Mão inglesa: keep calm and carry on do lado certo da pista

Uma das coisas que mais gosto quando estou viajando é alugar carro, pois dá uma liberdade ímpar de ir e vir, parar quando dá na telha para ver algo curioso ou apreciar uma bela paisagem. 

Aí chega a Inglaterra.

 
Mão inglesa: OH GOD WHY?

Mão inglesa: OH GOD WHY?

 

Como muitos devem saber, o nome “mão inglesa” (ou seja, posicionar o fluxo de veículos de modo inverso ao da maioria dos países) vem justamente da terra da rainha Elizabeth. Nesses sistemas, os carros sempre pegam o lado esquerdo da faixa. Além disso, tudo nos carros desses países (geralmente ex-colônias inglesas) é trocado para nós, fica “do lado errado”: volante, marcha, comandos etc. Em uma das minhas viagens, caí na besteira (minto, depois com a prática ficou tudo ótimo) de alugar um carro para conhecer um pouco o interior do país. 

Graças a Deus que não aluguei em Londres! Alias, uma dica que dou é tentar alugar o carro em cidades menores. Explico: os primeiros momentos guiando um carro “do lado errado” são de puro pavor! Geralmente os grandes centros urbanos têm o transito muito intenso, e a probabilidade de simplesmente subir no passeio (como sei de gente que já subiu) é grande. Imagina sair de férias e de souvenir levar para casa a vida de um pedestre? Not cool at all.

Acabei alugando o carro em Brighton, que não é propriamente uma cidade pequena, mas tem o transito bem mais tranquilo que o de Londres. A concessionária, ainda bem, ficava numa rua bastante tranquila, apesar de perto da estação principal de trens. Mas é claro que os primeiro metros que fiz, a uma velocidade absurdamente baixa, foram terríveis. A sensação de perda de controle é real e imediata. O povo buzinando atrás, mandando a lesma aqui ir mais rápido. É preciso abstrair isso e ir muito devagar mesmo. 

 

Em azul: países que adotam a mão inglesa. Em vermelho: mão francesa — sabiam que é conhecida assim a mão mais usada no mundo, inclusive no Brasil? (Clique para ampliar)

 

O editor do caderno automobilístico do jornal CORREIO Antônio Meira Jr. já rodou “do lado errado” na Inglaterra, País de Gales e Japão, com direito até a trilhas off-road. Ele dá algumas dicas. “Opte por câmbio automático. Além disso, planeje bem o trajeto e placas pois até se acostumar com a posição de direção poderá se distrair com mais facilidade. E fique de olho na marcação lateral e do meio da pista. No começo pode até posicionar um dos retrovisores externos para uma das faixas e ir conferindo a trajetória”, enumera. 

 
Antônio Meira Jr. encarando mão inglesa no Japão a bordo de um Toyota

Antônio Meira Jr. encarando mão inglesa no Japão a bordo de um Toyota

 

A professora de inglês Naiara Felipe morou uns anos na Inglaterra e também passou pelo problema. Ela conta que toda hora caia sem querer na contramão, e só quando vinha um carro na direção contrária é que ela ia para o lado certo. “Na Inglaterra há muitas rotatórias, gigantescas, que ligam avenidas. E se você está dirigindo do lado contrário, a rotatória gira no sentido contrário também”, relata. Uma vez ela entrou na rotatória do lado errado. “Foi babado! São rotatórias que você nem vê o que está do outro lado, são canteiros, às vezes até com uma pequena elevação no meio. Fui girando pro lado errado e gritando, até chegar na outra avenida, rezando para não vir um carro. Sai tremendo”, relembra.

A sensação de estranhamento (ou seria terror?) de Naiara é compartilhada pelo publicitário Bruno Custódio, que já morou na Austrália, outra nação que adota a mão inglesa. Para ele, nesses países, a primeira sensação é que, quando você é pedestre, a possibilidade de ser atropelado é muito maior. Ao atravessar a rua, é preciso antes olhar para a direita. Muitos lugares têm até setas no chão mandando você olhar pro lado certo. “Esse é o primeiro exercício: não morrer como pedestre”, brinca. No volante, Bruno já entrou em uma contramão, em uma avenida movimentada. A sorte foi que ele conseguiu subir no canteiro baixo e entrar na via correta. “Um desafio é a marcha. Quem é canhoto, como eu pensa, ‘ah, agora vou dominar’ Mas aí, quando você vê, não tem a menor coordenação motora para isso. A mão esquerda serve bem pra botar o dedo no nariz, coçar a cabeça, mas para passar a marcha, esqueça”. Outra coisa que ele aponta é coordenar o uso do limpador de para-brisas e da seta, que ficam invertidos quando comparados aos carros brasileiros. “E fora a sensação constante que você vai sempre tirar um fino dos outros carros. É tenso, parece que você está sempre errando”, conclui. 

A comunicóloga Carol Lola certa vez foi fazer uma road trip na Irlanda e a amiga, dona do carro, deixou que ela dirigisse o veículo, um 4x4. “É muito louco. Teve uma vez que tava vindo um trator e ao invés de eu ir para a esquerda, eu joguei para direita, que é onde fica o acostamento no Brasil. Foi uma aventura, tive de jogar o carro para a esquerda para não bater. Numa situação de risco como aquela, a tendência é fazer o que você já faz no Brasil. E quando você está em uma cidade e vai fazer uma virada, o cérebro manda jogar pro lado direito. Muitas vezes eu virava e ia para a direita e minha amiga gritava ‘vai pra esquerda!’”.

 

A comunicóloga Carol Lola cedeu ao site rivotravel.com esse video de sua experiência dirigindo na mão inglesa da Irlanda

 

Mas nem toda história acaba mal. O professor universitário Claudio Cardoso morou alguns anos na Inglaterra e dirigiu bastante em carros alugados. Por dois anos, teve “um velho Volvo que deixou saudades”. Além de ser muito confortável, era um carro indestrutível, conta. Certa vez, foi visitar um amigo em Windsor, perto de Londres. Ficou tão distraído na ocasião, curtindo a paz da cidade, que esqueceu por um momento que estava dirigindo do lado direito. “Não sei o que aconteceu, mas não medi o espaço da esquerda, e o retrovisor esquerdo, do lado do carona do meu pequeno tanque de guerra sueco se chocou com o retrovisor direito de um carro estacionado na calçada”, lembra. O resultado foi a destruição do espelho do carro estacionado. Ele teve que parar e bater na porta da casa em frente ao carro. “Por sorte, era a casa do dono, um cara simpático e tranquilo. Aceitou o pagamento e me ofereceu um chá. A tarde caiu e ainda conversávamos animados. Acabei fazendo uma amizade que dura até hoje”, relembra. Um happy end!