Histórias de acidentes não fatais e o que eles têm a nos ensinar #04 — TAM 3804
Caso você já tenha lido as outras edições da série (links no final desta matéria!), sugerimos pular a introdução abaixo.
A ideia de fazer essa série veio de uma inquietação. Apesar de nosso consciente saber que o avião é um meio de transporte super seguro, ganhando de lavada de outros como carro ou ônibus, ainda assim muitos se veem indo em direção à guilhotina cada vez que entram em uma aeronave. Visualizando aquela estrutura metálica envolta em uma bola de fogo com destino à morte. Acontece que muitos incidentes que ocorrem durante o voo sequer são percebidos pelos passageiros (e isso é tema para uma outra matéria) pois são resolvidos sem alardes pelos comandantes. E mesmo os de maior gravidade, que geralmente levam a um pouso de emergência, muitas vezes acabam sem vítimas fatais — ou mesmo sem feridos. Por isso, para tranquilizar as panicadas, panicados e simpatizantes, resolvi fazer essa série, para desmistificar a ideia segundo a qual todo acidente é fatal. Trazer à tona casos que, devido à perícia da tripulação ou à alta tecnologia do avião, não passaram de um grande susto. “Acidentes que ameaçam a vida (inclusive aqueles que não têm sobreviventes) são muito raros. Um evento desses só ocorre a cada 5,7 milhões de partidas”, afirmou, em 2017, em entrevista à BBC Brasil, Edwin Galea, professor da Universidade de Greenwich — ele é matemático, especialista em engenharia de segurança e desenvolvedor de simulações. ”Digamos que se uma pessoa voasse todos os dias, experimentaria um acidente catastrófico em algum momento dentro dos próximos 2,7 mil anos”, declarou ao mesmo veículo de comunicação Perry Flint, porta-voz da IATA (Associação Internacional de Transporte Aéreo, da sigla em inglês).
Vamos então aos fatos!
Começo esse texto com um adendo importante e que torna este acidente bem peculiar: houve, no caso do voo TAM 3804, uma fatalidade. Mas não entre passageiros, tripulação ou pessoas em terra. Quem perdeu a vida foi uma azarada vaca… Mas isso explico melhor adiante.
O fatídico voo aconteceu no dia 30 de agosto de 2002. O TAM 3804 era uma rota regular da empresa paulista e ia de São Paulo (aeroporto de Guarulhos) a Campo Grande (MS). Um voo curto, portanto. A aeronave que fazia o trajeto era um Fokker 100. Ele mesmo, o modelo que anos antes caíra em São Paulo logo após decolar do aeroporto de Congonhas, na capita, e que já habitava os pesadelos de muitas panicadas e panicadosl. O 3804 partiu às 9h48. Quando atingiu a altitude de cruzeiro, por volta dos 12 mil metros, a tripulação foi supreendida com o aviso de baixa pressão de combustível para um dos motores. Pouco depois, o desequilíbrio de combustível continuou, com perda rápida do precioso líquido. Foi decidido então, junto à equipe de terra, decidir desviar para um pouso de emergência em Araçatuba, mas os dois motores que alimentavam o Fokker 100 pararam completamente de funcionar devido ao esgotamento completo de combustível.
O 3804 ainda estava a cerca de 25 quilômetros da pista de pouso. Foi então que a tripulação teve de fazer um pouso de emergência em uma fazenda da região de Birigui, a 518 quilômetros a noroeste de São Paulo (foi nesta ocasião em que a tal vaca foi atropelada). O local “escolhido” foi o sítio Santa Ana, próximo à rodovia Gabriel Melhado. Segundo uma das passageiras, Maria Aparecida de Oliveira do Amaral, ouvida no dia do acidente pelo jornal local Diário da Região, “o voo seguia normalmente até que o piloto anunciou que por problemas técnicos fariam uma escala em Araçatuba”. De repente, afirmou Maria Aparecida, as comissárias de bordo sentaram-se de forma bem rápida, colocaram os cintos e pediram que os passageiros fizessem o mesmo, colocando a mão sobre a cabeça, ou seja, adotando a posição para pouso de emergência.
Todos os 24 passageiros e cinco tripulantes sobreviveram. Apenas quatro pessoas tiveram ferimentos leves (escoriações e dores no corpo). Após atendimentos, os passageiros foram levados, de ônibus para o aeroporto de Rio Preto, onde embarcaram para Campo Grande (MS) e Cuiabá (MT). Apenas três mulheres permaneceram internadas na cidade. Testemunhas que estavam nas proximidades, passageiras e passageiros elogiaram a habilidade do piloto que conseguiu pousar o avião em um terreno acidentado. Pedaços dos pneus do trem de pouso ficaram espalhados no pasto. A aeronave sofreu avarias, sobretudo nas asas e na parte traseira, onde ficava localizado o par de motores.
A investigação foi feita pela Divisão de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Dipaa) do Departamento de Aviação Civil (DAC) e engenheiros da TAM, Eles concluíram que o Fokker 100 que fez o pouso forçado tinha uma falha mecânica em um dos tubos de alimentação de combustível do motor direito. Segundo relatório do Dipaa, não houve falha humana na manutenção do componente, pois “todos os parafusos de fixação foram encontrados corretamente posicionados e com torque adequado”.
Curiosamente, outro avião da TAM fez um pouso de emergência cerca de uma hora depois do primeiro incidente. O Fokker 100, voo 3499, que partiu de Salvador (BA) com destino ao aeroporto de Guarulhos (São Paulo), aterrissou no aeroporto de Viracopos, em Campinas, com 42 passageiros. Ninguém ficou ferido. O acidente foi causado por uma falha no trem de pouso e a aeronave teve de pousar “de barriga”. Mas esses dois casos no mesmo dia certamente contribuíram para agravar a péssima imagem que os brasileiros tinham do Fokker 100, que era usado pela TAM e também pela Oceanair (que depois virou Avianca Brasil).
Dois pousos de emergência com a mesma companhia aérea e mesmo modelo de avião e sem vítimas fatais. Acho que dá para repensar um pouco nosso medo de voar, não?