadas com rigor e muita responsabilidade. Importante dizer que as pistas de Ilhéus e Congonhas são consideradas seguras para o tipo de aeronaves que recebem, como é o caso dos modelos menores (A318, Boeing 737 etc). O acidente da TAM em Congonhas, por exemplo, ocorreu por diversos motivos: erro humano, equipamento da aeronave quebrado e falta de ranhuras na pista para escoar a água acumulada das chuvas — problema já corrigido pelo aeroporto.
Mas, afinal, pistas curtas demandam mais atenção dos pilotos? “Via de regra, sim. Quanto menor a distância de pouso disponível, menor será a margem de erro. Mas vale lembrar que o adjetivo “curto” pelo que vimos é relativo e depende de outros fatores. Outro ponto importante, a atenção no pouso é evidentemente importante, mas um planejamento adequado é essencial. E é isso que ocorre nas grandes companhias aéreas no Brasil (felizmente!). A cultura da segurança no país é muito forte na aviação comercial”, afirma Gilmar. Que bom!
Mas você reclama de pistas curtas aqui no Brasil? Veja abaixo uma seleção de algumas pistas no exterior que são realmente curtas:
AEROPORTO Tenzing-Hillary (NEPAL)
Se o alpinismo é um esporte de aventura, pousar nesse aeroporto localizado no meio do Himalaia pode ser a cereja do bolo. A pista do Tenzing-Hillary, no Nepal, tem 400 metros de comprimento! E no fim dela há um abismo de mais de 600 metros de altura. Claro que só aviões bem pequenos podem pousar lá. E, sim: já houve acidentes com mortos.
Aeroporto Juancho E. Yrausquin (ILHA DE SABA)
Mas, com alguns metros a menos, o aeroporto Juancho E. Yrausquin, na ilha de Saba, no Caribe, é tida como a menor pista do mundo aberta a voos comerciais (aviões pequeninos, claro). A de lá tem 396 metros — não tinha nem um espacinho a mais para chegar a 400 metros, minha gente? Resposta: não. Apesar de nunca ter registrado um acidente, só de ver o aeroporto já dá um frio na espinha. Saca só.
Aeroporto de Courchevel (França)
E olha que louquinha essa pista do aeroporto de Courchevel, na França. No fim dela tem uma rampa apontando pro nada! Para facilitar a decolagem ou dar aquele frio na barriga nos passageiros todo apertados no aviãozinho? Já rolou acidente com morte por lá também.
Isso sim que são pistas curtas! Pra nunca mais reclamar de Congonhas, hein? Até parece. Continuaremos reclamando sim, claro. Desculpa.